sábado, 29 de maio de 2021

Domingo da 9ª semana do Tempo Comum

 Segunda leitura

Dos Livros das Confissões, de Santo Agostinho, bispo

(Lib. 1,1.1-2.2; 5,5: CCL 27,1-3)
(Séc. V)

Inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti
Grande és tu, Senhor, e sumamente louvável: grande é a tua força, e a tua sabedoria não tem limites! Ora, o homem, esta parcela da criação, quer te louvar, este mesmo homem carregado com sua condição mortal, carregado com o testemunho de seu pecado e com o testemunho de que resistes aos soberbos. Ainda assim, quer louvar-te o homem, esta parcela de tua criação! Tu próprio o incitas para que sinta prazer em louvar-te. Fizeste-nos para ti e inquieto está nosso coração, enquanto não repousa em ti.

Dá-me, Senhor, saber e compreender o que vem primeiro: o invocar-te ou o louvar-te? Começar por conhecer-te ou por invocar-te? Mas quem te invocará sem te conhecer? Por ignorância, poderá invocar alguém em lugar de outro. Será que é melhor seres invocado, para seres conhecido? Como, porém, invocarão aquele em quem não crêem? ou como terão fé, sem anunciante?Louvarão o Senhor aqueles que o procuram. Quem o procura encontra-o e tendo-o encontrado, louva-o. Buscar-te-ei, Senhor, invocando-te; e invocar-te-ei, crendo em ti. Tu nos foste anunciado; invoca-te, Senhor, a minha fé, aquela que me deste, que me inspiraste pela humanidade de teu Filho, pelo ministério de teu pregador. Invocarei o meu Deus, o meu Deus e Senhor: mas como? Porque ao invocá-lo eu o chamarei para dentro de mim. Que lugar haverá em mim, aonde o meu Deus possa vir? Aonde virá Deus em mim, o Deus que fez o céu e a terra? Há, então, Senhor, meu Deus, algo em mim que te possa conter? O céu e a terra, que fizeste e nos quais me fizeste, são eles capazes de te conter? Ou, se sem ti nada existiria de quanto existe, é porque tudo quanto existe te contém?
Portanto eu, que também existo, que tenho de pedir tua vinda em mim, em mim que não existiria se não estivesses em mim? Ainda não estou nas profundezas da terra e, no entanto, ali também estás. Pois, mesmo que desça às profundezas da terra, ali estás. Não existiria, pois, meu Deus, de forma alguma existiria, se não estivesses em mim. Ou melhor, não existiria eu se não existisse em ti, de quem tudo, por quem tudo, em quem todas as coisas existem? É assim, Senhor, é assim mesmo. Para onde te chamo, se já estou em ti? Ou donde virás para mim? Para onde me afastarei, fora do céu e da terra, para que lá venha a mim o meu Deus, que disse: Eu encho o céu e a terra?

Quem me dera descansar em ti! Quem me dera vires a meu coração, inebriá-lo a ponto de esquecer os meus males, e abraçar-te a ti, meu único bem! Que és para mim? Perdoa-me, se falo. Que sou eu a teus olhos, para que me ordenes amar-te e, se não o fizer, te indignares e ameaçares com imensas desventuras? É acaso pequena desventura não te amar? Ai de mim! Dize-me, por compaixão, Senhor meu Deus, o que és tu para mim. Dize à minha alma: Sou tua salvação. Dize de forma a que ela te escute. Os ouvidos de meu coração estão diante de ti, Senhor. Abre-os e dize à minha alma: Sou tua salvação. Correrei atrás destas palavras e segurar-te-ei. Não escondas de mim tua face. Morra eu, para que não morra, e assim possa contemplá-la!

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Sábado da 8ª semana do Tempo Comum

 Segunda leitura

Dos Tratados de São Zeno de Verona, bispo

(Tract. 15,2: PL 11,441-443)
(Séc. IV)

Jó prefigurava Cristo

Tanto quanto se pode entender, irmãos caríssimos, Jó prenunciava a figura de Cristo, o que é provado por uma comparação: Jó é chamado de justo por Deus. Ora, Cristo é a justiça de cuja fonte bebem todos os bem-aventurados. Dele se disse: Levantar-se-á para vós o sol da justiça. Jó é dito veraz. O Senhor, que declara no evangelho: Eu sou o caminho e a verdade, é a própria verdade.

Jó foi rico. E quem mais rico do que o Senhor? Dele são todos os servos ricos, dele o mundo inteiro e toda a natureza, no testemunho do Santo Davi: Do Senhor é a terra e sua plenitude, o orbe da terra e todos quantos nele habitam. O diabo tentou Jó por três vezes. De modo semelhante, narra o Evangelista, por três vezes o mesmo diabo esforçou-se por tentar o Senhor. Jó perdeu os bens que possuía. O Senhor, por nosso amor, abandonou os bens celestes e fez-se pobre para enriquecer-nos. O diabo, furioso, matou os filhos de Jó. E aos profetas, filhos de Deus, o louco povo fariseu assassinou. Jó manchou-se pelas úlceras. O Senhor, assumindo a carne de todo o gênero humano, apareceu manchado com as sujeiras dos pecadores.

Jó foi instigado pela esposa a pecar. A sinagoga quis obrigar o Senhor a seguir a depravação dos anciãos. Apresentam-se os amigos de Jó a insultá-lo. E ao Senhor insultaram os sacerdotes que deviam cultuá-lo. Jó senta-se no monturo coberto de vermes. Também o Senhor no verdadeiro monturo, isto é, na lama desse mundo se demorou rodeado de homens estuantes de crimes e paixões, os verdadeiros vermes. Jó recuperou tanto a saúde quanto a riqueza. E o Senhor, ressuscitando, concedeu não só a saúde, mas a imortalidade aos que nele crêem e recuperou o domínio sobre toda a natureza, segundo suas próprias palavras: Tudo me foi dado por meu Pai. Jó teve filhos em substituição aos primeiros. O Senhor também gerou, depois dos filhos dos profetas, os santos apóstolos. Jó, feliz, descansou em paz. O Senhor, porém, permanece o bendito eternamente, antes dos séculos, nos séculos e por todos os séculos dos séculos.

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Sexta-feira da 8ª semana do Tempo Comum

 Segunda leitura

Dos Livros "Moralia" sobre Jó, de São Gregório Magno, papa

(Lib. 10,47-48: PL 75,946-947)
(Séc. VI)

Testemunha interior
Quem é escarnecido por seu amigo, como eu, invocará a Deus que o atenderá. Com frequência o espírito fraco, ao receber o bafejo da fama humana por suas boas ações, deixa-se levar para as alegrias exteriores, chegando a interessar-se menos pelo que deseja interiormente. Deleita-se, então, languidamente no que ouve de fora. Alegra-se mais por ser chamado de bem-aventurado do que por sê-lo de fato. Esperando com avidez as palavras de elogio, abandona o que começara a ser. Separa-se de Deus justamente naquilo que deveria ser louvado em Deus.

Às vezes, ao contrário, o homem firma-se com constância no agir reto e, no entanto, é maltratado pelas zombarias humanas. Faz coisas admiráveis e só encontra opróbrios. Podendo exteriorizar-se pelos louvores, é repelido pelas afrontas e volta-se para dentro de si mesmo. Em seu íntimo, enche-se de tanto maior força em Deus quanto não encontra fora onde repousar. Fixa toda a sua esperança no Criador e, entre as zombarias ruidosas invoca sua única testemunha, a interior. Torna-se assim o espírito aflito, tanto mais próximo de Deus quanto mais estranho aos aplausos humanos. Expande-se sem cessar em oração e, premido no exterior, com mais nitidez se purifica para penetrar nos bens interiores. É com razão, pois, que aqui se diz: Quem é escarnecido pelo amigo, como eu, invocará a Deus que o atenderá, porque quando os maus censuram a intenção dos bons, revelam que testemunha desejam para seus atos. O espírito ferido mune-se de força pela oração e alcança ouvir dentro de si as palavras do alto por ter-se separado do louvor humano.

É de notar a justeza do inciso: como eu; pois há alguns que são depreciados pelas críticas humanas, mas que não são atendidos pelos ouvidos divinos. Porque a zombaria provocada pela culpa não importa em nenhum mérito da virtude.

Ri-se da simplicidade do justo: a sabedoria deste mundo está em esconder as maquinações do coração, velar o sentido das palavras, mostrar como verdadeiro o que é falso, demonstrar ser errado aquilo que é verdadeiro.

Pelo contrário, a sabedoria dos justos consiste em nada fingir por ostentação; declarar o sentido das palavras; amar as coisas verdadeiras tais como são; evitar as falsas; fazer o bem gratuitamente; preferir tolerar de bom grado o mal a fazê-lo; não procurar vingança contra a injúria; reputar lucro a afronta, em bem da verdade. Zomba-se, porém, desta simplicidade dos justos porque para os prudentes deste mundo a virtude da pureza de coração é tida por loucura. Tudo quanto se faz com inocência, eles reputam tolice e aquilo que a verdade aprova nas ações, soa falso à sabedoria humana.

Santo Agostinho de Cantuária, bispo

 SANTO AGOSTINHO DE CANTUÁRIA, BISPO

Era do mosteiro de Santo André, em Roma, quando foi enviado por São Gregório Magno, em 597, à Inglaterra, para pregar o evangelho. Foi bem recebido e ajudado pelo rei Etelberto. Eleito bispo de Cantuária, converteu muitos à fé cristã e fundou várias Igrejas, principalmente no reino de Kent. Morreu a 26 de maio, cerca do ano 605. 


Segunda leitura

Das Cartas de São Gregório Magno, papa

(Lib. 9,36: MGH, 1899, Epistolae, 2,305-306)
(Séc. VI)

A nação dos anglos foi iluminada pela luz da santa fé
Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens por ele amados
 (Lc 2,14), porque Cristo, o grão de trigo, caiu na terra e morreu para não reinar sozinho no céu. Por sua morte nós vivemos, por sua fraqueza nos fortalecemos, por sua paixão nos libertamos da nossa. Por seu amor, procuramos na Grã-Bretanha irmãos que desconhecíamos; por sua bondade, encontramos aqueles que procurávamos sem conhecer.

Quem será capaz de expressar a enorme alegria que encheu o coração de todos os fiéis, pelo fato de a nação dos anglos, repelindo as trevas do erro, ter sido iluminada pela luz da santa fé? É à ação da graça de Deus todo-poderoso e ao teu ministério, irmão, que devemos isto. Agora com grande fidelidade de espírito calcam aos pés os ídolos que antes adoravam com insensato temor; com pureza de coração, já se prosternam diante de Deus todo-poderoso; obedecendo às normas da santa pregação, abandonam as obras do pecado e aceitam de boa mente os mandamentos de Deus para chegarem a compreendê-lo melhor; inclinam-se profundamente em oração para que o espírito não fique preso à terra. De quem é esta obra? É daquele que disse: Meu Pai trabalha sempre, portanto também eu trabalho (Jo 5,17).

Cristo, para mostrar que o mundo não se converte com a sabedoria dos homens mas com o seu poder, escolheu como seus pregadores, para enviar ao mundo, homens iletrados. O mesmo fez também agora com a nação dos anglos, pois se dignou realizar prodígios por meio de fracos instrumentos.

Mas nesta graça celestial, irmão caríssimo, há muito para nos alegrarmos e também muito para temermos.
Bem sei que o Deus todo-poderoso realizou grandes milagres por meio do teu amor para com esse povo que ele quis escolher. Mas esta graça do céu deve ser para ti causa de alegria e de temor. De alegria, sem dúvida, por veres como as almas dos anglos são conduzidas, por meio dos milagres exteriores até à graça interior; e de temor para que, à vista dos milagres que se realizam, tua fraqueza não se exalte até à presunção, e, enquanto exteriormente és honrado, não caias interiormente na vanglória.

Devemos lembrar-nos de que os discípulos, ao voltarem da pregação cheios de alegria, quando disseram ao divino mestre: Senhor, até os demônios nos obedecem por causa do teu nome (Lc 10,17), ouviram como resposta: Não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem. Antes, ficai alegres porque vossos nomes estão escritos no céu (Lc 10,20).

quarta-feira, 26 de maio de 2021

São Felipe Neri, presbítero

 SÃO FILIPE NÉRI, PRESBÍTERO

Memória

Nasceu em Florença (Itália), em 1515. Indo para Roma, aí começou a dedicar-se ao apostolado da juventude, e estabeleceu uma associação em favor dos doentes pobres, levando uma vida de grande perfeição cristã. Foi ordenado presbítero em 1551 e fundou o Oratório que tinha por finalidade dedicar-se à instrução espiritual, ao canto e às obras de caridade. Notabilizou-se sobretudo por seu amor ao próximo, pela sua simplicidade evangélica e pela sua alegria no serviço de Deus. Morreu em 1595. 

Segunda leitura

Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo

(Sermo 171,1-3.5:PL38,933-935)

(Séc.V)

Alegrai-vos sempre no Senhor

O Apóstolo manda que nos alegremos, mas no Senhor, não no mundo. Pois afirma a Escritura: A amizade com o mundo é inimizade com Deus (Tg 4,4). Assim como um Homem não pode servir a dois senhores, da mesma forma ninguém pode alegrar-se ao mesmo tempo no mundo e no Senhor.
Vença, portanto, a alegria no Senhor, até que termine a alegria no mundo. Cresça sempre a alegria no Senhor; a alegria no mundo diminua até acabar totalmente. Não se quer dizer com isso que não devamos alegrar-nos, enquanto estamos neste mundo; mas que, mesmo vivendo nele, já nos alegremos no Senhor.
No entanto, pode alguém observar: “Eu estou no mundo; então, se me alegro, alegro-me onde estou”. E daí? Por estares no mundo, não estás no Senhor? Escuta o mesmo Apóstolo, que falando aos atenienses, nos Atos dos Apóstolos, dizia a respeito de Deus e do Senhor, nosso Criador: Nele vivemos, nos movemos e existimos (At 17,28). Ora, quem está em toda parte, onde é que não está? Não foi para isto que fomos advertidos? O Senhor está próximo! Não vos inquieteis com coisa alguma (Fl 4,5-6).
Eis uma realidade admirável: aquele que subiu acima de todos os céus, está próximo dos que vivem na terra. Quem está tão longe e perto ao mesmo tempo, senão aquele que por misericórdia se tornou tão próximo de nós?
Na verdade, todo o gênero humano está representado naquele homem que jazia semimorto no caminho, abandonado pelos ladrões. Desprezaram-no, ao passar, o sacerdote e o levita; mas o samaritano, que também passava por ali, aproximou-se para tratar dele e prestar-lhe socorro. O Imortal e Justo, embora estivesse longe de nós, mortais e pecadores, desceu até nós. Quem antes estava longe, quis ficar perto de nós.
Ele não nos trata como exigem nossas faltas (Sl 102,10), porque somos filhos. Como podemos provar isto? O Filho único morreu por nós para deixar de ser único. Aquele que morreu só, não quis ficar só. O Unigênito de Deus fez nascer muitos filhos de Deus. Comprou irmãos para si com seu sangue. Quis ser condenado para nos justificar; vendido, para nos resgatar; injuriado, para nos honrar; morto, para nos dar a vida.
Portanto, irmãos, alegrai-vos no Senhor (Fl 4,4) e não no mundo; isto é, alegrai-vos com averdade, não com a iniqüidade; alegrai-vos na esperança da eternidade, não nas flores da vaidade. Alegrai-vos assim onde quer que estejais e em todo o tempo que viverdes neste mundo. O Senhor está próximo! Não vos inquieteis com coisa alguma.

Quinta-feira da 8ª semana do Tempo Comum

 Segunda leitura

Dos Livros "Moralia" sobre Jó, de São Gregório Magno, papa

(Lib. 10,7-8.10: PL 75,922.925-926)
(Séc. VI)

Múltipla é a lei do Senhor
Nesta passagem, o que se deve entender por lei de Deus a não ser a caridade? Pois por meio dela sempre se pode encontrar na mente como traduzir na prática os preceitos de Deus. Sobre esta lei de Deus, é dito pela palavra da Verdade: Este é o meu mandamento, que vos ameis uns aos outros. Desta lei fala Paulo: A plenitude da lei é o amor. E ainda: Carregai os fardos uns dos outros e cumprireis assim a lei de Cristo. O que de melhor se pode entender por lei de Cristo senão a caridade, vivida na perfeição, quando suportamos os fardos dos irmãos por amor?

No entanto, esta mesma lei pode-se dizer ser múltipla, porque com zelosa solicitude a caridade se estende a todas as ações virtuosas. Começando por dois preceitos, ela vai atingir muitos outros. Paulo soube enumerar a multiplicidade desta lei ao dizer: A caridade é paciente, é benigna; não é invejosa, não se ensoberbece, não age mal; não é ambiciosa, não busca o que é seu, não se irrita, não pensa mal, não se alegra com a iniquidade, mas rejubila com a verdade.

Na verdade é paciente a caridade, pois tolera com serenidade as afrontas recebidas. É benigna porque retribui os males com bens generosos. Não é invejosa porque, nada cobiçando neste mundo, não tem por onde invejar os êxitos terrenos. Não se ensoberbece; deseja ansiosamente a retribuição interior, por isso não se exalta com os bens exteriores. Não age mal, pois somente se dilata com o amor a Deus e ao próximo, por isto ignora tudo quanto se afasta da retidão.

Não é ambiciosa porque, cuidando ardentemente de si no íntimo, não cobiça fora, de modo algum, as coisas alheias. Não busca o que é seu, pois tudo quanto possui aqui considera-o transitório e alheio, sabendo que nada lhe é próprio a não ser aquilo que permanece sempre com ela. Não se irrita, pois, quando insultada, não se deixa levar por sentimentos de vingança, já que por grandes trabalhos espera prêmios ainda maiores. Não pensa mal, porque, firmando o espírito no amor da pureza, arranca pela raiz todo ódio e não admite na alma mancha nenhuma.

Não se alegra com a iniquidade: o seu único anseio consiste no amor para com todos sem se alegrar com a perda dos adversários. Rejubilaporém, com a verdade porque, amando os outros como a si próprio, enche-se de gozo ao ver neles o que é reto como se se tratasse do progresso próprio. É múltipla, portanto, a lei de Deus.

Quarta-feira da 8ª semana do Tempo Comum

 

 Segunda leitura

Dos Livros das Confissões, de Santo Agostinho, bispo

(Lib. 10,26.37–29,40; CCL 27,174-176)
(Séc. V)

Em tua imensa misericórdia, toda a minha esperança
Onde te encontrei, Senhor, para te conhecer? Não estavas certamente em minha memória antes que eu te conhecesse. Onde então te encontrei para te conhecer, a não ser em ti, acima de mim? Não é propriamente um lugar. Afastamo-nos, aproximamo-nos e não é um lugar. Em toda parte, ó Verdade, presides a todos que vêm com diferentes consultas. Com clareza respondes, porém, nem todos ouvem com clareza. Todos perguntam o que querem e nem sempre ouvem o que querem. Ótimo servo teu é quem não espera ouvir de ti o que desejaria, mas antes quer aquilo que de ti ouve.

Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Estavas dentro e eu fora te procurava. Precipitava-me eu disforme, sobre as coisas formosas que fizeste. Estavas comigo, contigo eu não estava. As criaturas retinham-me longe de ti, aquelas que não existiriam se não estivessem em ti. Chamaste e gritaste e rompeste a minha surdez. Cintilaste, resplandeceste e afugentaste minha cegueira. Exalaste perfume, aspirei-o e anseio por ti. Provei, tenho fome e tenho sede. Tocaste-me e abrasei-me no desejo de tua paz.

Quando me uno a ti com todo o meu ser, não há em mim dor nem fadiga. Viva será minha vida, toda repleta de ti. Agora ergues o que de ti está repleto. Como ainda não estou pleno de ti, sou um peso para mim. Lutam minhas lamentáveis alegrias com as tristezas deleitáveis. De que lado estará a vitória, não sei.

Ai de mim, Senhor! tem piedade de mim. Lutam minhas más tristezas com as boas alegrias e não sei quem vencerá. Ai de mim, Senhor! Tem piedade de mim! Ai de mim! Bem vês que não escondo minhas chagas. És o médico; eu, o doente. És misericordioso; eu, o miserável.

Não é verdade que a vida humana na terra é uma tentação? Quem deseja pesares e dificuldades? Ordenas tolerá-los, não amá-los. Ninguém ama aquilo que tolera, mesmo se gosta de tolerar. Embora alegre-se por tolerar, prefere não ter que tolerá-lo. Na adversidade desejo a felicidade; na felicidade temo a adversidade. Que meio termo haverá onde a vida humana não seja uma tentação? Ai da felicidade do mundo, uma e duas vezes, pelo temor da adversidade e pela caducidade da alegria! Ai das adversidades do mundo, pelo desejo da felicidade! A adversidade é dura e faz naufragar a tolerância. Não é verdade que é uma tentação a vida humana sobre a terra? Em tua imensa misericórdia ponho toda a minha esperança.

terça-feira, 25 de maio de 2021

São Gregório VII, papa

 SÃO GREGÓRIO VII, PAPA

Hildebrando nasceu na Toscana (Itália), cerca do ano 1028; foi educado em Roma e abraçou a vida monástica. Por diversas vezes foi legado dos papas de seu tempo para auxiliar na reforma da Igreja. Em 1073, eleito para a cátedra de São Pedro, com o nome de Gregório VII, continuou corajosamente a reforma começada. Muito combatido, principalmente pelo rei Henrique IV, foi desterrado para Salerno, onde morreu, em 1085. 

Segunda leitura

Das Cartas de São Gregório VII, papa

(Ep. 64 extra Registrum: PL 148,709-710)
(Séc.XI)

A Igreja livre, casta, católica
Em nome do Senhor Jesus, que nos remiu com sua morte, nós vos pedimos e suplicamos que procureis diligentemente informar-vos acerca do motivo e do modo como sofremos tribulações e angústias da parte dos inimigos da religião cristã.
Desde que, por disposição divina, a Mãe Igreja me colocou no trono apostólico, apesar de sentir-me indigno e contra a minha vontade – Deus é testemunha! – procurei com o máximo empenho que a santa Igreja, esposa de Deus, senhora e mãe nossa, voltando à primitiva beleza que lhe é própria, permanecesse livre, casta e católica. Mas como isso desagrada muitíssimo ao antigo inimigo, este armou seus sequazes contra nós, para que tudo sucedesse ao contrário.
Por isso, fez ele tanto mal contra nós, ou antes, contra a Sé Apostólica, como ainda não pudera fazê-lo, desde os tempos do imperador Constantino Magno. Nem é de admirar muito, porque, quanto mais o tempo passa, tanto mais ele se esforça para extinguir a religião cristã.
Agora, pois, meus caríssimos irmãos, ouvi com muita atenção o que vos digo. Todos os que no mundo inteiro têm o nome de cristãos e conhecem verdadeiramente a fé cristã, sabem e crêem que São Pedro, o príncipe dos apóstolos, é o pai de todos os cristãos e o primeiro pastor, depois de Cristo, e que a santa Igreja Romana é a mãe e mestra de todas as Igrejas.
Se, portanto, acreditais nestas coisas e as afirmais sem hesitação, eu, vosso humilde irmão e indigno mestre, rogo-vos e recomendo-vos pelo amor de Deus onipotente, que ajudeis e socorrais este vosso pai e esta vossa mãe, se desejais alcançar por seu intermédio a absolvição de todos os pecados, a bênção e a graça, neste mundo e no outro.
Deus onipotente, de quem procedem todos os bens, sempre ilumine a vossa alma e a fecunde com o seu amor e o amor do próximo. Assim, pela vossa constante dedicação, mereceis a recompensa de São Pedro, vosso pai na fé, e da Igreja, vossa mãe, e chegareis sem temor à sua companhia. Amém.

São Beda, o Venerável, presbítero e doutor da Igreja

 SÃO BEDA, O VENERÁVEL, PRESBÍTERO E DOUTOR DA IGREJA

 Nasceu no território do mosteiro beneditino de Wearmouth (Inglaterra), em 673; foi educado por São Bento Biscop e ingressou no referido mosteiro, onde recebeu a ordenação de presbítero. Desempenhou o seu ministério dedicando-se ao ensino e à atividade literária. Escreveu obras de cunho teológico e histórico, seguindo a tradição dos Santos Padres e explicando a Sagrada Escritura. Morreu em 735.

 

Segunda leitura
 
Da Carta de Cutberto, sobre a morte de São Beda, o Venerável
 
(Nn. 4-6: PL 90,64-66)
  
(Séc. VIII)
 
Desejo de ver a Cristo 
Ao chegar a terça-feira antes da Ascensão do Senhor, Beda começou a respirar com mais dificuldade e apareceu um pequeno tumor em seu pé. Mas, durante todo aquele dia, ensinou e ditou as suas lições com boa disposição. A certa altura, entre outras coisas, disse: “Aprendei depressa; não sei por quanto tempo ainda viverei e se dentro em breve o meu Criador virá me buscar”. Parecia-nos que ele sabia perfeitamente quando iria morrer; tanto assim que passou a noite acordado e em ação de graças.

Raiando a manhã, isto é, na quarta-feira, ordenou que escrevêssemos com diligência a lição começada; assim fizemos até às nove horas. A partir desta hora, fizemos a procissão com as relíquias dos santos, como mandava o costume do dia. Um de nós, porém, ficou com ele, e disse-lhe: “Querido mestre, ainda falta um capítulo do livro que estavas ditando. Seria difícil pedir-te para continuar?” Ele respondeu: “Não, não custa nada; toma a tua pena e tinta, e escreve sem demora”. E assim fez o discípulo.
Às três horas da tarde, disse-me: “Tenho em meu pequeno baú algumas coisas de estimação: pimenta, lenços e incenso. Vai depressa chamar os presbíteros do nosso mosteiro para que distribua entre eles os presentinhos que Deus me deu”. Quando todos chegaram, falou-lhes, exortando a cada um e pedindo-lhes que celebrassem missas por ele e rezassem por sua alma; o que lhe prometeram de boa vontade.

Todos choravam e lamentavam, principalmente por lhe ouvirem manifestar a persuasão de que não veriam mais por muito tempo o seu rosto neste mundo. No entanto, alegraram-se quando lhes disse: “Chegou o tempo, se assim aprouver a meu Criador, de voltar para aquele que me deu a vida, me criou e me formou do nada quando eu não existia. Vivi muito tempo, e o misericordioso Juiz teve especial cuidado com a minha vida. Aproxima-se o momento de minha partida (2Tm 4,6), pois tenho o desejo de partir para estar com Cristo (Fl 1,23). Na verdade, minha alma deseja ver a Cristo, meu rei, na sua glória”. E disse muitas outras coisas, para nossa edificação, conservando a sua alegria de sempre até à noitinha.

O jovem Wilberto, já mencionado, disse: “Querido mestre, ainda me falta escrever uma só frase”. Respondeu ele: “Escreve depressa”. Pouco depois disse o jovem: “Agora a frase está terminada”. “Disseste bem, – continuou Beda – tudo está consumado (Jo 19,30). Agora, segura-me a cabeça com tuas mãos, porque me dá muita alegria sentar-me voltado para o lugar santo, onde costumava rezar; assim também agora, sentado, quero invocar meu Pai”.

E colocado no chão de sua cela, cantou: “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo”. Ao dizer o nome do Espírito Santo, exalou o último suspiro. Pela grande devoção com que se consagrou aos louvores de Deus na terra, bem devemos crer que partiu para a felicidade das alegrias do céu.

Santa Maria Madalena de Pazzi, virgem

 SANTA MARIA MADALENA DE PAZZI, VIRGEM

Nasceu em Florença (Itália), no ano 1566. Teve uma piedosa educação e entrou na Ordem das Carmelitas; levou uma vida oculta de oração e abnegação, rezando assiduamente pela reforma da Igreja e dirigindo suas irmãs religiosas no caminho da perfeição. Recebeu de Deus muitos dons extraordinários. Morreu em 1607. 

Segunda leitura

Dos Escritos sobre a Revelação e a Provação, de Santa Maria Madalena de Pazzi, virgem  

(Mss. III, 186.264; IV, 716: Opere di S. M. Maddalena de’ Pazzi, Firenze, 1965, 4, pp. 200.269; 6, p. 194)
(Séc. XVI)

Vem, Espírito Santo
Verdadeiramente és admirável, ó Verbo de Deus, no Espírito Santo, fazendo com que ele se infunda de tal modo na alma, que ela se una a Deus, conheça a Deus, e em nada se alegre fora de Deus.
O Espírito Santo vem à alma, marcando-a com o precioso selo do sangue do Verbo, ou seja, do Cordeiro imolado. Mais ainda, é esse mesmo sangue que o incita a vir, embora o próprio Espírito já por si tenha esse desejo.
O Espírito que assim deseja é em si a substância do Pai e do Verbo; procede da essência do Pai e da vontade do Verbo; vem como fonte que se difunde na alma, e a alma nele mergulha toda. Assim como dois rios, confluindo, de tal modo se misturam que o menor perde o nome e recebe o do maior, do mesmo modo age este Espírito divino, quando vem à alma, para com ela se unir. É preciso, pois, que a alma, por ser menor, perca seu nome e o ceda ao Espírito Santo; e deve fazer isto transformando-se de tal maneira no Espírito que se torne com ele uma só coisa.
Este Espírito, porém, distribuidor dos tesouros que estão no coração do Pai e guarda dos segredos entre o Pai e o Filho, derrama-se com tanta suavidade na alma, que não se percebe sua chegada e, pela sua grandeza, poucos o apreciam.
Por sua densidade e sua leveza, entra em todos os lugares que estão aptos e preparados para recebê-lo. Na sua palavra freqüente, como também no seu profundo silêncio, é ouvido por todos; com o ímpeto do amor, ele, imóvel e mobilíssimo, penetra em todos os corações.
Não ficas, Espírito Santo, no Pai, imóvel, nem no Verbo; contudo, sempre estás no Pai e no Verbo e em ti mesmo, e também em todos os espíritos e criaturas bem-aventuradas. Estás ligado à criatura por estreitos laços de parentesco, por causa do sangue derramado pelo Verbo unigênito que, pela veemência do amor, se fez irmão de sua criatura. Repousas nas criaturas que se predispõem com pureza a receber em si, pela comunicação de teus dons, a tua própria presença. Repousas nas almas que acolhem em si os efeitos do sangue do Verbo e se tornam habitação digna de ti.
Vem, Espírito Santo. Venha a unidade do Pai e do bem-querer do Verbo. Tu, Espírito da Verdade, és o prêmio dos santos, o refrigério dos corações, a luz das trevas, a riqueza dos pobres, o tesouro dos que amam, a saciedade dos famintos, o alívio dos peregrinos; tu és, enfim, aquele que contém em si todos os tesouros.
Vem, tu que, descendo em Maria, realizaste a encarnação do Verbo, e realiza em nós, pela graça, o que nela realizaste pela graça e pela natureza.
Vem, tu que és o alimento de todo pensamento casto, a fonte de toda clemência, a plenitude de toda pureza.
Vem e transforma tudo o que em nós é obstáculo para sermos plenamente transformados em ti.