sábado, 7 de dezembro de 2019

SANTO AMBRÓSIO, BISPO E DOUTOR DA IGREJA



Nasceu em Treves, pelo ano 340, de uma família romana, fez os seus estudos em Roma e iniciou em Sírmio a carreira da magistratura. Em 374, vivendo em Milão, foi inesperadamente eleito bispo da cidade e recebeu a ordenação no dia 7 de dezembro. Fiel cumpridor do seu dever, distinguiu-se sobretudo na caridade para com todos, como verdadeiro pastor e doutor dos fiéis. Protegeu corajosamente os direitos da Igreja; com seus escritos e atos defendeu a verdadeira doutrina da fé contra os Arianos. Morreu no Sábado Santo, dia 4 de abril de 397. 

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Das Cartas de Santo Ambrósio, bispo

(Epist. 2,1-2.4-5.7: PL 16 edit. 1845, 847-881) 

(Séc. IV) 
  
O encanto de tuas palavras inspire confiança ao povo

Recebeste o múnus sacerdotal e, sentado à popa da Igreja, governas a barca em meio às ondas. Segura bem o leme da fé, para que as fortes procelas do mundo não te perturbem. O mar é, na verdade, grande e vasto, mas não temas: ele a tornou firme sobre os mares e sobre as águas a mantém inabalável (Sl 23,2).

Por isso, não é sem razão que, entre tantas agitações do mundo, a Igreja do Senhor, edificada sobre a pedra apostólica, permanece firme e, contra o ímpeto das águas, se apóia sobre inabalável fundamento. É batida pelas ondas, mas não abalada; e embora muitas vezes os elementos deste mundo a sacudam com grande fragor, ela oferece aos navegantes cansados o mais seguro porto de salvação. Ela flutua no mar, mas também corre pelos rios, sobretudo aqueles rios dos quais se diz: Levantaram os rios a sua voz (Sl 92,3). São os rios que brotam do coração daqueles que beberam da água de Cristo e receberam o Espírito de Deus. Quando transbordam de graça espiritual, estes rios levantam a sua voz.


Há também um rio que corre para os seus santos como uma torrente. Existe ainda o ímpeto do rio que alegra a alma tranqüila e pacífica. Quem receber da plenitude deste rio, como João Evangelista, Pedro e Paulo, levanta a sua voz. E do mesmo modo que os apóstolos difundiram até os confins da terra, como num canto harmonioso, a voz da pregação evangélica, assim o que receber da plenitude desse rio começa a anunciar o Evangelho do Senhor Jesus.


Recebe, portanto, da plenitude de Cristo para que tua voz também se manifeste. Apanha a água de Cristo, essa água que louva o Senhor. Apanha de muitos lugares a água que as nuvens dos profetas deixam cair.


Quem apanha a água dos montes ou a retira e bebe das fontes, também começa a orvalhar como as nuvens. Enche, pois, o íntimo do teu espírito com esta água, para que a terra da tua alma seja regada e tenhas a fonte em tua própria casa.
Quem muito lê e compreende, fica repleto; e quem está repleto pode regar os demais; por isso, diz a Escritura: Se as nuvens estiverem carregadas, farão cair a chuva sobre a terra (Eclo 11,3).

As tuas pregações sejam fluentes, puras e claras, de modo que o teu ensinamento moral penetre suavemente nos que te escutam, e o encanto de tuas palavras inspire a confiança ao povo; deste modo ele te seguirá, de boa vontade, para onde o conduzires.


Os teus discursos sejam repletos de inteligência. Por isso, diz Salomão: Os lábios do sábio são as armas da sabedoria (cf. Pr 15,7); e noutra passagem: O pensamento dirija os teus lábios, isto é, os teus sermões brilhem pela sua clareza, e teus discursos e explicações dispensem as opiniões alheias. Que tua palavra seja capaz de se defender por si mesma. Enfim, não saia de tua boca nenhuma palavra inútil e sem sentido.

Sábado da 1ª Semana do Advento


Do Tratado sobre o bem da paciência, de São Cipriano, bispo e mártir

(Nn. 13 et 15: CSEL 3,406-408) 

(Séc. III) 
 
Esperamos o que não vemos 

É este o preceito salvífico de nosso Senhor e Mestre: Quem perseverar até o fim, será salvo (Mt 10,22). E ainda: Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará (Jo 8,31-32).
É preciso ter paciência e perseverar, irmãos caríssimos, para que, tendo sido introduzidos na esperança da verdade e da liberdade, possamos chegar à verdade e à liberdade. O fato de sermos cristãos exige que tenhamos fé e esperança, mas a paciência é necessária para que elas possam dar seus frutos.
Nós não buscamos a glória presente, mas a futura, como também ensina o Apóstolo Paulo: Já fomos salvos, mas na esperança. Ora, o objeto da esperança não é aquilo que se vê; como pode alguém esperar o que já vê? Mas se esperamos o que não vemos, é porque o estamos aguardando mediante a perseverança (Rm 8,24-25). A esperança e a paciência são necessárias para levarmos a bom termo o que começamos a ser e para conseguirmos aquilo que, tendo-nos sido apresentado por Deus, esperamos e acreditamos.
Noutro lugar, o mesmo Apóstolo ensina os justos, os que praticam o bem e os que acumulam para si tesouros no céu, na esperança da felicidade eterna, a serem também pacientes, dizendo: Portanto, enquanto temos tempo, façamos o bem a todos, principalmente aos irmãos na fé. Não desanimemos de fazer o bem, pois no tempo devido haveremos de colher, sem desânimo (Gl 6,10.9).
Ele recomenda a todos que não deixem de fazer o bem por falta de paciência; que ninguém, vencido ou desanimado pelas tentações, desista no meio do caminho do mérito e da glória, e venha a perder as boas obras já feitas, por não ter levado até o fim o que começou.
Finalmente, o Apóstolo, ao falar da caridade, une a ela a tolerância e a paciência. A caridade, diz ele, é paciente, é benigna; não é invejosa, não se ensoberbece, não se encoleriza, não suspeita mal; tudo ama, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (1Cor 13,4-5). Ensina-nos, portanto, que só a caridade pode permanecer, porque é capaz de tudo suportar.
E noutra passagem diz: Suportai-vos uns aos outros com amor; aplicai-vos a guardar a unidade do espírito pelo vínculo da paz (Ef 4,2b-3). Provou deste modo que só é possível conservar a união e a paz quando os irmãos se suportam mutuamente e guardam, mediante a paciência, o vínculo da concórdia.
 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

SÃO NICOLAU, BISPO


Bispo de Mira, na Lícia (hoje parte da Turquia), morreu em meados do século IV e, sobretudo a partir do século X, é venerado em toda a Igreja. 

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Dos Tratados sobre o Evangelho de São João, de Santo Agostinho, bispo

(Tract. 123; 5: CCL 36, 678-680) 

(Séc. V)

A força do amor vença o temor da morte 
  O Senhor interroga sobre o que já sabia, não só uma vez, mas duas e três vezes: se Pedro o ama. De todas as vezes, ouve uma só resposta, que Pedro o ama. E, em todas elas, confia a Pedro o pastoreio de suas ovelhas.
A tríplice confissão apaga a tríplice negação, para que a língua não sirva menos ao amor do que ao temor; e não pareça que a iminência da morte o obrigou a falar mais do que a presença da vida. Seja serviço de amor apascentar o rebanho do Senhor, como foi prova de temor negar o pastor.
Quem apascenta as ovelhas de Cristo como se fossem suas, não ama a Cristo mas a si mesmo.
Contra esses, que também o Apóstolo censura dizendo que procuram os próprios interesses e não os de Cristo, estas palavras que o Senhor repete insistentemente são uma séria advertência.
Então que quer dizer: Tu me amas? Apascenta as minhas ovelhas (Jo 21,17) senão: Se me amas, não penses em te apascentar a ti mesmo, mas as minhas ovelhas; apascenta-as, considerando minhas, não tuas; procura nelas minha glória, não a tua; meus interesses, não os teus; não sejas daqueles que nos tempos de perigo só amam a si mesmos e tudo o que deriva deste princípio, que é a raiz de todo mal.
Os que apascentam as ovelhas de Cristo, não amem a si mesmos; não as apascentem como sendo próprias, mas como pertencentes a Cristo.
O defeito que mais devem evitar os que apascentam as ovelhas de Cristo consiste em procurar os próprios interesses e não os de Jesus Cristo, destinando ao proveito próprio aqueles por quem Cristo derramou o seu sangue.
O amor de Cristo deve crescer até atingir tal grau de ardor espiritual naquele que apascenta as suas ovelhas, que supere até mesmo o natural medo da morte, que nos leva a não querer morrer, ainda que queiramos viver com Cristo.
Contudo, por maior que seja o temor da morte, deve vencê-lo a força do amor com que se ama aquele que, sendo nossa vida, quis sofrer até a morte por nós.
Na verdade, se não houvesse ou fosse insignificante o mal da morte, não seria tão grande a glória dos mártires. Mas, se o Bom Pastor, que deu a vida por suas ovelhas, suscitou tantos mártires entre as suas ovelhas, quanto mais não devem lutar pela verdade até à morte, e até o sangue, contra o pecado, aqueles que receberam o encargo de apascentá-las, isto é, de instruí-las e dirigi-las?
Por este motivo, diante do exemplo da paixão de Cristo, e ao pensar em tantas ovelhas que já o imitaram, quem não compreende que os pastores devem ser os primeiros a imitar o Pastor? Na verdade, os mesmos pastores são também ovelhas do único rebanho, governado pelo único Pastor. De todos nós ele fez suas ovelhas, por todos nós padeceu; para padecer por todos nós, ele mesmo se fez ovelha.

Sexta-feira da 1ª Semana do Advento


Do livro “Proslógion”, de Santo Anselmo, bispo

(Cap. I: Opera omnia, Edit.
Schmitt, Seccovii, 1938, 1,97-100) 

(Séc. XII) 
  
O desejo de contemplar a Deus 
  Vamos, coragem, pobre homem! Foge um pouco de tuas ocupações. Esconde-te um instante do tumulto de teus pensamentos. Põe de parte os cuidados que te absorvem e livra-te das preocupações que te afligem. Dá um pouco de tempo a Deus e repousa nele.
Entra no íntimo de tua alma, afasta tudo de ti, exceto Deus ou o que possa ajudar-te a procurá-lo; fecha a porta e põe-te à sua procura. Agora fala, meu coração, abre-te e dize a Deus: Busco a vossa face; Senhor, é a vossa face que eu procuro (Sl 26,8).
E agora, Senhor meu Deus, ensinai a meu coração onde e como vos procurar, onde e como vos encontrar.
Senhor, se não estais aqui, se estais ausente, onde vos procurarei? E se estais em toda parte, por que não vos encontro presente? É certo que habitais numa luz inacessível, mas onde está essa luz inacessível e como chegarei a ela? Quem me conduzirá e nela me introduzirá, para que nela eu vos veja? E depois, com que sinais e sob que aspecto vos devo procurar? Nunca vos vi, Senhor meu Deus, não conheço a vossa face.
Que pode fazer, altíssimo Senhor, que pode fazer este exilado longe de vós? Que pode fazer este vosso servo, sedento do vosso amor, mas tão longe da vossa presença? Aspira ver-vos, mas vossa face se esconde inteiramente dele. Deseja aproximar-se de vós, mas vossa morada é inacessível. Aspira encontrar-vos, mas não sabe onde estais. Tenta procurar-vos, mas desconhece a vossa face.
Senhor, vós sois o meu Deus, o meu Senhor, e nunca vos vi. Vós me criastes e redimistes, destes-me todos os meus bens e ainda não vos conheço. Fui criado para vos ver e ainda não fiz aquilo para que fui criado.
E vós, Senhor, até quando? Até quando, Senhor, nos esquecereis, até quando nos ocultareis a vossa face? Quando nos olhareis e nos ouvireis? Quando iluminareis os nossos olhos, e nos mostrareis a vossa face? Quando voltareis a nós?
Olhai-nos, Senhor, ouvi-nos, mostrai-vos a nós. Dai-nos novamente a vossa presença para sermos felizes, pois sem vós somos tão infelizes! Tende piedade dos rudes esforços que fazemos para alcançar-vos, nós que nada podemos sem vós.
Ensinai-me a vos procurar e mostrai-vos quando vos procuro; pois não posso procurar-vos se não me ensinais nem encontrar-vos se não vos mostrais. Que desejando eu vos procure, procurando vos deseje, amando vos encontre, e encontrando vos ame.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Quinta-feira da 1ª Semana do Advento


Do Comentário sobre o Diatéssaron, de Santo Efrém, diácono

(Cap. 18,15-17; SCh 121,325-328). 

(Séc. IV) 

Vigiai: Cristo virá de novo 

Para impedir que os discípulos o interrogassem sobre o momento de sua vinda, disse-lhes Cristo: Aquela hora ninguém a conhece, nem os anjos nem o Filho. Não vos compete saber o tempo e o momento (cf. Mc 13,32-33). Ocultou-nos isso para que ficássemos vigilantes e cada um de nós pudesse pensar que esse acontecimento se daria durante a nossa vida. Se tivesse revelado o tempo de sua vinda, esta deixaria de ter interesse e não seria mais desejada pelos povos da época em que se manifestará. Ele disse que viria, mas não declarou o momento e por isso as gerações e todos os séculos o esperam ardentemente.
Embora o Senhor tenha dado a conhecer os sinais de sua vinda, não se vê exatamente o último deles, pois numa mudança contínua, esses sinais apareceram e passaram e, por outro lado, ainda perduram. Sua última vinda será igual à primeira.
Os justos e os profetas o desejavam, pensando que se manifestaria em seu tempo; do mesmo modo, cada um dos fiéis de hoje deseja recebê-lo em sua época, pois ele não disse claramente o dia em que viria. E isto sobretudo para ninguém pensar que está submetido a uma determinação e hora, ele que domina os números e os tempos. Como poderia estar oculto àquele que descreveu os sinais de sua vinda, o que ele próprio estabeleceu? O Senhor pôs em relevo esses sinais para que, desde o primeiro dia, os povos de todos os séculos pensassem que ele viria no próprio tempo deles.
Permanecei vigilantes porque, quando o corpo dorme, é a natureza que nos domina e nossa atividade é então dirigida, não por nossa vontade, mas pelos impulsos da natureza. E quando a alma está dominada por um pesado torpor, como por exemplo a pusilanimidade ou a tristeza, é o inimigo que a domina e a conduz, mesmo contra a sua vontade. Os impulsos dominam a natureza e o inimigo domina a alma.
Por isso, o Senhor recomendou ao homem a vigilância tanto da alma como do corpo: ao corpo, para que se liberte da sonolência; e à alma, para que se liberte da indolência e pusilanimidade. Assim diz a Escritura: Vigiai, justos (cf. 1Cor 15,34); e também: Despertei e ainda estou contigo (cf. Sl 138,18); e ainda: Não desanimeis (cf. Jo 16,33). Por isso não desanimamos no exercício do ministério que recebemos (2Cor 4,1).

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

SÃO JOÃO DAMASCENO, PRESBÍTERO E DOUTOR DA IGREJA



 Nasceu em Damasco, na segunda metade do século VII, de família cristã. Muito instruído em filosofia, tornou-se monge no mosteiro de São Sabas, perto de Jerusalém, e foi ordenado sacerdote. Escreveu numerosas obras teológicas, sobretudo contra os iconoclastas. Morreu em meados do século VIII. 

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Da Exposição sobre a Fé, de São João Damasceno, presbítero

(Cap. 1: PG 95, 417-419) 

(Séc. VIII) 

Tu me chamaste, Senhor, para servir a teus discípulos 

Tu me criaste, Senhor, do corpo de meu pai e me formaste no seio de minha mãe; tu me trouxeste à luz, criancinha nua, porque as leis da nossa natureza seguem perpetuamente os teus decretos.
Com a bênção do Espírito Santo, ordenaste minha criação e existência, não por vontade do homem ou desejo da carne, mas por tua graça inefável. Ordenaste o meu nascimento com um cuidado superior ao das leis naturais; adotando-me como filho, conduziste-me à luz e me incluíste entre os discípulos da tua Igreja santa e imaculada.
Tu me alimentaste com o leite espiritual de tuas palavras divinas. Tu me sustentaste com o alimento sólido do corpo de Jesus Cristo, nosso Deus, teu santíssimo Unigênito, e me inebriaste com o cálice divino do seu sangue vivificante, derramado pela salvação do mundo inteiro.
Porque nos amaste, Senhor, deste o teu único e amado Filho para nossa redenção, que ele aceitou voluntária e livremente. E ainda mais: ele mesmo se ofereceu em sacrifícios como cordeiro inocente; porque, sendo Deus, se fez homem e por sua vontade humana submeteu-se, obediente a ti, Deus, seu Pai, até à morte e morte de cruz (Fl 2,8).
E assim, ó Cristo, meu Deus, te humilhaste, levando-me em teus ombros como ovelha perdida, e me apascentaste em verdes pastagens; tu me refizeste com as águas da verdadeira doutrina por meio de teus pastores que, alimentados por ti, alimentam por sua vez o teu nobre e escolhido rebanho.
Agora me chamas, Senhor, pela imposição das mãos de teu pontífice para servir os teus discípulos. Não sei por que razão me escolheste; só tu sabes.
Torna, Senhor, mais leve o peso de meus pecados, porque te ofendi tão gravemente. Purifica minha inteligência e meu coração. Sê para mim como uma lâmpada luminosa que me conduz pelo caminho reto.
Dá-me palavra fácil e concede-me uma linguagem clara e fluente, mediante a língua de fogo de teu Espírito, a fim de que tua presença sempre me assista.
Sê meu pastor, e apascenta comigo, Senhor, para que meu coração não se incline nem para a direita nem para a esquerda; que o teu Espírito bom me conduza pelo caminho reto e as minhas obras se realizem segundo tua vontade, até à última delas.
E tu, nobre vértice da mais íntegra pureza, ilustre assembleia da Igreja, que esperas o auxílio de Deus, Igreja onde Deus habita, recebe de nós a doutrina da fé isenta de erro, que fortifica a Igreja, tal como foi transmitida por nossos pais.

Quarta-feira da 1ª Semana do Advento


Dos Sermões de São Bernardo, abade

(Sermo 5 in Adventu Domini, 1-3: Opera omnia,
Edit. cisterc. 4 [1966], 188-190) 
(Séc. XII) 

O Verbo de Deus virá a nós 

Conhecemos uma tríplice vinda do Senhor. Entre a primeira e a última há uma vinda intermediária. Aquelas são visíveis, mas esta, não. Na primeira vinda o Senhor apareceu na terra e conviveu com os homens. Foi então, como ele próprio declara, que viram-no e não o quiseram receber. Na última, todo homem verá a salvação de Deus (Lc 3,6) e olharão para aquele que transpassaram (Zc 12,10). A vinda intermediária é oculta e nela somente os eleitos o vêem em si mesmos e recebem a salvação. Na primeira, o Senhor veio na fraqueza da carne; na intermediária, vem espiritualmente, manifestando o poder de sua graça; na última, virá com todo o esplendor da sua glória.
Esta vinda intermediária é, portanto, como um caminho que conduz da primeira à última; na primeira, Cristo foi nossa redenção; na última, aparecerá como nossa vida; na intermediária, é nosso repouso e consolação.
Mas, para que ninguém pense que é pura invenção o que dissemos sobre esta vinda intermediária, ouvi o próprio Senhor: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos a ele (cf. Jo 14,23). Lê-se também noutro lugar: Quem teme a Deus, faz o bem (Eclo 15,1). Mas vejo que se diz algo mais sobre o que ama a Deus, porque guardará suas palavras. Onde devem ser guardadas? Sem dúvida alguma no coração, como diz o profeta: Conservei no coração vossas palavras, a fim de que eu não peque contra vós (Sl 118,11).
Guarda, pois, a palavra de Deus, porque são felizes os que a guardam; guarda-a de tal modo que ela entre no mais íntimo de tua alma e penetre em todos os teus sentimentos e costumes. Alimenta-te deste bem e tua alma se deleitará na fartura. Não esqueças de comer o teu pão para que teu coração não desfaleça, mas que tua alma se sacie com este alimento saboroso.
Se assim guardares a palavra de Deus, certamente ela te guardará. Virá a ti o Filho em companhia do Pai, virá o grande Profeta que renovará Jerusalém e fará novas todas as coisas. Graças a essa vinda, como já refletimos a imagem do homem terrestre, assim também refletiremos a imagem do homem celeste (1Cor 15,49). Assim como o primeiro Adão contagiou toda a humanidade e atingiu o homem todo, assim agora é preciso que Cristo seja o senhor do homem todo, porque ele o criou, redimiu e o glorificará.

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

SÃO FRANCISCO XAVIER, PRESBÍTERO

SÃO FRANCISCO XAVIER, PRESBÍTERO
 Memória

Nasceu na Espanha, em 1506; quando estudante em Paris, tornou-se companheiro de Santo Inácio. Foi ordenado sacerdodote em Roma, em 1537, e dedicou-se às obras de caridade. Partindo em 1541 para o Oriente, durante dez anos evangelizou, incansavelmente, a Índia e o Japão, convertendo multidões à fé cristã. Morreu em 1552, na ilha chinesa de Sancião.
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Das Cartas a Santo Inácio, de São Francisco Xavier, presbítero

 (E Vita Francisci Xaverii, auctore H. Tursellini, Romae, 1596,
Lib. 4, epist. 4 [1542] et 5 [1544]) 


(Séc. XVI) 


Ai de mim, se não evangelizar! 

Percorremos as aldeias de neófitos, que receberam os sacramentos cristãos há poucos anos. Esta região não é cultivada pelos portugueses, já que é muito estéril e pobre; e os cristãos indígenas, por falta de sacerdotes, nada sabem a não ser que são cristãos. Não há ninguém que celebre para eles as sagradas funções; ninguém que lhes ensine o Símbolo, o Pai-nosso, a Ave-Maria e os mandamentos da Lei de Deus.
 Desde que aqui cheguei, não parei um instante: visitando com freqüência as aldeias, lavando na água sagrada os meninos não batizados. Assim, purifiquei grandíssimo número de crianças que, como se diz, não sabem absolutamente distinguir entre a direita e a esquerda. Estas crianças não me permitiram recitar o ofício divino, nem comer, nem dormir, enquanto não lhes ensinasse alguma oração; foi assim que comecei a perceber que delas é o reino dos céus.
 À vista disto, como não podia, sem culpa, recusar pedido tão santo, começando pelo testemunho do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinava-lhes o Símbolo dos Apóstolos, o Pai-nosso e a Ave-Maria. Observei que são muito inteligentes; se houvesse quem os instruísse nos preceitos cristãos, não duvido que seriam excelentes cristãos.
Nestas paragens, são muitíssimos aqueles que não se tornam cristãos, simplesmente por faltar quem os faça tais. Veio-me muitas vezes ao pensamento ir pelas academias da Europa, particularmente a de Paris, e por toda a parte gritar como louco e sacudir aqueles que têm mais ciência do que caridade, clamando: "Oh! Como é enorme o número  dos que excluídos do céu, por vossa culpa se precipitam nos infernos!"
Quem dera que se dedicassem a esta obra com o mesmo interesse com que se dedicam às letras, para que pudessem prestar contas a Deus da ciência e dos talentos recebidos!
Na verdade, muitos deles, impressionados por esta idéia, entregando-se à meditação das realidades divinas, talvez estivessem mais preparados para ouvir o que Deus diria neles: abandonando as cobiças e interesses humanos, se fizessem atentos a um aceno da vontade de Deus. Decerto, diriam de coração: Aqui estou, Senhor; que devo fazer? (At 9,10; 22,10). Envia-me para onde for do teu agrado, até mesmo para a Índia.

Terça-feira da 1ª Semana do Advento


Dos Sermões de São Gregório de Nazianzo, bispo

(Or. 45,9.22.26.28: PG 36,634.635.654.658-659.662) 

(Séc. IV) 

Ó admirável intercâmbio! 

O próprio Filho de Deus, que existe desde toda a eternidade, o invisível, o incompreensível, incorpóreo, princípio que procede do princípio, a luz nascida da luz, a fonte da vida e da imortalidade, a expressão do arquétipo, divino, o selo inamovível, a imagem perfeita, a palavra e o pensamento do Pai, vem em ajuda da criatura feita à sua imagem, e por amor do homem se faz homem. Para purificar aqueles de quem se tornou semelhante, assume tudo o que é humano, exceto o pecado. Foi concebido por uma Virgem, já santificada pelo Espírito Santo no corpo e na alma, para honrar a maternidade e ao mesmo tempo exaltar a excelência da virgindade; e assumindo a humanidade sem deixar de ser Deus, uniu em si mesmo duas realidades contrárias, a saber, a carne e o espírito. Uma delas conferiu a divindade, a outra recebeu-a.
Aquele que enriquece os outros torna-se pobre. Aceita a pobreza de minha condição humana para que eu possa receber os tesouros de sua divindade. Aquele que possui tudo em plenitude, aniquila-se a si mesmo; despoja-se de sua glória por algum tempo, para que eu participe de sua plenitude.
Quais são essas riquezas da bondade? Qual é esse mistério que me concerne? Recebi a imagem divina mas não soube conservá-la. Ele assumiu a minha condição humana para restaurar a perfeição dessa imagem e dar a imortalidade a esta minha condição mortal. Assim estabelece conosco uma segunda aliança, muito mais admirável que a primeira.
Convinha que a santidade fosse dada ao homem mediante a humanidade assumida por Deus. Convinha que ele triunfasse desse modo sobre o tirano que nos subjugava, para nos restituir a liberdade e reconduzir-nos a si através de seu Filho, nosso Mediador; e Cristo realizou, de fato, esta obra redentora para a glória de seu Pai, que era o objetivo de todas as suas ações.
O bom Pastor, que dá a vida por suas ovelhas, veio ao encontro da que estava perdida, procurando-a pelos montes e colinas onde tu sacrificavas aos ídolos; tendo-a encontrado, tomou-a sobre seus ombros – os mesmos que carregaram a cruz – reconduzindo-a à vida eterna.
Depois daquela tênue lâmpada do Precursor, veio a Luz claríssima de Cristo; depois da voz, veio a Palavra; depois do amigo do esposo, o Esposo. O Senhor veio depois daquele que lhe preparou um povo perfeito, predispondo os homens, por meio da água purificadora, para receberem o batismo do Espírito.
Foi necessário que Deus se fizesse homem e morresse, para que tivéssemos a vida. Morremos com ele para sermos purificados; ressuscitamos com ele porque com ele morremos. Fomos glorificados com ele, porque com ele ressuscitamos.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Segunda-feira da 1ª Semana do Advento


Das Cartas Pastorais de São Carlos Borromeu, bispo

(Acta Eclesiae Mediolanensis, t. 2, Lugduni, 1683, 916-917) 

(Séc. XVI) 

O tempo do Advento 

Caros filhos, eis chegado o tempo tão importante e solene que, conforme diz o Espírito Santo, é o momento favorável, o dia da salvação (cf. 2Cor 6,2), da paz e da reconciliação. É o tempo que outrora os patriarcas e profetas tão ardentemente desejaram com seus anseios e suspiros; o tempo que o justo Simeão finalmente pôde ver cheio de alegria, tempo celebrado sempre com solenidade pela Igreja, e que também deve ser constantemente vivido com fervor, louvando e agradecendo ao Pai eterno pela misericórdia que nos revelou nesse mistério. Em seu imenso amor por nós, pecadores, o Pai enviou seu Filho único a fim de libertar-nos da tirania e do poder do demônio, convidar-nos para o céu, revelar-nos os mistérios do seu reino celeste, mostrar-nos a luz da verdade, ensinar-nos a honestidade dos costumes, comunicar-nos os germes das virtudes, enriquecer-nos com os tesouros da sua graça e, enfim, adotar-nos como seus filhos e herdeiros da vida eterna.

Celebrando cada ano este mistério, a Igreja nos exorta a renovar continuamente a lembrança de tão grande amor de Deus para conosco. Ensina-nos também que a vinda de Cristo não foi proveitosa apenas para os seus contemporâneos, mas que a sua eficácia é comunicada a todos nós se, mediante a fé e os sacramentos, quisermos receber a graça que ele nos prometeu, e orientar nossa vida de acordo com os seus ensinamentos.
A Igreja deseja ainda ardentemente fazer-nos compreender que o Cristo, assim como veio uma só vez a este mundo, revestido da nossa carne, também está disposto a vir de novo, a qualquer momento, para habitar espiritualmente em nossos corações com a profusão de suas graças, se não opusermos resistência.
Por isso, a Igreja, como mãe amantíssima e cheia de zelo pela nossa salvação, nos ensina durante este tempo, com diversas celebrações, com hinos, cânticos e outras palavras do Espírito Santo, como receber convenientemente e de coração agradecido este imenso benefício e a enriquecer-nos com seus frutos, de modo que nos preparemos para a chegada de Cristo nosso Senhor com tanta solicitude como se ele estivesse para vir novamente ao mundo. É com esta diligência e esperança que os patriarcas do Antigo Testamento nos ensinaram, tanto em palavras como em exemplos, a preparar a sua vinda. 

domingo, 1 de dezembro de 2019

Domingo da 1ª Semana do Advento



Segunda leitura 

Das Catequeses de São Cirilo de Jerusalém, bispo

(Cat. 15,1-3: PG 33,870-874) 


(Séc. IV) 

As duas vindas de Cristo 


Anunciamos a vinda de Cristo: não apenas a primeira, mas também a segunda, muito mais gloriosa. Pois a primeira revestiu um aspecto de sofrimento, mas a segunda manifestará a coroa da realeza divina.
Aliás, tudo o que concerne a nosso Senhor Jesus Cristo tem quase sempre uma dupla dimensão. Houve um duplo nascimento: primeiro, ele nasceu de Deus, antes dos séculos; depois, nasceu da Virgem, na plenitude dos tempos. Dupla descida: uma, discreta como a chuva sobre a relva; outra, no esplendor, que se realizará no futuro.
Na primeira vinda, ele foi envolto em faixas e reclinado num presépio; na segunda, será revestido num manto de luz. Na primeira, ele suportou a cruz, sem recusar a sua ignomínia; na segunda, virá cheio de glória, cercado de uma multidão de anjos.
Não nos detemos, portanto, somente na primeira vinda, mas esperamos ainda, ansiosamente, a segunda. E assim como dissemos na primeira: Bendito o que vem em nome do Senhor (Mt 21,9), aclamaremos de novo, no momento de sua segunda vinda, quando formos com os anjos ao seu encontro para adorá-lo: Bendito o que vem em nome do Senhor.
Virá o Salvador, não para ser novamente julgado, mas para chamar a juízo aqueles que se constituíram seus juízes. Ele, que ao ser julgado, guardara silêncio, lembrará as atrocidades dos malfeitores que o levaram ao suplício da cruz, e lhes dirá: Eis o que fizestes e calei-me (Sl 49,21).
Naquele tempo ele veio para realizar um desígnio de amor, ensinando aos homens com persuasão e doçura; mas, no fim dos tempos, queiram ou não, todos se verão obrigados a submeter-se à sua realeza.
O profeta Malaquias fala dessas duas vindas: Logo chegará ao seu templo o Senhor que tentais encontrar (Ml 3,1). Eis uma vinda.
E prossegue, a respeito da outra: E o anjo da aliança, que desejais. Ei-lo que vem, diz o Senhor dos exércitos; e quem poderá fazer-lhe frente, no dia de sua chegada? E quem poderá resistir-lhe, quando ele aparecer? Ele é como o fogo da forja e como a barrela dos lavadeiros; e estará a postos, como para fazer derreter e purificar (Ml 3,1-3).
Paulo também se refere a essas duas vindas quando escreve a Tito: A graça de Deus se manifestou trazendo salvação para todos os homens. Ela nos ensina a abandonar a impiedade e as paixões mundanas e a viver neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade, aguardando a feliz esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo (Tt 2,11-13). Vês como ele fala da primeira vinda, pela qual dá graças, e da segunda que esperamos?
Por isso, o símbolo da fé que professamos nos é agora transmitido, convidando-nos a crer naquele que subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai. E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim. Nosso Senhor Jesus Cristo virá portanto dos céus, virá glorioso no fim do mundo, no último dia. Dar-se-á a consumação do mundo, e este mundo que foi criado será inteiramente renovado.