sábado, 24 de outubro de 2020

Sábado da 29ª semana do Tempo Comum

 

Segunda leitura


Dos Sermões de São Pedro Crisólogo, bispo

 

(Sermo 117: PL 52,520-521)

 

(Séc. V)

 

O Verbo, Sabedoria de Deus, se fez carne

 

O santo Apóstolo refere que dois homens deram início ao gênero humano: Adão e Cristo. Dois homens, iguais quanto ao corpo, mas desiguais no valor. Com toda a verdade, inteiramente semelhantes na compleição física, mas, sem dúvida, diferentes por seu princípio. O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente; o último Adão, espírito vivificante (1Cor 15,45).

O primeiro foi feito pelo último, de quem também recebeu a alma para poder viver. É ele figura de seu criador, que não espera de outro a vida, mas só ele a concede a todos. Aquele de limo vil é plasmado; este vem do precioso seio da Virgem. Naquele a terra se muda em carne; neste a carne é promovida a Deus.

E que mais? É este o Adão que naquele primeiro pôs sua imagem ao criá-lo, e dele recebeu não só a personalidade, mas ainda o nome para que, tendo-o feito para si à sua imagem, não viesse a perecer.Primeiro Adão, último Adão. O primeiro tem começo, o último não conhece fim. Porque o último é na realidade o primeiro, conforme suas palavras: Eu, o primeiro, e eu, o último (Is 48,12).

Eu sou o primeiro, isto é, sem começo. Eu, o último, absolutamente sem fim. Contudo, o que veio primeiro não foi o espiritual, mas o natural; em seguida, o espiritual (1Cor 15,46). Na verdade, primeiro a terra, depois o fruto; mas não tão preciosa a terra quanto o fruto. Ela exige gemidos e trabalhos; este oferece alimento e vida.

Tem razão o Profeta de gloriar-se por tal fruto: Nossa terra deu seu fruto (cf. Sl 84,13). Que fruto? Aquele de que se fala em outro lugar: Do fruto de teu ventre porei sobre teu trono (Sl 131,11). O primeiro homem, diz o Apóstolo, vindo da terra, é terreno; o segundo, vindo do céu, é celeste.

Qual o terreno, tais os terrenos; qual o celeste, tais os celestes (1Cor 15,47-48). Não nasceram assim. De que maneira então se transformaram, deixando seu ser do nascimento, permanecem agora no ser em que renasceram? Para isto, irmãos, o Espírito celeste fecunda por secreta infusão de sua luz a fonte do seio da Virgem, de sorte que aqueles que a origem da raça lamacenta produzira terrenos em mísera condição, sejam dados à luz celeste e elevados à semelhança de seu criador. Por conseguinte, já renascidos, já formados de novo à imagem de nosso Criador, realizemos a recomendação do Apóstolo: Portanto, como trouxemos a imagem do terrestre, traremos também a imagem do celeste (1Cor 15,49).

Já renascidos, como dissemos, em conformidade com nosso Senhor, verdadeiramente adotados por Deus como filhos, traremos com plena semelhança a imagem perfeita de nosso Criador; não quanto à majestade em que é único, mas na inocência, simplicidade, mansidão, paciência, humildade, misericórdia, concórdia, em que, por condescendência, ele se fez tudo isto por nós e nos deu sua comunhão.

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Sexta-feira da 29ª semana do Tempo Comum

 

Segunda leitura


Da Carta a Proba, de Santo Agostinho, bispo

 

(Ep. 130,14,27-15,28: CSEL 44,71-73)

 

(Séc. V)


O Espírito intercede por nós

 

Quem pede ao Senhor aquele único bem e o procura com empenho, pede cheio de segurança e não teme ser-lhe prejudicial o recebê-lo; sem ele, nada do que puder receber como convém lhe adiantará. Pois é a única verdadeira vida e a única feliz. Contemplar eternamente a maravilha do Senhor, imortais e incorruptos de corpo e de espírito. Em vista desta única vida tudo o mais se há de pedir sem impropriedade. Quem a possuir terá tudo quanto desejar. Nem desejará o que não convém e que ali nem mesmo pode existir.

Ali, com efeito, está a fonte da vida, de que temos sede agora na oração, enquanto vivemos na esperança e ainda não vemos o que esperamos; à sombra de suas asas, diante de quem está todo nosso desejo, para embriagarmo-nos da riqueza de sua casa e bebermos da torrente de suas delícias. Porque junto dele está a fonte da vida e à sua luz veremos a luz (cf. Sl 35,8-10), quando se saciar de bens nosso anseio e nada mais haverá a procurar com gemidos, mas só aquilo que no gozo abraçaremos.

Todavia ela é também a paz que supera todo entendimento. Por isso, ao orarmos para obtê-la, não sabemos fazê-lo como convém. Porque não podemos nem mesmo imaginar como é, então não sabemos.

Mas tudo o que nos ocorre ao pensar, afastamos, rejeitamos, desaprovamos. Não é isto o que procuramos, embora não saibamos ainda qual seja.

Há em nós, por assim dizer, uma douta ignorância, mas douta pelo Espírito de Deus que vem em auxílio de nossa fraqueza. Tendo o Apóstolo dito: Se, porém, esperamos o que não vemos, aguardamos com paciência, acrescenta: Do mesmo modo o Espírito vem em auxílio de nossa fraqueza; pois não sabemos orar como convém; mas o próprio Espírito intercede com gemidos inexprimíveis. Aquele que perscruta os corações conhece o desejo do Espírito, porque sua intercessão pelos santos corresponde ao desígnio de Deus (Rm 8,25-27).

Não se há de entender isto como se o Santo Espírito de Deus, que é Deus na Trindade imutável e com o Pai e o Filho um só Deus, interceda em favor dos santos, como alguém que não seja o mesmo Deus. Na verdade se diz: Interpela em favor dos santos porque faz os santos intercederem. Como se diz: O Senhor, vosso Deus, vos tenta para saber se o amais (Dt 13,4), quer dizer: para vos fazer saber. Por conseguinte faz que os santos intercedam com gemidos inexprimíveis, inspirando-lhes o desejo da maravilha ainda desconhecida que aguardamos pela paciência. Por que e como exprimir o desejo daquilo que se ignora? Na realidade, se se ignorasse totalmente, não se desejaria. Por outro lado, se já se visse, não se desejaria nem se procuraria com gemidos.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Quinta-feira da 29ª semana do Tempo Comum

 

Segunda leitura


Da Carta a Proba, de Santo Agostinho, bispo

 

(Ep. 130,14,25-26: CSEL 44,68-71)

 

(Séc. V)


Não sabemos pedir o que nos convém

 

Talvez ainda indagues por que o Apóstolo disse: Não sabemos pedir o que nos convém (Rm 8,26) . Pois de modo algum se pode crer que ele ou aqueles a quem dizia isto ignorassem a oração dominical.

O Apóstolo não se excluiu desta ignorância. Talvez não tivesse conhecido como convinha orar, quando pela grandeza das revelações lhe foi dado um espinho na carne, um anjo de Satanás para esbofeteá-lo. Por este motivo rogou por três vezes ao Senhor que o livrasse e, na verdade, não sabia orar o que convinha. Por fim ouviu a resposta de Deus por que não atendia ao que lhe pedia tão grande homem e por que não lhe era conveniente: Basta-te a minha graça, porque a força se perfaz na fraqueza (2Cor 12,9).

Portanto, nas tribulações que tanto podem ser proveitosas quanto prejudiciais, não sabemos o que pedir como convém. No entanto, por serem duras, desagradáveis, contrárias ao modo de sentir de nossa fraqueza, pelo anseio humano universal, rogamos que sejam afastadas de nós. Contudo temos de ter confiança no Senhor, nosso Deus, e, se não as retira, não pensemos logo que nos abandona, mas antes que, por suportar generosamente os males, podemos esperar maiores bens. Assim a força se perfaz na fraqueza.

Estas coisas foram escritas para que não aconteça que alguém se tenha em alta conta, se for atendido quando pede com impaciência algo que lhe seria mais proveitoso não alcançar. Ou desanime e desespere da divina misericórdia, se não for atendido, quando talvez peça aquilo que lhe será causa de mais atrozes aflições ou o corromperá pela prosperidade e o fará perder-se inteiramente. Em todas estas coisas não sabemos orar como convém.

Por este motivo, se nos acontece o contrário do que pedimos, não há que duvidar ser muito melhor suportar com paciência e, dando graças por tudo, porque foi a vontade de Deus que se fez e não a nossa. Pois o próprio Mediador nos deu exemplo ao dizer: Pai, se for possível, afaste-se de mim este cálice, mas logo, mudando em si a vontade humana assumida pela encarnação, acrescentou: Porém não o que eu quero, mas o que tu queres, Pai (Mt 26,39). Por isto, com toda a razão, pela obediência de um, muitos foram constituídos justos (cf. Rm 5,19).