sábado, 27 de junho de 2020

Sábado da 12ª semana do Tempo Comum



Segunda leitura

Das Homilias de São Gregório de Nissa, bispo

(Orat. 6 De beatitudinibus: PG 44, 1270-1271)
(Séc. IV)

Deus pode ser encontrado no coração do homem

Na vida humana, a saúde do corpo é boa coisa, mas o que torna feliz não é saber em que consiste a saúde, mas viver com saúde. Com efeito, se alguém, muito entretido em elogiar a saúde, toma alimentos que causam maus humores e doenças, de que lhe aproveitam, quando fica doente, os louvores à saúde? De modo semelhante entendamos a palavra que nos foi proposta, pois o Senhor não diz que a felicidade não está em conhecer algo sobre Deus, mas ter Deus em si. Bem-aventurados os que têm coração puro porque verão, eles próprios, a Deus.
Não me parece que Deus vá colocar-se perante quem o contempla por ter purificado os olhos da alma, mas que talvez a magnificência desta palavra nos sugira aquilo que expressou mais claramente a outros: O reino de Deus está dentro de vós. Por aí ficamos sabendo como quem purificou seu coração de todo o criado e de toda paixão má verá em sua própria beleza a imagem da natureza divina.
Creio que o Verbo incluiu, nestas poucas palavras que disse, o seguinte conselho: "Ó vós, homens, que tendes algum empenho em contemplar o verdadeiro bem, quando ouvirdes falar da majestade divina exaltada acima dos céus, de sua glória inefável, de sua indizível beleza, não vos deixeis levar pelo desespero por não poderdes ver o que desejais!
Se, por uma vida intensa e diligente, lavares de novo as sujeiras que mancham e escurecem o coração, resplandecerá em ti a divina beleza. Como acontece com o ferro, preto antes, retirada a ferrugem pelo polimento, começa a mostrar seu brilho ao sol, assim o homem interior, a quem o Senhor dá o nome de coração, quando limpar as manchas de ferrugem que surgiram em sua forma pela corrupção, recuperará a semelhança com sua principal forma original e se tornará bom. Pois o semelhante ao bom é bom.
Por consequência, quem se vê a si, em si vê a quem deseja. Deste modo é feliz quem tem o coração puro porque, olhando sua pureza, pela imagem descobre a forma principal. Aqueles que vêem o sol refletido num espelho, embora não tenham os olhos fixos no céu, não vêem menos seu esplendor do que aqueles que olham diretamente para o próprio sol; da mesma forma, também vós, embora sem possuirdes a capacidade de contemplar a luz inacessível, se voltardes à beleza e à graça da imagem que vos foi dada no início, em vós mesmo tereis o que procurais.
A pureza, a ausência das paixões desregradas e o afastamento de todo o mal é a divindade. Se, portanto, se encontrarem em ti, Deus estará totalmente em ti. Quando, pois, teu espírito estiver puro de todo vício, liberto de todo mau desejo e longe de toda nódoa, serás feliz pela agudeza e luminosidade do olhar, porque aquilo que os impuros não podem ver, tu, limpo, o perceberás. Retirada dos olhos da alma a escuridão da matéria, pela serenidade pura contemplarás claramente a beatificante visão. E esta, o que é? Santidade, pureza, simplicidade, todo o esplendor da luminosa natureza divina, pelos quais Deus se deixa ver.

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Sexta-feira da 12ª semana do Tempo Comum



Segunda leitura

Das Homilias, de São Gregório de Nissa, bispo

(Orat. 6: De beatitudinibus: PG 44,1266-1267)
(Séc. IV)

A esperança de ver a Deus

A promessa de Deus é tão grande que supera o limite máximo da felicidade. O que poderá alguém desejar a mais acima deste bem, quando possui tudo naquele a quem vê? Com efeito, ver, conforme as Escrituras, significa terPor exemplo: Vejas os bens de Jerusalém é o mesmo que encontres tais bens. E dizendo: Seja repelido o ímpio, não veja a glória do Senhor, o Profeta quer significar por não veja que não seja participante.
Por conseguinte, quem vê a Deus possui tudo quanto há de bom pelo fato de ver. Possui a vida sem fim, a eterna incorruptibilidade, a felicidade imortal, o reino sem fim, a alegria contínua, a verdadeira luz, a palavra espiritual e suave, a glória intangível, a perpétua exultação. Em suma, possui todos os bens.
Decerto é enorme e imensamente valioso o que a promessa da felicidade propõe pela esperança. Contudo, como foi dito, o modo de ver a Deus repousa na pureza do coração. Neste ponto novamente o meu espírito tonteia, duvidando que esta pureza do coração consista em coisas que estejam fora de nosso alcance e que superem de muito nossa natureza. Pois se, por um lado, Deus pode ser visto através desta pureza, por outro lado, contudo, nem Moisés nem Paulo o viram. Com efeito, eles mesmos afirmam que nem eles nem outro qualquer podem ver a Deus. Sendo assim, aquela felicidade agora proposta pelo Verbo parece coisa que nem se pode realizar nem sequer imaginar.
Que vantagem, pois, temos em saber de que modo se vê a Deus, se não temos a capacidade para tanto? Seria o mesmo que falar alguém sobre a felicidade de se morar no céu, porque lá se contempla o que na terra não se vê. De certo, quando se mostrasse algum caminho para ir ao céu, teria alguma utilidade para os ouvintes conhecer quanta felicidade existe em lá estar. Mas enquanto não for possível a subida, o que nos importa saber da felicidade celeste? Porventura serviria de alguma coisa senão para nos afligir e nos inquietar o ter conhecimento de que coisas estamos privados e impedidos de atingir? Será que o Senhor nos exorta a algo que supera nossa natureza e a grandeza do preceito ultrapassa as forças humanas?
Não é assim, pois ele não ordena serem pássaros aqueles que não têm asas, nem a viverem dentro da água os que destinou à vida terrestre. Se, portanto, em tudo o mais a lei se ajusta à capacidade dos que a recebem e não obriga a coisa alguma acima da natureza, entendamos que também aqui será tudo conforme e não há que desesperar daquilo que nos é mostrado como felicidade.
De fato, nem João nem Paulo nem Moisés nem outros como eles ficaram privados desta sublime beatitude, oriunda da visão de Deus. De fato, nem dela está privado aquele que disse: Está guardada para mim a coroa da justiça que me dará o justo Juiz; nem aquele que reclinou a cabeça no peito de Jesus; nem, igualmente, aquele que ouviu da voz divina: Eu te conheci mais que a todos.
Por conseguinte, se não há dúvida de que são felizes aqueles que afirmaram estar a contemplação de Deus acima de nossas forças e se a felicidade consiste na visão de Deus e se a Deus vê quem tem o coração puro, então é claro que a pureza de coração, que torna o homem feliz, não está entre as coisas que nos são impossíveis.
De fato, os que pretendem basear-se em Paulo, para declarar que a visão de Deus está acima de nossas forças, têm contra si a palavra do Senhor, que promete acesso à visão de Deus pela pureza do coração.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Quinta-feira da 12ª semana do Tempo Comum



Segunda leitura

Das Homilias, de São Gregório de Nissa, bispo

(Orat. 6 De beatitudinibus: PG 44,1263-1266)
(Séc. IV)

Deus é um rochedo inacessível

O que costuma acontecer a quem do alto de um monte olha para o vasto mar lá embaixo, isto mesmo se dá com o meu espírito em relação à altíssima palavra do Senhor: dessa altura olho para a inexplicável profundidade de seu sentido.
A mesma vertigem que se pode sentir em alguns lugares da costa, quando se olha desde uma grande elevação a cavaleiro das ondas para o mar profundo, do alto saliente de um penhasco que, do lado do mar, parece cortado pelo meio do vértice até a base mergulhada nas profundezas, sobrevém a meu espírito suspenso à grande palavra proferida pelo Senhor: Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. Deus se oferece à visão daqueles que têm o coração purificado. Deus, ninguém jamais o viu, diz o grande João. Confirma esta asserção, Paulo, aquele espírito sublime: A quem homem algum vê nem pode ver. Eis aqui o penhasco, escorregadio, despenhadeiro sem fundo, talhado a pique, que não oferece em si nenhum ponto de apoio para a inteligência da criatura! O próprio Moisés sentiu-se esmagado pela palavra: Não há, diz ele, quem veja a Deus e continue a viver. Ele sentenciou que este penhasco é inacessível, porque nunca nossa mente pode lá chegar, por mais que se esforce por alcançá-lo, erguendo-se até ele.
Ora, ver a Deus é gozar a vida eterna. No entanto, que Deus não possa ser visto, as colunas da fé, João, Paulo e Moisés, o afirmam. Percebes a vertigem que arrasta logo o espírito para as profundezas do conteúdo desta questão? De fato, se Deus é a vida, quem não vê a Deus não vê a vida. Mas que não se possa ver a Deus, tanto os profetas quanto os apóstolos, levados pelo Espírito divino, o atestam. Em que angústias, portanto, se debate a esperança dos homens?
Contudo, o Senhor vem erguer e sustentar a esperança vacilante, assim como fez a Pedro, a ponto de afundar, firmando-o na água tornada resistente ao caminhar, para que ele não se afogasse.
Portanto, se a mão do Verbo se estender para nós, que vacilamos no abismo de nossas especulações, colocando-nos em outra perspectiva, perderemos o medo e, já seguros, abraçaremos o Verbo que nos conduz como que pela mão, dizendo: Bem-aventurados os puros de coração porque eles verão a Deus.