sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

SÃO SILVESTRE I, papa

Sagrado bispo da Igreja Romana no ano de 314, governou a Igreja, sendo imperador Constantino Magno, tempo em que o cisma dos donatistas e a heresia dos arianos suscitavam grandes calamidades. Morreu em 335 e foi sepultado no cemitério de Priscila, na via Salária.


Da "História Eclesiástica", de Eusébio de Cesaréia, bispo (Lib. 10, 1-3: PG 20, 842-847)  


A paz constantiniana


Por tudo, seja glorificado o Deus onipotente e rei universal; e glorificado também o salvador e redentor de nossas almas, Jesus Cristo, através de quem rogamos seja firme e estável nossa paz, guardada perpetuamente, tanto de ameaças externas quanto de todos os males e perturbações do espírito.


O dia já sereno e claro, sem nuvem alguma, iluminava com o esplendor da luz celeste as Igrejas de Cristo disseminadas por todo o mundo. Permitia-se até aos estranhos de nossa religião, participarem, em certa medida, dos mesmos bens concedidos por Deus a todos.


Para nós, que colocamos toda nossa esperança em Cristo, era incrível a alegria, e, por assim dizer, divino o júbilo que brilhava no rosto de todos; pois víamos todos aqueles lugares, pouco antes destruídos pela impiedade dos tiranos, revivendo de longa e pestífera enfermidade; e os templos de novo se elevam do solo até enormes alturas e com muito mais ornatos e maior esplendor do que antes de sua destruição.


Desejado e ambicionado espetáculo ofereciam-nos a festa das dedicações em cada cidade e a bênção de oratórios recém-construídos.


Para tanta alegria, a reunião dos bispos; a afluência dos peregrinos de outras e distantes regiões; a mútua caridade e benevolência dos povos entre si, porque os membros do Corpo de Cristo estavam fortemente unidos.


Na verdade, pelo oráculo profético já estava tudo predito sob uma velada figura; o osso adaptava-se ao osso, e a juntura à juntura; e tudo o mais que a profecia enunciou com palavras misteriosas.


Era uma só a virtude do Espírito Santo difundindo-se por todos os membros; uma só a alma de todos; a mesma alegria da fé; uma só a harmonia de todos a cantar hinos a Deus. 


E mais, as perfeitíssimas cerimônias dos prelados, os apurados sacrifícios dos sacerdotes e os augustos ritos divinos da Igreja; aqui, os salmos dos cantores e as palavras dos ouvintes, divinamente entregues a nós: ali, os divinos e sagrados ministérios dos mortos. Eram também entregues os símbolos da paixão salutar. 


Enfim, a multidão de toda idade e sexo, com preces e ações de graças, do fundo do coração adorava na imensa alegria de suas almas a Deus, autor dos bens. 




quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

29 de dezembro

 Segunda leitura

Dos Sermões de São Bernardo, abade

(Sermo 1 in Epiphania Domini, 1-2:
PL 133, 141-143)

(Séc. XII)


Na plenitude dos tempos, veio a nós a plenitude da divindade

Apareceu a bondade e a humanidade de Deus, nosso Salvador (cf. Tt 3,4). Demos graças a Deus que nos dá tão abundante consolação neste exílio, nesta peregrinação, nesta vida tão miserável.


Antes de aparecer a sua humanidade, a sua bondade também se encontrava oculta; e, no entanto, esta já existia, porque a misericórdia do Senhor é eterna. Mas como poderíamos conhecer tão grande misericórdia? Estava prometida, mas não era experimentada e por isso muitos não acreditavam nela. Muitas vezes e de muitos modos, Deus falou por meio dos profetas (cf. Hb 1,1). E dizia: Eu tenho pensamentos de paz e não de aflição (cf. Jr 29,11). E o que respondia o homem, que experimentava a aflição e desconhecia a paz? Até quando direis paz, paz e não há paz? Por esse motivo, os mensageiros da paz choravam amargamente (cf. Is 33,7), dizendo: Senhor, quem acreditou no que ouvimos? (cf. Is 53,1). Agora, porém, os homens podem acreditar ao menos no que vêem com seus olhos, pois os testemunhos de Deus são verdadeiros (cf. Sl 92,5); e para se tornar visível, mesmo àqueles que têm a vista enfraquecida, armou uma tenda para o sol (Sl 18,6).


Agora, portanto, não se trata de uma paz prometida, mas enviada; não adiada, mas concedida; não profetizada, mas presente. Deus Pai a enviou à terra, por assim dizer, como um saco pleno de sua misericórdia. Um saco que devia romper-se na paixão para derramar o preço de nosso resgate nele escondido; um saco, sim, que embora pequeno estava repleto. Pois, um menino nos foi dado (cf. Is 9,5), mas nele habita toda a plenitude da divindade (Cl 2,9). Quando chegou a plenitude dos tempos, veio também a plenitude da divindade.


Veio na carne para se revelar aos que eram de carne, de modo que, ao aparecer sua humanidade, sua bondade fosse reconhecida. Com efeito, depois que Deus manifestou sua humanidade, sua bondade já não podia ficar oculta. Como poderia expressar melhor sua bondade senão assumindo minha carne? Foi precisamente a minha carne que ele assumiu, e não a de Adão, tal como era antes do pecado.


Poderá haver prova mais eloqüente de sua misericórdia do que assumir nossa miséria? Poderá haver maior prova de amor do que o Verbo de Deus se tornar como a erva do campo por nossa causa? Senhor, que é o homem, para dele assim vos lembrardes e o tratardes com tanto carinho? (Sl 8,5). Por isso, compreenda o homem até que ponto Deus cuida dele; reconheça bem o que Deus pensa e sente a seu respeito. Não perguntes, ó homem, por que sofres, mas por que ele sofreu por ti. Vendo tudo o que fez em teu favor, considera o quanto ele te estima, e assim compreenderás a sua bondade através da sua humanidade. Quanto menor se tornou em sua humanidade, tanto maior se revelou em sua bondade; quanto mais se humilhou por mim, tanto mais digno é agora do meu amor. Diz o Apóstolo: Apareceu a bondade e a humanidade de Deus, nosso Salvador. Na verdade, como é grande e manifesta a bondade de Deus! E dá-nos uma grande prova de bondade Aquele que quis associar à humanidade o nome de Deus.

SANTO TOMÁS BECKET, bispo e mártir


Nasceu em Londres, em 1118; ingressou no clero de Cantuária e foi chanceler do Reino; em 1162 recebeu a sagração episcopal. Com denodo defendeu os direitos da Igreja contra o rei Henrique II, o que lhe acarretou um exílio de seis anos na Gália. De volta à pátria, ainda teve muito que sofrer, até que em 1170 foi assassinado por guardas do rei.


Das Cartas de são Tomás Becket, bispo

(Epist. 74: PL 190, 533-536)


Só é coroado quem luta conforme as regras


Se cuidarmos ser aquilo que dizemos, e queremos conhecer o significado de nosso nome de bispos e pontífices, importa considerar e imitar com incessante solicitude os passos daquele que, feito pontífice para sempre, se ofereceu a Deus por nós no altar da cruz. E das alturas dos céus vê continuamente as ações e as intenções de todos e dará por fim a cada um segundo suas obras.


Recebemos a missão de representá-lo aqui na terra, alcançamos seu nome glorioso, a honrosa dignidade; possuímos no tempo o fruto das labutas espirituais. Sucessores dos apóstolos e dos maiores encargos dos homens apostólicos na Igreja, para que, por nosso ministério, seja destruído o império do pecado e da morte; e o edifício de Cristo, coeso na fé e no progresso das virtudes, cresça para ser um templo santo no Senhor.


Na verdade, são muitos os bispos. E na sagração, prometemos, cuidado e maior desvelo no ensino e governo; por palavras diariamente o declaramos, mas queira Deus que a fidelidade à promessa encontre força no testemunho das obras! Certamente a messe é grande; um só ou poucos não dariam conta de colhê-la e de armazená-la nos celeiros do Senhor. Contudo, quem duvida ser a Igreja Romana a principal de todas as Igrejas e fonte da doutrina católica? Quem ignora terem sido as chaves do reino dos céus entregues a Pedro? Não é pela fé e pela doutrina de Pedro que se levanta a construção de toda a Igreja, até irmos todos ao encontro de Cristo como um homem perfeito, na unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus?


É, na verdade, preciso que muitos plantem, muitos reguem, porque assim o exigem a expansão da palavra e a multiplicação dos povos. Se ao povo antigo bastava um só altar, mas muitos mestres pela necessidade, agora muito mais pela grande afluência de gente; o Líbano não será suficiente para acender, nem os animais, não apenas do Líbano, mas de toda a Judéia, não bastarão para o holocausto. Mas seja quem for que regue ou plante, Deus não dará incremento algum a não ser àquele que plantou unido a Pedro e concorda com sua doutrina. É certo que todas as questões mais importantes dos povos são confiadas ao exame do romano Pontífice; e tendo-o por chefe, as dignidades da santa Madre Igreja, na medida em que são chamadas a tomar parte em seus trabalhos, exercem o poder que lhes foi confiado.


Lembrai-vos, enfim, de como foram salvos nossos pais, como e por meio de que tribulações cresceu e se expandiu a Igreja; de que tempestades escapou a nave de Pedro que tem Cristo por piloto; e de que modo chegaram à coroa. Sua fé refulge com maior brilho pela tribulação. 


Assim caminha a multidão inteira dos santos, porque é sempre verdade que não é coroado quem não luta segundo as regras. 


quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

SÃO JOÃO CÂNCIO, presbítero

 Nasceu na cidade de Kety, da diocese de Cracóvia, em 1390; recebido o sacerdócio, exerceu por muitos anos o magistério na academia de Cracóvia e, em seguida, o encargo da paróquia de Ilkusi. A uma doutrina segura, muito bem transmitida, uniu as virtudes, principalmente a piedade e a caridade para com o próximo, de forma a tornar-se modelo para os colegas e discípulos. Morreu em 1473. 


Inteiramente único no coração, único nos lábios estava Deus


Dos Documentos do Papa Clemente XIII 


Entre os homens ilustres e notáveis pela doutrina e santidade, que vivem e ensinam a fé autêntica e defendem-na contra o ataque dos adversários, São João Câncio foi certamente digno de ser contado entre poucos. Ninguém que saiba ter ele transmitido na academia de Cracóvia a ciência haurida de fonte puríssima, pode duvidar disso. Quanto mais que naquele tempo, em outras regiões não muito afastadas, grassavam heresias e cismas, Esforçava-se, em sua pregação, por explicar ao povo um modo de viver mais santo e o confirmava peça humildade, castidade, misericórdia, penitência corporal e outras virtudes próprias dos sacerdotes íntegros e dedicados operários. 


Por conseguinte, não apenas acrescentou singular beleza e honra aos professores daquela academia, mas deixou um exemplo maravilhosamente válido para todos os outros que se entregam à mesma profissão: que se dediquem com denodo a exercer o cargo de perfeito mestre e, com todas as veras, se esforcem por ensinar a ciência dos santos junto com as outras disciplinas, para louvor e glória do único Deus.


À reverência com que tratava tudo quanto era divino, unia-se a humildade; tendo-se em conta de nada, a ninguém jamais se antepôs, embora com facilidade o primasse na ciência, desejava, contudo, ser desdenhado e rejeitado por todos; longe dele não suportar com tranqüilidade, mesmo os seus caluniadores e os que o tratavam com desprezo.


Companheira da humildade era sua rara simplicidade, digna de uma criança. Em seus atos e palavras, nada de falso, nada de fingido; o que guardava no coração, isto mesmo estava-lhe na ponta da língua. Quando, falando a verdade, percebia ter talvez com suas palavras ofendido a outrem, antes de aproximar-se do altar, pedia perdão de sua falta e também das alheias. Cada dia, terminada sua obrigação, ia logo diretamente do liceu ao templo, onde diante de Cristo escondido na eucaristia, prolongava sua contemplação e preces. Totalmente único no coração, único nos lábios estava Deus. 


domingo, 12 de dezembro de 2021

NOSSA SENHORA DE GUADALUPE

 Padroeira da América Latina

Festa

Segundo arraigada tradição, a imagem da Virgem de Guadalupe apareceu impressa na manta do índio Juan Diego em 1531, na cidade do México. Por isso permaneceu alguns dias na capela episcopal do Bispo D. Frei Juan de Zumárraga e depois na Sé. Em 26 de dezembro do mesmo ano, foi solenemente levada para uma ermida aos pés do cerro de Tepeyac. Seu culto propagou-se rapidamente, muito contribuindo para a difusão da fé entre os indígenas. Após a construção sucessiva de três templos ao pé do mesmo cerro, edificou-se o atual, concluído em 1709 e elevado à categoria de Basílica por São Pio X em 1904.

Em 1754 Bento XIV confirmou o patrocínio da Virgem de Guadalupe sobre toda a Nova Espanha (do Arizona à Costa Rica) e concedeu a primeira Missa e Ofício próprios. Porto Rico proclamou-a sua Padroeira em 1758. Em 12 de outubro de 1892 houve a coroação pontifícia da imagem, concedida por Leão XIII, que no ano anterior aprovara um novo Ofício próprio. Em 1910 São Pio X proclamou-a Padroeira da América Latina; em 1935 Pio XI designou-a Padroeira das Ilhas Filipinas; e em 1945 Pio XII deu-lhe o título de “Imperatriz da América”.
A veneração da Virgem de Guadalupe, solícita a prestar auxílio e proteção em todas as tribulações, desperta no povo grande confiança filial; constitui, além disso, um estímulo à prática da caridade cristã, ao demonstrar a predileção de Maria pelos humildes e necessitados, bem como sua diposição em assisti-los.
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Segunda leitura

Do “Nicán Mopohua”, relato do escritor indígena do século dezesseis Dom Antônio Valeriano

(“Nicán Mopohua”, 12ª edición, Buena
Prensa, México, D.F., 1971, p. 3-19.21)

(Séc. XVI)


A voz da rola se escuta em nossa terra

Num sábado de mil e quinhentos e trinta e um, perto do mês de dezembro, um índio de nome Juan Diego, mal raiava a madrugada, ia do seu povoado a Tlatelolco, para participar do culto divino e escutar os mandamentos de Deus. Já amanhecia, quando chegou ao cerrito chamado Tepeyac e escutou que do alto o chamavam:

– Juanito! Juan Dieguito!

Subiu até o cimo e viu uma senhora de sobre-humana grandeza, cujo vestido brilhava como o sol, e que, com voz muito branda e suave, lhe disse:

– Juanito, menor dos meus filhos, fica sabendo que sou Maria sempre Virgem, Mãe do verdadeiro Deus, por quem vivemos. Desejo muito que se erga aqui um templo para mim, onde mostrarei e prodigalizarei todo o meu amor, compaixão, auxílio e proteção a todos os moradores desta terra e também a outros devotos que me invoquem confiantes. Vai ao Bispo do México e manifesta-lhe o que tanto desejo. Vai e põe nisto todo o teu empenho.

Chegando Juan Diego à presença do Bispo Dom Frei Juan de Zumárraga, frade de São Francisco, este pareceu não lhe dar crédito e respondeu:

– Vem outro dia, e te ouvirei com mais calma.

Juan Diego voltou ao cimo do cerro, onde a Senhora do céu o esperava, e lhe disse:

– Senhora, menorzinha de minhas filhas, minha menina, expus tua mensagem ao Bispo, mas parece que não acreditou. Assim, rogo-te que encarregues alguém mais importante de levar tua mensagem com mais crédito, porque não passo de um joão-ninguém.

Ela respondeu-lhe:

– Menor dos meus filhos, rogo-te encarecidamente que tornes a procurar o Bispo amanhã dizendo-lhe que eu própria, Maria sempre Virgem, Mãe de Deus, é que te envio.

Porém no dia seguinte, domingo, o Bispo de novo não lhe deu crédito e disse ser indispensável algum sinal para poder-se acreditar que era Nossa Senhora mesma que o enviara. E o despediu sem mais aquela.

Segunda-feira, Juan Diego não voltou. Seu tio Juan Bernardino adoecera gravemente e à noite pediu-lhe que fosse a Tlatelolco de madrugada, para chamar um sacerdote que o ouvisse em confissão.

Juan Diego saiu na terça-feira, contornando o cerro e passando pelo outro lado, em direção ao Oriente, para chegar logo à Cidade do México, a fim de que Nossa Senhora não o detivesse. Porém ela veio a seu encontro e lhe disse:

– Ouve e entende bem uma coisa, tu que és o menorzinho dos meus filhos: o que agora te assusta e aflige não é nada. Não se perturbe o teu coração nem te inquiete coisa alguma. Não estou aqui, eu, tua mãe? Não estás sob a minha sombra? Não estás porventura sob a minha proteção? Não te aflija a doença do teu tio. Fica sabendo que ele já sarou. Sobe agora, meu filho, ao cimo do cerro, onde acharás um punhado de flores que deves colher e trazer-me.

Quando Juan Diego chegou ao cimo, ficou assombrado com a quantidade de belas rosas de Castela que ali haviam brotado em pleno inverno; envolvendo-as em sua manta, levou-as para Nossa Senhora. Ela lhe disse:

– Meu filho, eis a prova, o sinal que apresentarás ao Bispo, para que nele veja a minha vontade. Tu és o meu embaixador, digno de toda a confiança.

Juan Diego pôs-se a caminho, agora contente e confiante em sair-se bem de sua missão. Ao chegar à presença do Bispo, lhe disse:

– Senhor, fiz o que me ordenaste. Nossa Senhora consentiu em atender o teu pedido. Despachou-me ao cimo do cerro, para colher ali várias rosas de Castela, trazê-las a ti, entregando-as pessoalmente. Assim o faço, para que reconheças o sinal que pediste e assim cumpras a sua vontade. Ei-las aqui: recebe-as.

Desdobrou em seguida a sua branca manta. À medida em que as várias rosas de Castela espalhavam-se pelo chão desenhava-se no pano e aparecia de repente a preciosa imagem de Maria sempre Virgem, Mãe de Deus, como até hoje se conserva no seu templo de Tepeyac.

A cidade inteira, em tumulto, vinha ver e admirar a sua santa imagem e dirigir-lhe suas preces. Obedecendo à ordem que a própria Nossa Senhora dera ao tio Juan Bernardino, quando devolveu-lhe a saúde, ficou sendo chamada como ela queria: “Santa Maria sempre Virgem de Guadalupe”. 



terça-feira, 30 de novembro de 2021

SANTO ANDRÉ, APÓSTOLO

 Festa


André, nascido em Betsaida, foi primeiramente discípulo de João Batista; seguiu a Cristo e levou à presença deste Pedro. Junto com Filipe, apresentou a Cristo os pagãos e indicou o rapaz que levava pães e peixes. Narra-se que, depois de Pentecostes, pregou o Evangelho em muitas regiões e foi crucificado na Acaia.

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Segunda leitura

Das Homilias sobre o Evangelho de João, de São João Crisóstomo, bispo


(Hom. 19,1: PG 59,120-121)

(Séc. IV)


Encontramos o Messias

André, tendo permanecido com Jesus e aprendido com ele muitas coisas, não escondeu o tesouro só para si mas correu depressa à procura de seu irmão, para fazê-lo participar da sua descoberta. Repara o que lhe disse: Encontramos o Messias (que quer dizer Cristo) (Jo 1,41). Vede como logo revela o que aprendera em pouco tempo! Demonstra assim o valor do Mestre que o persuadira, bem como a aplicação e o zelo daqueles que, desde o princípio, já estavam atentos. Esta expressão, com efeito, é de quem deseja intensamente a sua vinda, espera aquele que deveria vir do céu, exulta de alegria quando ele se manifestou, e se apressa em comunicar aos outros a grande notícia. Repara também a docilidade e a prontidão de espírito de Pedro. Acorre imediatamente. E conduziu-o a Jesus (Jo 1,42), afirma o Evangelho. Mas ninguém condene a facilidade com que, não sem muita reflexão, aceitou a notícia.


É provável que o irmão lhe tenha falado pormenorizadamente mais coisas. Na verdade, os evangelistas sempre narram muitas coisas resumidamente, por razões de brevidade. Aliás, não afirma que acreditou logo, mas: E conduziu-o a Jesus (Jo 1,42), e a ele o confiou para que aprendesse com Jesus todas as coisas. Estava ali, também, outro discípulo que viera com os mesmos sentimentos. Se João Batista, quando afirma: Eis o Cordeiro e batiza no Espírito Santo (cf. Jo 1,29.33), deixou mais clara, sobre esta questão, a doutrina que seria dada pelo Cristo, muito mais fez André. Pois, não se julgando capaz de explicar tudo, conduziu o irmão à própria fonte da luz, tão contente e pressuroso, que não duvidou sequer um momento.

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

SANTO ANDRÉ DUNG-LAC, PRESBÍTERO, E SEUS COMPANHEIROS, MÁRTIRES

 No extremo oriente da Ásia, nas regiões do Vietnã de hoje, o Evangelho já vinha sendo anunciado desde o século XVI. Contudo, de 1625 a 1886, excetuados breves períodos de paz, os governantes dessas regiões tudo fizeram para despertar o ódio contra a religião cristã e os discípulos de Cristo. Quanto mais perseguidos, maior o fervor cristão, tendo como resultado um elevadíssimo número de mártires. O Papa João Paulo II, no dia 19 de junho de 1988, inscreveu 117 deles no rol dos santos mártires. Entre eles, contam-se 11 missionários dominicanos espanhóis, 10 franceses e 96 mártires vietnamitas. Oito são bispos, 50 sacerdotes e 59 leigos, de diversas idades e condições sociais, na maioria pais e mães de família e, alguns, catequistas, seminaristas e militares.

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Segunda leitura 

Da Carta de Paulo Le Bao-Tinh aos alunos do Seminário de Ke-Vinh, de 1843

(Launay, A., Le clergé tonkiois et se prêtres martyrs, MEP, Paris, 1925, pp. 80-83)
(Séc. XIX)

A participação dos mártires na vitória de Cristo Rei 


Eu, Paulo, preso pelo nome de Cristo, quero levar ao vosso conhecimento as minhas tribulações cotidianas que me assaltam de todos os lados, para que, inflamados pelo amor de Deus, possais louvá-lo, porque a sua misericórdia é eterna (Sl 117,1).

O meu cárcere é verdadeiramente uma imagem do fogo eterno. Aos cruéis suplícios de todo gênero, como grilhões, algemas e ferros, juntam-se ódio, vingança, calúnias, palavrões, acusações, maldades, falsos testemunhos, maldições e, finalmente, angústia e tristeza. Mas Deus, que outrora libertou os três jovens da fornalha acesa, sempre me assiste e libertou-me dessas tribulações, que se tornaram suaves, porque a sua misericórdia é eterna!
Graças a Deus, no meio desses tormentos que continuam a apavorar os outros, sinto-me alegre e contente, pois não me julgo só, mas com Cristo. Nosso Mestre suporta todo o peso da cruz, deixando-me apenas uma pequena e ínfima parte: não é só testemunha do meu combate, mas combatente, vencedor e consumador de toda luta. Assim, sobre sua cabeça é que foi colocada a coroa da vitória, de cujo triunfo participam também os seus membros.
Como, porém, Senhor, suportar tal espetáculo, ao ver diariamente os imperadores, os mandarins e seus soldados blasfemarem vosso santo nome, quando estais acima dos querubins e serafins? (cf. Sl 79,3). Eis que a vossa cruz é calcada pelos pagãos! Onde está a vossa glória? Ao ver tudo isso, me inflamo por vós, preferindo morrer com os membros amputados, em testemunho do vosso amor!
Mostrai, Senhor, o vosso poder, salvando-me e protegendo-me. Que a força se manifeste na minha fraqueza e seja glorificada ante os gentios, pois, se eu vacilar no caminho, vossos inimigos, cheios de orgulho, poderão levantar as cabeças.
Caríssimos irmãos, ao ouvirdes tudo isto, dai alegremente graças imortais a Deus, do qual procedem todos os bens. Bendizei comigo o Senhor, porque a sua misericórdia é eterna! Minha alma engrandeça o Senhor e meu espírito exulte de alegria em Deus, meu Salvador; porque olhou para a humildade de seu servo (cf. Lc 1,46-48), todas as gerações me proclamarão bendito, porque a sua misericórdia é eterna!
Cantai louvores ao Senhor, todas as gentes, povos todos, festejai-o (Sl 116,1), porque Deus escolheu o que é fraco no mundo para confundir os fortes, e o que é vil e desprezível (1Cor 1,27-28), para confundir os nobres. Pelos meus lábios e inteligência, Deus confunde os filósofos, os discípulos dos sábios deste mundo, porque a sua misericórdia é eterna!
Tudo isto vos escrevo, para unirdes à minha a vossa fé. No meio desta tempestade lanço a âncora, a viva esperança que trago no coração, até ao trono de Deus.
Caríssimos irmãos, correi de tal modo que possais alcançar a coroa: revesti-vos com a couraça da fé (1Ts 5,8), tomai as armas de Cristo, à direita e à esquerda, segundo os ensinamentos de São Paulo, meu patrono. É melhor para vós entrar na posse da vida com um só olho ou privados de algum membro (cf. Mt 5,29), do que serdes lançados fora com todos eles.
Vinde em meu auxílio com vossas preces, para que possa combater, segundo a lei, o bom combate, e combater até o fim, encerrando gloriosamente a minha carreira. Se já não nos podemos ver nesta vida, tal felicidade nos está reservada para o futuro, quando, junto ao trono do Cordeiro imaculado, exultantes com a alegria da vitória, cantaremos em uníssono eternamente os seus louvores. Assim seja.

terça-feira, 23 de novembro de 2021

SÃO COLUMBANO, ABADE

 Nasceu na Irlanda na primeira metade do século VI, e estudou ciências sagradas e humanas. Tendo abraçado a vida monástica, partiu para a França, onde fundou muitos mosteiros que governou com austera disciplina. Obrigado a exilar-se, foi para a Itália, onde fundou o mosteiro de Bobbio. Depois de ter exercido tão intensa atividade para promover a vida cristã e religiosa do seu tempo, morreu no ano 615.

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Segunda leitura

Das Instruções de São Columbano, abade

(Instr. 11,1-2: Opera, Dublin 1957,106-107)
(Séc.VII)

A grande dignidade do homem está
na semelhança com Deus, se bem guardada

Moisés escreveu na lei: Deus fez o homem à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1,27.26). Considerai, peço-vos, a dignidade destas palavras! O Deus onipotente, invisível, incompreensível, inefável, insuperável, ao formar do barro o homem, enobreceu-o com a beleza de sua imagem. Que é o homem comparado a Deus? E a terra comparada ao espírito? Pois Deus é espírito (Jo 4,24). Grande condescendência: Deus concedeu ao homem a imagem de sua eternidade e a semelhança de seu agir. Grande dignidade: a semelhança de Deus, se bem guardada.
Por conseguinte, se usar corretamente das virtudes infundidas na alma, então será semelhante a Deus. Todas as virtudes que Deus, na primeira criação, semeou em nós, ensinou-nos a fazê-las, por nossa vez, voltar para ele através dos mandamentos. O primeiro destes é: Amarás de todo o coração a nosso Senhor, porque ele nos amou primeiro, desde o início, antes que existíssemos. O amor de Deus é a renovação da imagem. Ama a Deus quem guarda seus mandamentos; assim disse: Se me amais, guardai meus mandamentos (Jo 14,15). É seu mandamento, o mútuo amor: Meu mandamento é que vos ameis uns aos outros, como também eu vos amei (Jo 15,12).
O verdadeiro amor, porém, não está na palavra, mas no gesto e na verdade (1Jo 3,18). Restituamos, portanto, a nosso Deus, a nosso Pai, sua imagem inviolada na santidade, porque ele é santo: Sede santos, porque eu sou santo (Lv 11,44); na caridade, pois ele é caridade, segundo João: Deus é caridade (1Jo 4,18); na piedade e na verdade, porque ele é pio e veraz. Não sejamos pintores de imagem alheia; é pintor de imagem roubada quem é feroz, quem é colérico, quem é soberbo.
Não aconteça introduzirmos em nós imagens roubadas, pinte em nós Cristo sua imagem, ao dizer: Eu vos dou a minha paz, deixo-vos a minha paz (Jo 14,27). Mas, que nos adianta saber que a paz é boa, se não a conservamos bem? O ótimo costuma ser fragilíssimo e as coisas preciosas exigem maior cautela e guarda mais solícita; muitíssimo frágil é aquilo que se perde com a menor palavra e se desfaz com a menor ofensa ao irmão. Nada mais agradável para o homem do que proferir a todo momento palavras ociosas e falar mal dos ausentes. Por isto quem não pode dizer: O Senhor deu-me uma língua erudita para poder sustentar com a palavra o abatido (Is 50,4), cale-se e se disser algo, que seja de paz.

SÃO CLEMENTE I, PAPA E MÁRTIR

 Depois de Pedro, Clemente foi o terceiro a governar a Igreja de Roma, em fins do século I. Escreveu uma importante carta aos coríntios para restabelecer entre eles a paz e a concórdia.

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Segunda leitura

Da Carta aos coríntios, de São Clemente I, papa

(Cap. 35,1-5; 36,1-2; 37,1.4-5; 38,1-2.4: Funk 1,105-109)

(Séc. I)

Os dons de Deus são admiráveis
Caríssimos, como são maravilhosos, como são preciosos os dons de Deus! Vida imortal, esplêndida justiça, verdade liberta, fé intrépida, temperança santa: tudo isto nossa inteligência concebe. O que será então que se prepara para aqueles que o aguardam? O santíssimo Artífice e Pai dos séculos é o único a conhecer a sua santidade e beleza. Portanto, a fim de participarmos dos dons prometidos, empreguemos todo empenho em ser contados no número dos que o esperam.

E como se fará isto, diletos? Estabilizando o nosso pensamento em Deus pela fé; procurando com diligência tudo o que lhe é agradável e aceito; fazendo tudo o que se relaciona com a sua vontade irrepreensível; seguindo o caminho da verdade e rejeitando para longe de nós toda injustiça, iniqüidade, cobiça, contestações, maldades e fraudes.

É este, queridos, o caminho onde encontramos a salvação: Jesus Cristo, o pontífice de nossas oblações, o defensor e o auxílio em nossa fraqueza. Por ele, vemos as profundezas dos céus; por ele contemplamos seu excelso rosto imaculado; por ele foram abertos os olhos do coração; por ele nossa mente, insensata e obscurecida, desabrocha na luz; por ele, o Senhor quis que provássemos da ciência imortal; por ele que é o esplendor da majestade de Deus, e está tão mais alto que os anjos, quanto o nome que recebeu é mais excelente (cf. Hb 1,3-4).

Combatamos, portanto, irmãos, com todo o vigor, sob seus preceitos irrepreensíveis. Não podem manter-se os grandes sem os pequenos, nem os pequenos sem os grandes: estão misturados e daí sua vantagem. Sirva-nos de exemplo nosso corpo. A cabeça nada é sem os pés como também os pés sem a cabeça; os menores membros são necessários e úteis a nosso corpo todo; ou melhor, todos estão bem entrosados e se sujeitam unanimemente, para que todo o corpo se salve.

Com efeito, nosso corpo todo se salvará em Cristo Jesus. Assim, cada qual se submeta a seu próximo em conformidade com o dom que por graça lhe foi concedido: o forte proteja o fraco, o fraco respeite o forte; o rico dê ao pobre, o pobre agradeça a Deus por ter-lhe concedido quem o ajude em sua indigência; o sábio, não por palavras, mas pelas boas obras, manifeste sua sabedoria; o humilde não se elogie a si mesmo, mas deixe que outros o façam. Recebamos, assim, todas as coisas de suas mãos. Por tudo devemos dar graças a ele, a quem a glória pelos séculos dos séculos. Amém.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

SANTA CECÍLIA, VIRGEM E MÁRTIR

 Memória

 O culto de Santa Cecília, que deu o nome a uma basílica construída em Roma no século V, difundiu-se amplamente a partir da narração do seu Martírio em que ela é exaltada como exemplo perfeitíssimo de mulher cristã, que abraçou a virgindade e sofreu o martírio por amor de Cristo.

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Segunda leitura

 Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho, bispo

(Ps 32, sermo 1,7-8: CCL 38,253-254)

(Séc.V)

 Cantai a Deus com arte e com júbilo

Louvai o Senhor com a cítara, na harpa de dez cordas Salmodiai! Cantai-lhe um cântico novo! (Sl 32,2.3). Despojai-vos da velhice; conhecestes um cântico novo! Novo homem, nova aliança, novo cântico. O cântico novo não pertence aos homens velhos. Somente o aprendem os homens novos, renovados da velhice pela graça e já pertencentes à nova aliança, que é o reino dos céus. Por ele anseia todo o nosso amor e canta um cântico novo. Cante o cântico novo não a língua mas a vida.

Cantai-lhe um cântico novo, cantai bem para ele! Alguém pergunta como cantar para Deus. Canta para ele, mas não cantes mal. Ele não quer que seus ouvidos sejam molestados. Cantai bem, irmãos. Diante de um musicista de bom ouvido, dizem-te para cantar de modo que lhe agrade. Ora se não foste instruído na arte musical,temes cantar para não desagradar ao artista. Não sabendo que és ignorante, ele te repreenderá. Quem se oferecerá para cantar bem a Deus, a ele que de tal modo julga o cantor, de tal modo examina tudo, de tal modo sabe escutar? Quando poderás apresentar um canto com tanta arte que absolutamente em nada desagrades aos ouvidos perfeitos?

 Eis que ele te dá um modo de cantar: não procures palavras, como se pudesses explicar aquilo com que Deus se deleita. Canta na jubilação. É isto cantar bem para Deus, cantar na jubilação. O que é cantar no júbilo? Escuta, não se pode expressar por palavras aquilo que se canta no coração. De fato, aqueles que cantam seja na ceifa, seja na vinha, seja em qualquer outro trabalho cheio de ardor, começam com palavras de cantigas a exultar com alegria; depois, a alegria é tanta que já não podem dizê-la, então abandonam as sílabas das palavras e deixam-se levar pelo som do júbilo.

 Júbilo é um som a significar que do coração brota algo impossível de se expressar. E quem merece esta jubilação, a não ser o Deus inefável? É inefável o que não podes falar. E se não o podes falar e não deves calar-te, o que te resta senão jubilar? Alegre-se o coração sem palavras, e a imensidão das alegrias não conheça o limite das sílabas. Cantai para ele com arte e com júbilo (cf. Sl 32,3).

domingo, 21 de novembro de 2021

APRESENTAÇÃO DE NOSSA SENHORA

 Memória

Neste dia da dedicação (ano 543) da igreja de Santa Maria a Nova, construída perto do templo de Jerusalém, celebramos, juntamente com os cristãos da Igreja Oriental, a "dedicação" que Maria fez de si mesma a Deus, já desde a infância, movida pelo Espírito Santo que a encheu de graça desde a sua imaculada conceição.
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Segunda leitura

Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo

(Sermo 25,7-8: PL 46,937-938)
(Séc. V)

Aquela que acreditou em virtude da fé,
também pela fé concebeu

Prestai atenção, rogo-vos, naquilo que Cristo Senhor diz, estendendo a mão para seus discípulos: Eis minha mãe e meus irmãos. Quem faz a vontade de meu Pai que me enviou, este é meu irmão, irmã e mãe (Mt 12,49-50). Acaso não fez a vontade do Pai a Virgem Maria, que creu pela fé, pela fé concebeu, foi escolhida dentre os homens para que dela nos nascesse a salvação e que foi criada por Cristo antes que Cristo nela fosse criado? Sim! Ela o fez! Santa Maria fez totalmente a vontade do Pai e por isto mais valeu para ela ser discípula de Cristo do que mãe de Cristo; maior felicidade gozou em ser discípula do que mãe de Cristo. Assim Maria era feliz porque, já antes de dar à luz o Mestre, trazia-o na mente.

Vede se não é assim como digo. O Senhor passava acompanhado pelas turbas, fazendo milagres divinos, quando certa mulher exclamou: Bem-aventurado o seio que te trouxeFeliz o ventre que te trouxe! (Lc 11,27) O Senhor, para que não se buscasse a felicidade na carne, que respondeu então? Muito mais felizes os que ouvem a palavra de Deus e a guardam (Lc 11,28). Por conseguinte, também aqui é Maria feliz, porque ouviu a palavra de Deus e a guardou. Guardou a verdade na mente mais do que a carne no seio. Verdade, Cristo; carne, Cristo; a verdade-Cristo na mente de Maria; a carne-Cristo no seio de Maria. É maior o que está na mente do que o trazido no seio.

Santa Maria, feliz Maria! Contudo, a Igreja é maior que a Virgem Maria. Por quê? Porque Maria é porção da Igreja, membro santo, membro excelente, membro supereminente, mas membro do corpo total. Se ela pertence ao corpo total, logo é maior o corpo que o membro. A cabeça é o Senhor; e o Cristo total, é a cabeça e o corpo. Que direi? Temos cabeça divina, temos Deus por cabeça!

Portanto, irmãos, dai atenção a vós mesmos. Também vós sois membros de Cristo, também vós sois corpo de Cristo. Vede de que modo o sois. Diz: Eis minha mãe e meus irmãos (Mt 12,49). Como sereis mãe de Cristo? Todo aquele que ouve e faz a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão e irmã e mãe (cf. Mt 12,50). Pensai: entendo irmão, entendo irmã; é uma só a herança, e é essa a misericórdia de Cristo que, sendo único, não quis ficar sozinho; quis que fôssemos herdeiros do Pai, co-herdeiros seus.

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

SÃO ROQUE GONZÁLEZ, SANTO AFONSO RODRÍGUEZ E SÃO JOÃO DEL CASTILLO, PRESBÍTEROS E MÁRTIRES

  Memória

 Roque González de Santa Cruz nasceu em 1576 na cidade de Assunção (Paraguai). Era já sacerdote quando entrou na Companhia de Jesus em 1609, e durante quase vinte anos procurou civilizar os índios que habitavam nas florestas daquelas regiões, agrupando-os nas “Reduções” e instruindo-os na fé e nos costumes cristãos. Foi morto traiçoeiramente pela fé, a 15 de novembro de 1628, juntamente com Afonso Rodríguez, espanhol. Dois dias mais tarde, em outra “Redução”, sofreu cruel martírio João del Castillo, também espanhol, que tinha sido ardente defensor dos índios contra os seus opressores. Estes três sacerdotes jesuítas, martirizados na região que hoje é diocese de Santo Ângelo, foram canonizados pelo Papa João Paulo II em 1988.
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Segunda leitura

 Das Cartas de São Roque González, presbítero

(Lit. Annuae P. Rochi González pro anno 1615 [s. d.] datae ad P. Provincialem Petrum Oñate. Ed. [in lingua hispanica] in: Documentos para la Historia Argentina, vol.20, Buenos Aires 1920, pp. 24-25)

 (Séc.XVII)

 Espero que esta cruz seja o princípio para se levantarem muitas outras

Voltando pouco depois para lá encontrei um local onde podia ficar: uma pequena choupana perto do rio; e, passado algum tempo, ofereceram-me uma palhoça maior. Dois meses mais tarde, o Padre Reitor enviou o Padre Diogo de Boroa. Este chegou finalmente na segunda-feira de Pentecostes. Com muita consolação considerávamos como o amor de Deus nos juntava naquelas terras tão longínquas. Dividimos entre nós o limitado espaço da nossa morada, com um tabique feito de canas. Ao lado tínhamos uma capela, pouco maior que o próprio altar em que celebrávamos a Missa. Por eficácia deste supremo e divino sacrifício, em que Cristo se ofereceu ao Pai na Cruz, começou ele a triunfar ali, pois os demônios que antes costumavam aparecer a estes índios não se atreveram a aparecer mais, como testemunhou algum deles. Resolvemos continuar na mesma palhoça, embora tudo nos faltasse. O frio era tanto que nos custava adormecer. O alimento também não era melhor: milho ou farinha de mandioca, que é a comida dos índios; e porque começamos a buscar pelos bosques umas ervas de que se alimentam os papagaios, com este apelido nos chamavam.

Prosseguindo as coisas deste modo, e temendo os demônios que, se a Companhia de Jesus entrasse nestas regiões, eles perderiam em breve o que por tanto tempo tinham possuído, começaram a espalhar por todo o Paraná que nós éramos espiões e falsos sacerdotes, e que trazíamos a morte em nossos livros e imagens. Divulgou-se isto a tal ponto que, estando o Padre Boroa a explicar aos índios os mistérios da nossa fé, eles temiam aproximar-se das sagradas imagens, com receio de algum contágio mortífero. Mas estas idéias foram-se desfazendo pouco a pouco, sobretudo quando viram com os próprios olhos que os nossos eram para eles como verdadeiros pais, dando-lhes de bom grado quanto tinham em casa e assistindo-os nos seus trabalhos e enfermidades,de dia e de noite, auxiliando-os não só em proveito das suas almas, o que é certamente mais importante, mas também dos seus corpos.

 E assim, quando vimos consolidar-se o amor dos índios para conosco, pensamos em construir uma igreja, que, embora pequena e modesta e coberta com palha, apareceu a esta gente miserável como um palácio real, e ficam atônitos quando levantam os olhos para o teto. Ambos tivemos de trabalhar com barro para fazer o reboco e para ensinar os indígenas a fazer tijolos. Deste modo conseguimos ter a igreja pronta para o dia de Santo Inácio do ano passado de 1615. Neste dia celebramos lá a primeira missa e renovamos os nossos votos. Houve ainda outros ritos festivos, quanto era possível segundo a pobreza do lugar. Também quisemos organizar umas danças, mas estes rapazes são tão rudes que não conseguiram aprendê-las. Levantamos depois uma torre de madeira e pusemos nela um sino que a todos encheu de admiração, pois nunca tinham visto nem ouvido semelhante coisa. Também foi ocasião de grande devoção uma cruz que os próprios indígenas levantaram: tendo-lhes nós explicado por que razão os cristãos adoram a cruz, eles se ajoelharam conosco para adorá-la. Desconhecida até agora nestas terras, espero em nosso Senhor que esta cruz seja o princípio para se levantarem muitas outras.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

DEDICAÇÃO DAS BASÍLICAS DE SÃO PEDRO E DE SÃO PAULO, APÓSTOLOS

 Já no século XII se celebrava, na basílica vaticana de São Pedro e na de São Paulo na Via Ostiense, o aniversário das respectivas dedicações, feitas pelos papas Silvestre e Siríaco no século IV. Esta comemoração estendeu-se posteriormente a todas as igrejas do Rito romano. Assim como no aniversário da basílica de Santa Maria Maior (5 de agosto) se celebra a Maternidade da Santíssima Virgem Mãe de Deus, assim neste dia se veneram os dois príncipes dos Apóstolos de Cristo.

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Segunda leitura


Dos Sermões de São Leão Magno, papa


(Sermo 82, in natali apostolorum Petri et Pauli 1,6-7:
PL 54,426-428)

(Séc. V)


Pedro e Paulo, germes da semente divina

É preciosa aos olhos do Senhor a morte de seus santos (Sl 115,15), e nenhuma crueldade pode destruir a religião fundada no mistério da cruz de Cristo. A Igreja não diminui pelas perseguições; pelo contrário, cresce. O campo do Senhor se reveste de messes sempre mais ricas, porque os grãos, que caem um a um, nascem multiplicados.
Em quantos rebentos estes dois excelentes germes da divina semente brotaram são testemunhas os milhares de santos mártires que, rivais das vitórias apostólicas, envolveram com uma multidão coberta de púrpura nossa Urbe e a coroaram com um diadema de glória, cravejado de muitas pedras preciosas.
Temos de alegrar-nos sumamente, caríssimos, com a comemoração de todos os santos por esta proteção, preparada por Deus, para exemplo e confirmação da fé. Mas, em vista da excelência destes patronos, é justo que os glorifiquemos com ainda maior exultação, porque a graça de Deus, dentre todos os membros da Igreja, os elevou ao cume. Por isso, no corpo, cuja cabeça é Cristo, constituem como que os dois olhos.
Não devemos pensar que os seus méritos e virtudes acima de toda a expressão sejam diferentes de algum modo ou tenham algo de peculiar, pois a eleição divina os tornou pares, o trabalho assemelhou-os e o fim da vida os igualou.
Por experiência pessoal e pela afirmação de nossos antepassados, cremos e confiamos que, nas lutas da vida, temos sempre a intercessão destes especiais padroeiros para obter a misericórdia de Deus; e por mais abatidos que estejamos pelos próprios pecados, somos reerguidos pelos méritos apostólicos.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

SANTA ISABEL DA HUNGRIA

 Memória

Era filha de André II, rei da Hungria, tendo nascido no ano 1207. Ainda muito jovem foi dada em matrimônio a Luís IV, landgrave da Turíngia, e teve três filhos. Dedicou-se a uma vida de intensa meditação das realidades celestes e de caridade para com o próximo. Depois da morte de seu marido, renunciou aos seus títulos e bens e construiu um hospital, onde ela mesma servia os enfermos. Morreu em Marburgo no ano 1231.
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Segunda leitura

Da Carta escrita por Conrado de Marburgo, diretor espiritual de Santa Isabel

(Ad pontificem anno 1232: A. Wys, Hesisches Urkunden-buch I, Leipzig 1879,31-35)

(Séc.XIII)

 Isabel conheceu e amou Cristo nos pobres

Muito cedo começou Isabel a possuir grandes virtudes. Do mesmo modo como a vida inteira foi a consoladora dos pobres, era também desde então a providência dos famintos. Determinou a construção de um hospital, perto de um castelo de sua propriedade, onde recolheu muitos enfermos e enfraquecidos. A todos que ali iam pedir esmola, distribuiu liberalmente suas dádivas; e não só ali, mas em todo o território sob a jurisdição de seu marido. Destinou para isto a renda de quatro dos principados do esposo, e foi ao ponto de mandar vender seus adornos e vestes preciosas em benefício dos pobres.

 Tinha o costume de, duas vezes ao dia, pela manhã e à tarde, visitar pessoalmente seus doentes, e chegava mesmo a tratar com as próprias mãos os mais repelentes. A alguns deles alimentava, a outros preparava o leito, a outros até carregava nos ombros. Assim realizava muitas obras de bondade. Em tudo isto seu marido, de feliz memória, não se mostrava contrariado. Contudo, após a morte deste, tendendo para a máxima perfeição, rogou-me com lágrimas que lhe permitisse ir mendigar de porta em porta.

 Numa Sexta-feira Santa, desnudados todos os altares, em uma capela de seu castelo onde acolhera os frades franciscanos, colocou as mãos sobre o altar e, na presença de umas poucas pessoas, renunciou à própria vontade e a todas as pompas mundanas e a tudo quanto o Salvador no evangelho aconselhara abandonar. Feito isto, vendo que poderia deixar-se absorver pelo tumulto do século e glória mundana, naquela terra onde vivera com esplendor em vida do esposo, seguiu-me contra minha vontade a Marburgo. Nesta cidade construiu um hospital para doentes e necessitados, chamando à sua mesa os mais miseráveis e desprezados. Além desta atuação operosa, digo-o diante de Deus, raramente vi mulher mais contemplativa. Algumas pessoas e mesmo religiosos, na hora de sua oração particular, viram muitas vezes seu rosto brilhar maravilhosamente e como que raios de sol jorrarem de seus olhos.

 Antes da morte ouvi-a em confissão. Indagando-lhe, então, qual o seu desejo em relação ao que possuía e a seus móveis, respondeu que tudo quanto parecia possuir já pertencia aos pobres e pediu-me distribuir-lhes tudo, reservando apenas a túnica vulgar que vestia e com a qual queria ser sepultada. Depois, recebeu o corpo do Senhor e, em seguida, até à hora de Vésperas falou bastante sobre as ótimas coisas que ouvira no sermão. Finalmente, com toda devoção, recomendando a Deus todos os presentes, expirou como se adormecesse suavemente.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

SANTA GERTRUDES, VIRGEM

 Nasceu em Eisleben (Turíngia) no ano 1256. Era muito jovem ainda quando foi acolhida no mosteiro cisterciense de Helfta, onde se entregou com grande diligência ao estudo, dedicando-se especialmente à literatura e à filosofia. Mais tarde, consagrou-se exclusivamente a Deus e progrediu de modo admirável no caminho da perfeição, levando uma vida extraordinária de oração e contemplação. Morreu a 17 de novembro de 1301.

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Segunda leitura

Dos livros das Revelações do amor divino, de Santa Gertrudes, virgem

(Lib. 2,23,1.3.5.8.10: SCh 139,330-340)
(Séc.XIII)

Tiveste sobre mim pensamentos de paz
Que minha alma te bendiga, Senhor Deus, meu criador, e, do mais íntimo de meu ser, louvem-te as tuas misericórdias com que tão gratuitamente me envolveu tua imensa piedade! Dou graças, onde e sempre que posso, à tua infinita misericórdia. Com ela louvo e glorifico tua generosa paciência com que encobriste todos os anos de minha infância e meninice, adolescência e juventude, até perto dos vinte e cinco anos. Anos vividos com tão cega insensatez que, por pensamentos, palavras e atos, fazia sem remorsos, assim me parece agora, tudo o que queria, onde quer que podia. Se não me prevenisses pelo inato horror ao mal e gosto pelo bem, pela exortação exterior das pessoas circunstantes, teria vivido como pagã entre pagãos. Nunca teria, então, entendido que tu, meu Deus, recompensas o bem e castigas o mal. No entanto, desde a infância, isto é, os cinco anos, tu me tinhas escolhido para me admitir entre os mais fiéis dos teus amigos na prática da santa religião.
Por isto, Pai amantíssimo, como reparação, eu te ofereço a paixão de teu dileto Filho, desde a hora em que deu o primeiro vagido, deitado nas palhas da manjedoura, e, em seguida, suportou as fraquezas da infância, os limites da meninice, as adversidades da adolescência e os sofrimentos juvenis, até a hora em que, inclinando a cabeça na cruz, entregou o espírito com um forte grito. Da mesma forma, em satisfação de todas as minhas negligências, ofereço-te, Pai amantíssimo, a mais santa das vidas, perfeitíssima em todos os pensamentos, palavras e atos, a vida de teu Unigênito, desde o instante em que, enviado das alturas do teu trono, entrou em nosso mundo, até depois daquela hora em que apresentou a teus paternos olhos a glória da carne vencedora.
Em ação de graças, mergulhando no profundo abismo da humildade, cubro de louvores tua mais que excelente misericórdia. Ao mesmo tempo adoro a suavíssima benignidade com que tu, Pai das misericórdias, pensaste pensamentos de paz e não de aflição sobre mim que vivia tão desorientada, e com que me exaltarias com a multidão e grandeza de teus benefícios. Acrescentaste ainda para mim o dom da familiaridade inestimável da amizade. De diversos modos me abriste a nobilíssima arca da divindade, quero dizer, teu coração divinizado, para a satisfação de todos os meus desejos.
Além de tudo isto, atraíste minha alma com as promessas tão firmes de benefícios com que queres me cumular na morte e depois da morte. Com toda razão, se não recebesse de ti nenhum outro dom, só por elas o meu coração com viva esperança ansiaria sem cessar por ti.

SANTA MARGARIDA DA ESCÓCIA

 Nasceu na Hungria cerca do ano 1046, quando seu pai aí vivia exilado. Foi dada em matrimônio a Malcom III, rei da Escócia e teve oito filhos. Foi exemplo admirável de mãe e de rainha. Morreu em Edimburgo no ano 1093.

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Segunda leitura

Da Constituição Pastoral Gaudium et spes sobre a Igreja no mundo de hoje, do Concílio Vaticano II

(N. 48)
(Séc.XX)

 Santidade do matrimônio e da família

O homem e a mulher, que pelo pacto conjugal já não são dois, mas uma só carne (Mt 19,6), prestam-se mutuamente serviço e auxílio, experimentam e realizam cada dia mais plenamente o senso de sua unidade pela união íntima das pessoas e das atividades. Essa união íntima, doação recíproca de duas pessoas, bem como o bem dos filhos exigem a perfeita fidelidade dos cônjuges e sua indissolúvel unidade.
O autêntico amor conjugal é assumido no amor divino. É guiado e enriquecido pelo poder redentor de Cristo e pela ação salvífica da Igreja, para que os esposos sejam conduzidos eficazmente a Deus e ajudados e confortados na sublime missão de pai e mãe. Por isso os esposos cristãos são robustecidos – e como que consagrados – por um sacramento especial para os deveres e dignidades de seu encargo. Exercendo o dever conjugal e familiar em virtude desse sacramento, imbuídos do Espírito de Cristo, que lhes impregna toda a vida com a fé, a esperança e a caridade, aproximam-se cada vez mais da própria perfeição e mútua santificação e, assim unidos, contribuem para a glorificação de Deus.
Em conseqüência, tendo à frente os próprios pais com o exemplo e a oração familiar, os filhos e todos os que convivem no círculo da família encontrarão mais facilmente o caminho de humanidade, salvação e santidade. Mas os cônjuges, providos com a dignidade e o dever da paternidade e maternidade, cumprirão diligentemente o ofício da educação, sobretudo religiosa, que, em primeiro lugar, complete a eles.
Como membros vivos da família, a seu modo colaboram os filhos para a santificação dos pais. Retribuirão, com efeito, os benefícios dos pais de alma agradecida, com piedade e confiança e os assistirão nas adversidades e na solidão da velhice como convém a filhos. Seja honrada por todos a viuvez, assumida com fortaleza de ânimo em continuidade com a vocação conjugal. Assim a família comunicará generosamente suas riquezas espirituais também às outras famílias. E a família cristã patenteará a todos a presença viva do Salvador no mundo e a autêntica natureza da Igreja pelo amor dos cônjuges, pela fecundidade generosa, pela unidade e fidelidade, e pela amável cooperação de todos os membros, porque se origina do matrimônio, imagem e participação no pacto de amor entre Cristo e a Igreja.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

SANTO ALBERTO MAGNO, BISPO E DOUTOR DA IGREJA

 Nasceu em Lauingen, junto ao Danúbio na Baviera (Alemanha), cerca do ano 1206. Fez os seus estudos em Pádua e em Paris. Entrou na Ordem dos Pregadores e exerceu o magistério em vários lugares com grande competência. Ordenado bispo de Ratisbona, pôs todo o seu empenho em estabelecer a paz entre povos e cidades. É autor de muitas e importantes obras, tanto de ciências sagradas como naturais. Morreu em Colônia no ano 1280.

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Segunda leitura
Do Comentário sobre o Evangelho de Lucas, de Santo Alberto Magno, bispo

(22,19: Opera omnia, Parisiis 1890-1899,23,672-674)
(Séc. XIII)

Pastor e doutor para a edificação do Corpo de Cristo
Fazei isto em minha memória (Lc 22,19): há duas coisas a notar aqui. Primeiro, a ordem de realizar este sacramento com as palavras: Fazei isto. Segundo, que é um memorial do Senhor, quando se encaminhava para a morte por nós. Ele diz, portanto: Fazei isto. Nada mais útil, nada mais suave, mais salutar, amável, mais semelhante à vida eterna poderia ele ordenar. Vamos mostrar um por um estes predicados.

Útil para a remissão dos pecados, e utilíssimo na vida para a plenitude da graça. O Pai dos espíritos nos guia ao que é útil para receber sua santificação. Porque a santificação está em seu sacrifício, isto é, quando se ofereceu no mistério, tanto ao Pai em nosso favor, quanto a nós, para nossa união. Por eles, santifico-me a mim mesmo (Jo 17,19). Cristo, que se ofereceu imaculado a Deus pelo Espírito Santo, purificará nossa consciência das obras mortas para que sirvamos ao Deus vivo (cf. Hb 9,14).

Nada igualmente mais suave. Nada se pode imaginar mais suave do que aquilo onde Deus mostra toda a sua doçura: Concedeste-lhes o pão do céu preparado sem esforço, tendo em si todo o deleite e todo o sabor. Este alimento manifestava tua doçura para com teus filhos, acomodando-se ao gosto de cada um, convertia-se no que cada qual desejava (Sb 16,20-21).

Não poderia também ordenar nada mais salutar. Este sacramento é o fruto da Árvore da vida. Quem o tomar com fé sincera e devota, não provará para sempre a morte. É árvore da vida para quem a alcançar; e feliz quem a possuir (Pr 3,18). Quem me come, viverá por mim (Jo 6,57).

Não pôde ordenar nada mais digno de amor. Pois este sacramento é realização do amor e da união. A maior prova de amor é dar-se a si mesmo como alimento. Diziam os companheiros de minha tenda: Quem nos dará de suas carnes para saciar nossa fome? (Jó 31,31), como se dissesse: tanto os amei e eles a mim, que eu desejava estar em seus corações e eles queriam comer-me para se tornarem membros meus, a mim incorporados. Eles não teriam podido unir-se a mim mais íntima e naturalmente.

Não poderiam, também, determinar nada mais semelhante à vida eterna, pois a continuidade da vida eterna se origina de Deus, que em sua doçura se infunde nos que vivem a felicidade.

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

SÃO JOSAFÁ, BISPO E MÁRTIR

 Memória

Nasceu na Ucrânia, cerca do ano 1580, de pais ortodoxos. Abraçou a fé católica e entrou na Ordem de São Basílio. Ordenado sacerdote e eleito bispo de Polock, dedicou-se com grande empenho à causa da unidade da Igreja, pelo que foi perseguido pelos seus inimigos e morreu mártir em 1623. 

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Segunda leitura

Da Encíclica Ecclesiam Dei, de Pio XI, papa

 (AAS 15[1923],573.576-577)
(Séc. XX)

Derramou o seu sangue pela unidade da Igreja
A Igreja de Deus por admirável desígnio foi constituída de forma a ser, na plenitude dos tempos, semelhante a imensa família, abraçando a totalidade do gênero humano; e, por dom de Deus, sabemos ser ela visível não só por suas notas principais, como também pela unidade universal.

De fato, Cristo Senhor não apenas confiou somente aos apóstolos o dom que ele próprio recebera do Pai, ao dizer: Todo o poder me foi dado no céu e na terra; ide, pois, ensinai a todos os povos (Mt 28,18-19); mas também quis que o grupo dos apóstolos fosse em sumo grau um colégio só, duplamente ligado por estreito vínculo: intrinsecamente pela mesma fé e caridade, infundida em nossos corações pelo Espírito Santo (cf. Rm 5,5); extrinsecamente, pelo governo de um só sobre todos, ao entregar o principado a Pedro qual perpétuo princípio e visível fundamento da unidade.

Para que se mantivesse para sempre esta unidade e concórdia, Deus de suma providência consagrou-a com o sinete da santidade e do martírio.
Este grande louvor obteve-o o arcebispo de Polock, Josafá, de rito eslavônio oriental; com toda a razão o saudamos como honra insigne e coluna dos eslavos orientais. Com efeito, mal se encontra quem tenha mais ilustrado o nome deles ou servido melhor a sua salvação, que este pastor e apóstolo, mormente ao derramar o sangue pela unidade da santa Igreja. Além disto, sentindo-se divinamente impelido à reintegração universal na unidade santa, compreendeu que a melhor contribuição a dar seria guardar o rito oriental eslavônio e o monaquismo basiliano na unidade da Igreja universal.

Entrementes, solícito em primeiro lugar pela união de seus concidadãos com a cátedra de Pedro, buscava por toda a parte com empenho todos os argumentos que pudessem promovê-la ou confirmá-la. De modo especial, folheava assiduamente os livros litúrgicos usados pelos orientais e pelos dissidentes, segundo as ordenações dos santos padres. Preparado tão diligentemente, iniciou o trabalho de refazer a unidade, com tanto vigor e suavidade e com tanto êxito, que pelos próprios adversários foi chamado de “raptor de almas”.

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

SÃO MARTINHO

 Memória

Nasceu na Panônia cerca do ano 316, de pais pagãos. Depois de receber o batismo e de renunciar à carreira militar, fundou um mosteiro em Ligugé (França), onde levou vida monástica sob a direção de Santo Hilário. Foi depois ordenado sacerdote e, mais tarde, eleito bispo de Tours. Foi modelo insigne de bom pastor. Fundou outros mosteiros, dedicou-se à formação do clero e à evangelização dos pobres. Morreu no ano 397.

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Segunda leitura

Das Cartas de Sulpício Severo
(Epist. 3,6.9-10.11.14-17.21: SCh 133,336-344
)
(Séc.V)


Martinho, pobre e humilde

Martinho soube com muita antecedência o dia da sua morte e comunicou aos irmãos estar iminente a dissolução de seu corpo. Entretanto, surgiu a necessidade de ir à diocese de Candax, pois os eclesiásticos desta Igreja estavam em discórdia. Desejando restabelecer a paz, embora não ignorasse o fim de seus dias, não recusou partir, julgando que seria um excelente fecho de suas obras deixar a Igreja em paz.
Demorou-se por algum tempo na aldeia e na Igreja aonde fora, e a paz voltou para os clérigos. Quando já pensava em regressar ao mosteiro, começaram de repente a faltar-lhe as forças e, chamando os irmãos, disse-lhes que ia morrer. Diante disto todos se entristeceram grandemente, chorando e dizendo, a uma só voz: “Por que, pai, nos abandonas? A quem nos entregas, desolados? Lobos vorazes invadem teu rebanho; quem, ferido o pastor, nos livrará de seus dentes? Sabemos que desejas a Cristo, mas teus prêmios já estão seguros e não diminuirão com o adiamento! Tem compaixão de nós, a quem desamparas!”
Comovido com estas lágrimas, ele que sempre possuíra entranhas de misericórdia, também chorou, segundo contam. Voltando-se então para o Senhor, respondeu aos queixosos somente com estas palavras: “Senhor, se ainda sou necessário a teu povo, não recuso o trabalho. Que se faça tua vontade”.
Que homem incomparável! O trabalho não o vence, a morte não o vencerá! Ele, que não se inclinava para nenhum dos lados, não temeria morrer e nem recusaria viver! No entanto, olhos e mãos sempre erguidos para o céu, não abandonava a oração o espírito invicto; e quando os presbíteros, que se haviam reunido junto dele, lhe pediram aliviar o frágil corpo, virando-o para o lado, disse: “Deixai-me, deixai-me, irmãos, olhar para o céu de preferência à terra, para que o espírito já se dirija ao caminho que o levará ao Senhor”. Dito isto, viu o demônio ali perto. “Por que estás aqui, fera nefasta? Nada em mim, ó cruel, encontrarás! O seio de Abraão me acolhe”. Com estas palavras entregou o espírito ao céu. Martinho, feliz, é recebido no seio de Abraão; Martinho, pobre e humilde, entra rico no céu.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

SÃO LEÃO MAGNO, PAPA E DOUTOR DA IGREJA

 Memória

Nasceu na Toscana (Itália) e no ano 440 foi elevado à Cátedra de Pedro, cargo que exerceu como verdadeiro pastor e pai. Trabalhou intensamente pela integridade da fé, defendeu com ardor a unidade da Igreja, empenhou-se por todos os meios possíveis em evitar as incursões dos bárbaros ou mitigar os seus efeitos. Por toda esta atividade extraordinária mereceu com toda a justiça ser apelidado “Magno”. Morreu no ano 461.

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Segunda leitura

Dos Sermões de São Leão Magno, papa

(Sermo 4,1-2: PL 54,148-149)
(Séc. V)

O serviço especial do nosso ministério
Embora seja a Igreja de Deus toda ela ordenada em distintos graus, de forma a subsistir a integridade nos diversos membros do Corpo sagrado, todos, no entanto, no dizer do Apóstolo, em Cristo, somos um (cf. Gl 3,28). Ninguém está tão separado do outro pelo ofício, que até a mínima porção não pertença à conexão da cabeça. De fato, na unidade da fé e do batismo, nossa sociedade não conhece discriminações e é geral a dignidade, segundo a palavra do santo apóstolo Pedro: Quais pedras vivas deixai-vos edificar como casas espirituais, um sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais aceitos de Deus por Jesus Cristo (1Pd 2,5); e depois: Vós, porém, raça eleita e sacerdócio real, nação santa, povo adquirido (1Pd 2,9).

A todos os renascidos em Cristo o sinal da cruz torna reis, a unção do Espírito Santo consagra sacerdotes. Por isso, afora o especial serviço de nosso ministério, saibam todos os cristãos espirituais e racionais serem consortes da raça real e do ofício sacerdotal. Que de mais régio do que ser o espírito submisso a Deus, senhor de seu corpo? E que de mais sacerdotal do que entregar ao Senhor a consciência pura e oferecer as hóstias imaculadas da piedade no altar do coração? Sendo obra, pela graça de Deus, comum a todos, contudo, é piedoso e louvável de vossa parte alegrar-vos, como honra vossa, pelo dia de nossa elevação. Que se celebre no Corpo todo da Igreja o único sacramento do sacerdócio. Ao derramar-se o ungüento da consagração, este sacramento derramou-se certamente com mais abundância nos membros superiores, mas não com menor liberalidade nos inferiores.

Havendo assim, diletíssimos, pela participação neste dom, grande motivo de alegria em comum, haverá mais verdadeira e mais excelente causa de júbilo, se não pararmos na consideração de nossa pequenez. Com efeito muito mais vantajoso e mais digno será erguermos a força do espírito para contemplar a glória do santíssimo apóstolo Pedro; e, de preferência, neste dia venerar aquele que foi abundantemente regado pela fonte mesma dos carismas, para que, tendo recebido sozinho, nada seja transmitido a alguém sem sua participação. O Verbo feito carne já habitava entre nós. Cristo já se tinha entregado totalmente para restaurar o gênero humano.

terça-feira, 9 de novembro de 2021

DEDICAÇÃO DA BASÍLICA DO LATRÃO

 Festa

Segundo uma tradição que remonta ao século XII, celebra-se neste dia o aniversário da dedicação da basílica do Latrão, construída pelo imperador Constantino. Inicialmente foi uma festa exclusivamente da cidade de Roma; mais tarde, estendeu-se à Igreja de Rito romano, com o fim de honrar a basílica que é chamada “mãe e cabeça de todas as igrejas da Urbe e do Orbe e como sinal de amor e unidade para com a Cátedra de Pedro que, como escreveu Santo Inácio de Antioquia, “preside a assembleia universal da caridade”.

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Segunda leitura
Dos Sermões de São Cesário de Arles, bispo

(Sermo 229,1-3: CCL 104,905-908)
(Séc. VI)

Pelo batismo fomos todos feitos templos de Deus
Celebramos hoje, irmãos diletos, com exultação jubilosa e com a bênção de Cristo, o natalício deste templo. Nós, porém, é que temos de ser o verdadeiro templo vivo  de Deus. Todavia é com muita razão que os povos cristãos observam com fé a solenidade da Igreja-mãe, por quem reconhecem ter nascido espiritualmente. Pois pelo primeiro nascimento éramos vasos da ira de Deus; pelo segundo, foi-nos dado ser vasos da sua misericórdia. O primeiro nascimento lançou-nos na morte; e o segundo, chamou-nos de novo à vida.

Todos nós, caríssimos, antes do batismo fomos templos do demônio; depois do batismo, obtivemos ser templos de Cristo. E se meditarmos com atenção sobre a salvação de nossa alma, reconheceremos que somos o verdadeiro templo vivo de Deus. Deus não habita somente em construções de mão de homem (At 17,24) nem em casa feita de pedras e madeira; mas principalmente na alma feita à imagem de Deus e edificada por mãos deste artífice. Desse modo pôde São Paulo dizer: O templo de Deus, que sois vós, é santo (1Cor 3,17).

E já que Cristo, quando veio, expulsou o diabo de nossos corações para preparar um templo para si, quanto pudermos, esforcemo-nos com seu auxílio para que em nós não sofra injúria por nossas más obras. Pois quem proceder mal, faz injúria a Cristo. Como disse acima, antes que Cristo nos redimisse, éramos casa do diabo; depois foi-nos dado ser casa de Deus. Deus se dignou fazer de nós sua casa.

Por isso, diletos, se queremos celebrar na alegria o natalício do templo, não devemos destruir em nós, pelas obras más, os templos vivos de Deus. E falarei de modo que todos compreendam: cada vez que entramos na igreja, queremos encontrá-la tal como devemos dispor nossas almas. Queres ver bem limpa a basílica? Não manches tua alma com as nódoas do pecado. Se desejas que a basílica seja luminosa, também Deus quer que tua alma não esteja em trevas, mas que em nós brilhe a luz das boas obras, como disse o Senhor, e seja glorificado aquele que está nos céus. Do mesmo modo como tu entras nesta igreja, assim quer Deus entrar em tua alma, conforme prometeu: E habitarei e andarei entre eles (cf. Lv 26,11.12). 



quinta-feira, 4 de novembro de 2021

SÃO CARLOS BORROMEU, BISPO

 Memória

Nasceu em Arona (Lombardia) no ano 1538; depois de ter conseguido o doutoramento In utroque iure, foi nomeado cardeal por Pio IV, seu tio, e eleito bispo de Milão. Foi um verdadeiro pastor da Igreja no exercício desta missão: visitou várias vezes toda a diocese, convocou sínodos e desenvolveu a mais intensa atividade, em todos os setores, para a salvação das almas, promovendo por todos os meios a renovação da vida cristã. Morreu no dia 3 de novembro de 1584.

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Segunda leitura

Do Sermão proferido no último sínodo por São Carlos, bispo

(ActaEclesiae Mediolanensis, Mediolani 1599,1177-1178)
(Séc.XVI)

Não sejas como quem diz uma coisa e faz outra
Somos todos fracos, confesso, mas o Senhor Deus nos entregou meios com que, se quisermos, poderemos ser fortalecidos com facilidade. Tal sacerdote desejaria possuir uma vida íntegra, que dele é exigida, ser continente e ter um comportamento angélico, como convém, mas não se resolve a empregar estes meios: jejuar, orar, fugir das más conversas e de nocivas e perigosas familiaridades. Queixa-se de que, ao entrar no coro para a salmodia, ao dirigir-se para celebrar a missa, logo mil pensamentos lhe assaltam a mente e o distraem de Deus. Mas, antes de ir ao coro ou à missa, que fez na sacristia, como se preparou, que meios escolheu e empregou para fixar a atenção?

Queres que te ensine a caminhar de virtude em virtude e como seres mais atento ao ofício, ficando assim teu louvor mais aceito de Deus? Escuta o que digo. Se ao menos uma fagulha do amor divino já se acendeu em ti, não a mostres logo, não a exponhas ao vento! Mantém encoberta a lâmpada, para não se esfriar e perder o calor; isto é, foge, tanto quanto possível, das distrações; fica recolhido junto de Deus, evita as conversas vãs.

Tua missão é pregar e ensinar? Estuda e entrega-te ao necessário para bem exerceres este encargo. Faze, primeiro, por pregar com a vida e o comportamento. Não aconteça que, vendo-te dizer uma coisa e fazer outra, zombem de tuas palavras, abanando a cabeça. Exerces cura de almas? Não negligencies por isso o cuidado de ti mesmo, nem dês com tanta liberalidade aos outros que nada sobre para ti. Com efeito, é preciso te lembrares das almas que diriges, sem que isto te faça esquecer da tua.

Entendei, irmãos, nada mais necessário aos eclesiásticos do que a oração mental que precede, acompanha e segue todos os nossos atos: Salmodiarei, diz o Profeta, e entenderei (cf. Sl 100,1Vulg.). Se administras os sacramentos, ó irmão, medita no que fazes; se celebras a missa, medita no que ofereces; se salmodias no coro, medita a quem e no que falas; se diriges as almas, medita no sangue que as lavou e, assim, tudo o que é vosso se faça na caridade (1Cor 16,14). Deste modo, as dificuldades que encontramos todos os dias, inúmeras e necessárias (para isto estamos aqui), serão vencidas com facilidade. Teremos, assim, a força de gerar Cristo em nós e nos outros. 



quarta-feira, 3 de novembro de 2021

SÃO MARTINHO DE LIMA, RELIGIOSO

 Nasceu em Lima (Peru) de pai espanhol e mãe negra, no ano 1579. Aprendeu desde muito jovem o ofício de barbeiro e enfermeiro; e, quando entrou na Ordem dos Pregadores, dedicou-se de modo singular à enfermagem em favor dos pobres. Levou uma vida de constante mortificação e profunda humildade, e cultivou uma especialíssima devoção à Eucaristia. Morreu em 1639.

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Segunda leitura

Da homilia na canonização de São Martinho de Lima, do papa João XXIII

(Die 6 maii 1962: AAS 54[1962],306-309)
(Séc. XX)

“Martinho da caridade”
Martinho, pelo exemplo de sua vida, prova-nos que podemos alcançar a salvação e a santidade pelo caminho que Cristo Jesus mostrou: quer dizer, em primeiro lugar, o amor a Deus de todo o nosso coração, de toda a nossa alma e com todo o nosso espírito; e em segundo lugar, o amor ao próximo como a nós mesmos (Mt 22,37-39).
Convicto de que Cristo Jesus morreu por nós e tomou sobre si nossos pecados em seu corpo no lenho (cf. 1Pd 2,24), concebeu extremado amor pelo Crucificado. Ao contemplar seus atrozes sofrimentos, não podia impedir-se de chorar copiosamente. Amava igualmente com singular caridade o augusto sacramento da Eucaristia. Com freqüência passava horas oculto em adoração diante do tabernáculo e desejava recebê-lo sempre que se lhe oferecia a oportunidade.
Por fim, São Martinho, obediente ao máximo à exortação do divino Mestre, alimentava a maior caridade para com os irmãos, brotada da fé inquebrantável e da humildade de coração. Amava também os homens aos quais sinceramente estimava como filhos de Deus e seus irmãos. Ou melhor, amava-os mais do que a si mesmo, uma vez que, em sua humildade, a todos julgava mais justos e melhores do que ele.
Desculpava os defeitos alheios. Perdoava até mesmo as mais duras injúrias, persuadido como estava de ser digno de muito maior castigo por seus pecados. Com a maior diligência tentava levar os desviados ao bom caminho; benigno, assistia os doentes; dava aos indigentes alimento, roupa, medicamentos; auxiliava com toda a ajuda e solicitude a seu alcance os lavradores, bem como os negros e mestiços, que naquele tempo eram desprezados como escravos, de tal forma que começou a ser chamado pelo povo de “Martinho da caridade”.
Este santo homem, que, por palavras, exemplo e virtude, atraiu tantos para a religião, também hoje tem poder de elevar maravilhosamente nossos espíritos às realidades celestes. Nem todos, infelizmente, entendem, como seria de desejar, estes bens superiores, nem todos os respeitam; bem, ao contrário, muitos, propensos aos prazeres do vício, desdenham ou aborrecem-nos, ou mesmo desprezam-nos totalmente. Queira o exemplo de Martinho a muitos ensinar com segurança como é bom e suave seguir as pegadas de Jesus Cristo e obedecer a seus divinos mandamentos. 



terça-feira, 2 de novembro de 2021

COMEMORAÇÃO DE TODOS OS FIÉIS DEFUNTOS

 Segunda leitura

Do Livro sobre a morte de seu irmão Sátiro, de Santo Ambrósio, bispo

(Lib. 2,40.41.46.47.132.133: CSEL 73,270-274.323-324)
(Séc. IV)

Morramos com Cristo, para vivermos com ele
Percebemos que a morte é lucro, e a vida, castigo. Por isso Paulo diz: Para mim, viver é Cristo, e morrer é lucro (Fl 1,21). Como unir-se a Cristo, espírito da vida, senão pela morte do corpo? Morramos então com ele, para com ele vivermos. Morramos diariamente no desejo e em ato, para que, por esta segregação, nossa alma aprenda a se subtrair das concupiscências corporais. Que ela, como se já estivesse nas alturas, onde não a alcançam os desejos terrenos, aceite a imagem da morte para não incorrer no castigo da morte. Pois a lei da carne luta contra a lei do espírito e apóia-se na lei do erro. Mas qual o remédio? Quem me libertará deste corpo de morte? (Rm 7,24) A graça de Deus, por Jesus Cristo, nosso Senhor (cf. Rm 7,25s). Temos o médico, usemos o remédio. Nosso remédio é a graça de Cristo, e corpo de morte é o nosso corpo. Portanto afastemo-nos do corpo e não se afaste de nós o Cristo! Embora ainda no corpo, não lhe obedeçamos, não abandonemos as leis naturais, mas prefiramos os dons da graça. E que mais? Pela morte de um só, o mundo foi remido. Cristo, se quisesse, poderia não ter morrido. Não julgou, porém, dever fugir da morte como coisa inútil nem que nos salvaria melhor, evitando a morte. Com efeito, sua morte é a vida de todos. Somos marcados com sua morte, ao orar anunciamos sua morte, ao oferecer o sacrifício pregamos sua morte. Sua morte é vitória, é sacramento, é a solenidade anual do mundo.

Não diremos ainda mais sobre a sua morte, se provarmos pelo exemplo divino que dela resultou a imortalidade, e que a morte se redimiu a si mesma? Não se deve lastimar a morte, que é causa da salvação do povo. Não se deve fugir da morte, que o Filho de Deus não rejeitou, e da qual não fugiu. Na verdade, a morte não era da natureza, mas converteu-se em natureza. No princípio, Deus não fez a morte, mas deu-a como remédio. Pela prevaricação, condenada ao trabalho de cada dia e ao gemido intolerável, a vida dos homens começou a ser miserável. Era preciso dar fim aos males, para que a morte restituísse o que a vida perdera. Pois a imortalidade seria mais penosa que benéfica, se não fosse promovida pela graça. Por isso, tem o espírito de afastar-se logo da vida tortuosa e das nódoas do corpo terreno, e lançar-se para a celeste assembleia, embora pertença só aos santos lá chegar, e cantar a Deus o louvor, descrito no livro profético, que os citaristas cantam: Grandes e maravilhosas tuas obras, Senhor Deus onipotente; justos e verdadeiros teus caminhos, ó Rei das nações! Quem não temeria e não glorificaria teu nome? Porque só tu és santo; todos os povos irão e se prostrarão diante de ti (Ap 15,3-4). Contemplar também, ó Jesus, tuas núpcias, nas quais a esposa, ao canto jubiloso de todos, é conduzida da terra ao céu – a ti virá toda carne (Sl 64,3) – já não mais manchada pelo mundo, mas unida ao espírito. Era isto que o santo Davi desejava, acima de tudo, contemplar e admirar, quando dizia: Uma só coisa pedi ao Senhor, a ela busco: habitar na casa do Senhor todos os dias de minha vida e ver as delícias do Senhor (Sl 26,4).



segunda-feira, 1 de novembro de 2021

TODOS OS SANTOS

 Segunda leitura

Dos Sermões de São Bernardo, abade

(Sermo 2: Opera omnia, Edit. Cisterc. 5[1968],364-368)
(Séc. XII)

Apressemo-nos ao encontro dos irmãos que nos esperam
Para que louvar os santos, para que glorificá-los? Para que, enfim, esta solenidade? Que lhes importam as honras terrenas, a eles que, segundo a promessa do Filho, o mesmo Pai celeste glorifica? De que lhes servem nossos elogios? Os santos não precisam de nossas homenagens, nem lhes vale nossa devoção. Se veneramos os Santos, sem dúvida nenhuma, o interesse é nosso, não deles. Eu por mim, confesso, ao recordar-me deles, sinto acender-se um desejo veemente.

Em primeiro lugar, o desejo que sua lembrança mais estimula e incita é o de gozarmos de sua tão amável companhia e de merecermos ser concidadãos e comensais dos espíritos bem-aventurados, de unir-nos ao grupo dos patriarcas, às fileiras dos profetas, ao senado dos apóstolos, ao numeroso exército dos mártires, ao grêmio dos confessores, aos coros das virgens, de associar-nos, enfim, à comunhão de todos os santos e com todos nos alegrarmos. A assembleia dos primogênitos aguarda-nos e nós parecemos indiferentes! Os santos desejam-nos e não fazemos caso; os justos esperam-nos e esquivamo-nos. Animemo-nos, enfim, irmãos. Ressuscitemos com Cristo. Busquemos as realidades celestes. Tenhamos gosto pelas coisas do alto. Desejemos aqueles que nos desejam. Apressemo-nos ao encontro dos que nos aguardam. Antecipemo-nos pelos votos do coração aos que nos esperam. Seja-nos um incentivo não só a companhia dos santos, mas também a sua felicidade. Cobicemos com fervoroso empenho também a glória daqueles cuja presença desejamos. Não é má esta ambição nem de nenhum modo é perigosa a paixão pela glória deles.

O segundo desejo que brota em nós pela comemoração dos santos consiste em que Cristo, nossa vida, tal como a eles, também apareça a nós e nós juntamente com ele apareçamos na glória. Enquanto isto não sucede, nossa Cabeça não como é, mas como se fez por nós, se nos apresenta. Isto é, não coroada de glória, mas com os espinhos de nossos pecados. É uma vergonha fazer-se de membro regalado, sob uma cabeça coroada de espinhos. Por enquanto a púrpura não lhe é sinal de honra, mas de zombaria. Será sinal de honra quando Cristo vier e não mais se proclamará sua morte, e saberemos que nós estamos mortos com ele, e com ele escondida nossa vida. Aparecerá a Cabeça gloriosa e com ela refulgirão os membros glorificados, quando transformar nosso corpo humilhado, configurando-o à glória da Cabeça, que é ele mesmo. Com inteira e segura ambição cobicemos esta glória. Contudo para que nos seja lícito esperá-la e aspirar a tão grande felicidade, cumpre-nos desejar com muito empenho a intercessão dos santos. Assim, aquilo que não podemos obter por nós mesmos, seja-nos dado por sua intercessão.


quinta-feira, 28 de outubro de 2021

SÃO SIMÃO E SÃO JUDAS, APÓSTOLOS

 Festa

O nome de Simão figura em undécimo lugar na lista dos Apóstolos. Dele se sabe apenas que nasceu em Caná e que tinha o denominativo de “Zelotes”. Judas, de sobrenome Tadeu, é o Apóstolo que na Última Ceia perguntou ao Senhor por que razão se manifestava aos seus discípulos e não ao mundo (Jo 14,22).
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Segunda leitura

Do Comentário sobre o Evangelho de João, de São Cirilo de Alexandria, bispo

(Lib. 12,1: PG 74,707-710)
(Séc. V)

Como o Pai me enviou, também eu vos envio
Nosso Senhor Jesus Cristo designou guias e doutores do mundo e dispensadores de seus divinos mistérios. Semelhantes a lâmpadas, ordenou-lhes que esclarecessem e iluminassem não apenas o país dos judeus, mas todos os que existem sob o sol e em todo o universo, os homens e habitantes da terra. É verdadeiro aquele que disse: Ninguém se arroga esta honra, mas quem foi chamado por Deus (Hb 5,4). Pois nosso Senhor Jesus Cristo chamou ao nobilíssimo apostolado, antes de todos os outros, os seus discípulos.

Os santos Apóstolos foram colunas e firmamento da verdade. A eles diz que os envia da mesma forma como foi enviado pelo Pai. Mostrou assim, ao mesmo tempo, a dignidade do apóstolo e a glória incomparável do poder que lhe foi dado; como também, parece-me, sugerindo a meta da vida apostólica.

Pois, se julgava que devia enviar seus discípulos do mesmo modo como o Pai o enviara, como não se seguiria necessariamente que seus futuros imitadores iriam conhecer a que fim o Pai enviara o Filho? Por isto, declarando em vários lugares a finalidade de sua missão, dizia: Não vim chamar os justos, mas os pecadores para a conversão (cf. Mt 9,13). E também: Desci do céu não para fazer minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. Deus não enviou seu Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele (Jo 3,17). Resumindo assim, em poucas palavras, o objetivo do apostolado, diz que foram enviados por ele, como ele o fora pelo Pai e soubessem ter recebido a missão de chamar os pecadores à conversão; de curar os doentes de corpo e de espírito; de não procurar, no ministério, sua vontade, mas a daquele por quem foram enviados; e de salvar o mundo por sua doutrina. Não será difícil saber quanto os santos apóstolos se esforçaram por bem realizar todas estas tarefas, se leres os escritos dos Atos dos Apóstolos e de São Paulo.