sábado, 1 de fevereiro de 2020

Sábado da 3ª semana do Tempo Comum

Segunda leitura 
  Da Constituição Pastoral Gaudium et spes sobre a Igreja no mundo de hoje, do Concílio Vaticano II 
 
(N. 18-22) 
 
(Séc. XX) 
 

O mistério da morte 
 
Em face da morte, o enigma da condição humana atinge o seu ponto máximo. O homem não apenas é atormentado com a dor e o progressivo declínio do corpo, mas com muito maior força pelo temor da destruição perpétua. Pelo acertado instinto de seu coração, afasta com horror e rejeita a idéia da total ruína e da morte definitiva de sua pessoa. A semente de eternidade que traz em si, irredutível à pura matéria, insurge-se contra a morte. Todas as conquistas da técnica, por mais úteis que sejam, não conseguem acalmar a angústia humana, pois o prolongamento biológico da vida não pode satisfazer o desejo inelutavelmente presente em seu coração de viver sempre.
Já que diante da morte toda imaginação fracassa, a Igreja, instruída pela Revelação, afirma ter sido o homem criado por Deus para uma finalidade feliz, para além dos limites da miséria terrena. E não só, mas a fé cristã ensina que a morte corporal, que lhe seria poupada se não houvesse pecado, será vencida quando o homem recuperar a salvação, perdida por culpa sua, pelo onipotente e compadecido Salvador. Com efeito, Deus chamou e continua a chamar o homem a aderir com sua natureza integral à perpétua comunhão na incorruptível vida divina. Cristo conseguiu esta vitória, libertando o homem da morte por meio de sua morte e ressurgindo para a vida. Para quem reflete, a fé baseada em sólidos argumentos oferece uma resposta a sua ansiedade sobre a sorte futura. Ao mesmo tempo dá a possibilidade de comunicar-se com os caros irmãos já arrebatados pela morte em Cristo, despertando a esperança de possuírem eles, desde agora, a verdadeira vida junto de Deus.
Certamente incumbe ao cristão o dever urgente de lutar contra o mal através de muitas tribulações e de aceitar a morte; mas unido ao mistério pascal, configurado à morte de Cristo, firme na esperança, chegará à ressurreição.
Tudo isto vale para os cristãos e também para todos os homens de boa vontade em cujos corações a graça age invisivelmente. Tendo, pois, Cristo morrido por todos, e sendo uma só a vocação última do homem, isto é, a divina, devemos afirmar que o Espírito Santo oferece a todos a possibilidade, de modo só conhecido por Deus, de se associarem ao mistério pascal.
De tal valia e tão grande é o mistério do homem, que se esclarece pela Revelação cristã aos fiéis. Por conseguinte, por Cristo e em Cristo, ilumina-se o enigma da dor e da morte que, fora de seu Evangelho, nos esmaga. Cristo ressuscitou, por sua morte destruiu a morte e deu-nos a vida para que, filhos no Filho, clamemos no Espírito: Abá, Pai!

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

SÃO JOÃO BOSCO, PRESBÍTERO

Memória 

Nasceu perto de Castelnuovo, na diocese de Turim, em 1815. Teve uma infância sofrida. Ordenado sacerdote, consagrou todas as suas energias à educação da juventude, para formá-la na prática da vida cristã e no exercício de uma profissão. Com essa finalidade, fundou Congregações, sobretudo, a Sociedade São Francisco de Sales (Salesianos). Escreveu também diversos opúsculos para proteger e defender a religião católica. Morreu em 1888. 

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Segunda leitura 

Das Cartas de São João Bosco, presbítero 

(Epistolario, Torino 1959, 4,201-203) 

(Séc.XIX) 

Sempre trabalhei com amor 

Antes de mais nada, se queremos ser amigos do verdadeiro bem de nossos alunos e levá-los ao cumprimento de seus deveres, é indispensável jamais vos esquecerdes de que representais os pais desta querida juventude. Ela foi sempre o terno objeto dos meus trabalhos, dos meus estudos e do meu ministério sacerdotal; não apenas meu, mas da cara congregação salesiana.
 Quantas vezes, meus filhinhos, no decurso de toda a minha vida, tive de me convencer desta grande verdade! É mais fácil encolerizar-se do que ter paciência, ameaçar uma criança do que persuadi-la. Direi mesmo que é mais cômodo, para nossa impaciência e nossa soberba, castigar os que resistem do que corrigi-los, suportando-os com firmeza e suavidade.
Tomai cuidado para que ninguém vos julgue dominados por um ímpeto de violenta indignação. É muito difícil, quando se castiga, conservar aquela calma tão necessária para afastar qualquer dúvida de que agimos para demonstrar a nossa autoridade ou descarregar o próprio mau humor.
Consideremos como nossos filhos aqueles sobre os quais exercemos certo poder. Ponhamo-nos a seu serviço, assim como Jesus, que veio para obedecer e não para dar ordens; envergonhemo-nos de tudo o que nos possa dar aparência de dominadores; e se algum domínio exercemos sobre eles, é para melhor servirmos.
Assim procedia Jesus com seus apóstolos; tolerava-os na sua ignorância e rudeza, e até mesmo na sua pouca fidelidade. A afeição e a familiaridade com que tratava os pecadores eram tais que em alguns causava espanto, em outros escândalo, mas em muitos infundia a esperança de receber o perdão de Deus. Por isso nos ordenou que aprendêssemos dele a ser mansos e humildes de coração.
Uma vez que são nossos filhos, afastemos toda cólera quando devemos corrigir-lhes as faltas ou, pelo menos, a moderemos de tal modo que pareça totalmente dominada.  Nada de agitação de ânimo, nada de desprezo no olhar, nada de injúrias nos lábios; então sereis verdadeiros pais e conseguireis uma verdadeira correção.
Em determinados momentos muito graves, vale mais uma recomendação a Deus, um ato de humildade perante ele, do que uma tempestade de palavras que só fazem mal a quem as ouve e não têm proveito algum para quem as merece.

Sexta-feira da 3ª semana do Tempo Comum


Do Comentário sobre os Salmos, de São João Fisher, bispo e mártir 
 
(Ps. 101: Opera Omnia, ed. 1597, pp. 1588-1589) 
 
(Séc. XVI) 
 
As maravilhas de Deus 
 
Primeiramente, Deus, realizando muitos portentos e prodígios, libertou o povo de Israel da escravidão do Egito. Deu-lhe passagem a pé enxuto através do mar Vermelho. Sustentou-o com o pão vindo do céu, maná e codornizes. Da pedra duríssima fez jorrar água abundante para os sedentos. Deu-lhe vitória sobre os inimigos que lhe moviam guerra. Fez com que o Jordão, contrariando o seu ímpeto, retrocedesse por algum tempo. Repartiu entre as tribos e as famílias a terra prometida. Concedeu-lhes tudo isto com amor e generosidade. No entanto, ingratamente, aqueles homens esquecidos de tudo, desleixando e mesmo repudiando o culto a Deus, não poucas vezes se emaranharam no inominável crime da idolatria.
Depois, também a nós, quando ainda pagãos íamos atrás dos ídolos mudos, ao sabor de nossas inclinações, ele nos cortou da oliveira selvagem da gentilidade e, quebrados os ramos naturais, nos enxertou na verdadeira oliveira do povo judaico, tornando-nos participantes da graça fecunda de sua raiz. Por fim, nem sequer poupou ao próprio Filho, mas o entregou por todos nós como sacrifício e oblação de suave odor, a fim de nos remir e de tornar puro e aceitável para si um povo.
Todos estes fatos, absolutamente certos, não são apenas provas de seu amor e de sua generosidade para conosco, mas também acusações. Pois, ingratos, ou melhor, ultrapassando todos os limites de ingratidão, nem damos atenção ao seu amor nem reconhecemos a grandeza dos benefícios. Rejeitamos e temos por desprezível o liberal doador de tão grandes bens. A imensa misericórdia que ele demonstrou incessantemente para com os pecadores não nos comove nem nos leva a adotar uma norma de vida conforme seu mandamento santo.
Tudo isto bem merece ser escrito para as gerações futuras, em perpétua memória. E assim todos aqueles que no futuro receberem o nome de cristão, reconhecendo a infinita bondade de Deus para conosco, não deixem nunca de celebrá-lo com louvores divinos.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Quinta-feira da 3ª semana do Tempo Comum


Dos Sermões de João, o Pequeno, bispo de Nápoles 
 
(Sermo 7: PLS 4,785-786) 
 
(Séc. XIV) 
 
Ama o Senhor e anda por seus caminhos 
 
O Senhor é minha luz e minha salvação: a quem temerei? Grande servo é este que sabia de que maneira era iluminado, donde lhe vinha a luz e quem o iluminava. Via a luz, não esta que declina à tarde; mas aquela que os olhos não vêem. As almas iluminadas por esta luz não caem no pecado, não tropeçam nos vícios.
O Senhor disse: Caminhai enquanto tendes a luz em vós. De que luz falava ele? Não seria de si mesmo? Ele que afirmou: Eu, a luz, vim ao mundo, para que aqueles que vêem não vejam e os cegos recebam a luz. É ele, o Senhor, nossa luz, sol de justiça, que refulgiu em sua Igreja católica, espalhada por toda a terra. O Profeta, figurando-a, clamava: O Senhor é minha luz e minha salvação; a quem temerei?
O homem interiormente iluminado não vacila, não abandona o caminho, tudo tolera. Vê ao longe a pátria, por isso suporta as adversidades. Não se entristece com as vicissitudes terrenas, mas em Deus se fortalece. Humilha o seu coração, é constante, e a sua humildade o torna paciente. A verdadeira luz que ilumina todo homem que vem a este mundo se dá aos que temem a Deus, inunda a quem quer, onde quer, revelando-se a quem o Filho quiser.
Quem está sentado nas trevas e na sombra da morte, nas trevas do mal e nas sombras dos pecados, ao ver surgir a luz, horroriza-se, desdiz-se, arrepende-se, envergonha-se e exclama: O Senhor é minha luz e minha salvação; a quem temerei. Grande salvação, meus irmãos! Ela não teme a fraqueza, o cansaço não lhe faz medo, não conhece dor. Digamos, então, com toda a força, não só de boca mas de coração: O Senhor é minha luz e minha salvação; a quem temerei? Se é ele quem ilumina, ele quem salva, a quem poderei temer? Venham as sombrias sugestões, o Senhor é minha luz. Podem vir, não poderão ir mais longe. Assediam nosso coração, não conseguem vencê-lo. Venham os cegos desejos, o Senhor é minha luz. Nossa força está em que ele se dá a nós e nós nos entregamos a ele. Correi ao médico enquanto podeis fazê-lo: não aconteça que não seja mais possível quando o quiserdes.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Quarta-feira da 3ª semana do Tempo Comum


Dos Sermões sobre o Cântico dos Cânticos, de São Bernardo, abade 
 
(Sermo 61,3-5: Opera omnia 2,150-151) 
 
(Séc. XII) 
 
Onde abundou o delito, superabundou a graça 
  Onde encontrar repouso tranquilo e firme segurança para os fracos, a não ser nas chagas do Salvador? Ali permaneço tanto mais seguro, quanto mais poderoso é ele para salvar. O mundo agita, o corpo dificulta, o demônio arma ciladas; não caio, porque estou fundado sobre rocha firme. Pequei e pequei muito; a consciência abala-se, mas não se perturba, pois me lembro das chagas do Senhor. Ele foi ferido por causa de nossas iniquidades. Que pecado tão mortal que a morte de Cristo não apague? Se vier à mente tão poderoso e eficaz remédio, não haverá mal que possa aterrorizar.
Por isso, muito errou quem disse: Tão grande é o meu pecado que não merece perdão. Mostra com isso não ser membro de Cristo nem lhe interessar o mérito de Cristo, por apoiar-se no próprio merecimento, declarar coisa sua o que pertence a outro, como acontece com um membro em relação à cabeça.
Quanto a mim, vou buscar o que me falta confiadamente nas entranhas do Senhor, tão cheias de misericórdia, que não lhe faltam fendas por onde se derrame. Cavaram suas mãos e seus pés, traspassaram seu lado; por estas fendas é-me permitido sugar o mel da pedra, o óleo do rochedo duríssimo, quero dizer, provar e ver quão suave é o Senhor.
Ele alimentava pensamentos de paz e eu não sabia. Pois quem conheceu o pensamento do Senhor? ou quem foi seu conselheiro? Mas o cravo que penetra tornou-se-me a chave que abre a fim de ver a vontade do Senhor. Que verei através das fendas? Clama o cravo, clama a chaga que Deus está em Cristo reconciliando o mundo consigo. A espada atravessou sua alma e tocou seu coração; é-lhe agora impossível deixar de compadecer-se de minhas misérias.
Abre-se o íntimo do coração pelas chagas do corpo, abre-se o magno sacramento da piedade, abrem-se as entranhas de misericórdia de nosso Deus que induziram o Oriente, vindo do alto a visitar-nos. Qual o íntimo que se revela pelas chagas? Como poderia brilhar de modo mais claro do que em vossas chagas, que vós, Senhor, sois suave e manso e de imensa misericórdia? Maior compaixão não há do que entregar sua vida por réus de morte e condenados.
Em vista disso, meu mérito é a misericórdia do Senhor. Nunca me faltam méritos enquanto não lhe faltar a comiseração. Se forem numerosas as misericórdias do Senhor, eu muitos méritos terei. Que acontecerá se me torno bem consciente dos meus muitos pecados? Onde abundou o delito, superabundou a graça. E se as misericórdias de Deus são de sempre e para sempre, também eu cantarei eternamente as misericórdias do Senhor. Acaso é minha a justiça? Senhor, lembrar-me-ei unicamente de vossa justiça. Vossa, sim, e minha; porque vós vos fizestes para mim justiça de Deus.

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

SANTO TOMÁS DE AQUINO, PRESBÍTERO E DOUTOR DA IGREJA

 Memória 

 Nasceu por volta do ano 1225, da família dos Condes de Aquino. Estudou primeiramente no mosteiro de Monte Cassino e depois em Nápoles. Ingressou na Ordem dos Frades Pregadores e completou os estudos em Paris e em Colônia, tendo tido como professor Santo Alberto Magno. Escreveu muitas obras de grande erudição, e, como professor, lecionou disciplinas filosóficas e teológicas, o que lhe valeu grande reputação. Morreu nas proximidades de Terracina, a 7 de março de 1274. Sua memória é celebrada a 28 de janeiro, data em que seu corpo foi trasladado para Toulouse (França), em 1369. 

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Segunda leitura 
  
Das Conferências de Santo Tomás de Aquino, presbítero
  
(Colatio 6 super Credoin Deum)   

(Séc.XIII) 
  
Na cruz não falta nenhum exemplo de virtude 

Que necessidade havia para que o Filho de Deus sofresse por nós? Uma necessidade grande e, por assim dizer, dupla: para ser remédio contra o pecado e para exemplo do que devemos praticar.  Foi em primeiro lugar um remédio, porque na paixão de Cristo encontramos remédio contra todos os males que nos sobrevêm por causa dos nossos pecados.
 
Mas não é menor a utilidade em relação ao exemplo. Na verdade, a paixão de Cristo é suficiente para orientar nossa vida inteira. Quem quiser viver na perfeição, nada mais tem a fazer do que desprezar aquilo que Cristo desprezou na cruz e desejar o que ele
desejou. Na cruz, pois, não falta nenhum exemplo de virtude.
 
Se procuras um exemplo de caridade: Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos (Jo 15,13). Assim fez Cristo na cruz. E se ele deu sua vida por nós, não devemos considerar penoso qualquer mal que tenhamos de sofrer por causa dele.
 
Se procuras um exemplo de paciência, encontras na cruz o mais excelente! Podemos reconhecer uma grande paciência em duas circunstâncias: quando alguém suporta com serenidade grandes sofrimentos, ou quando pode evitar os sofrimentos e não os evita. Ora, Cristo suportou na cruz grandes sofrimentos, e com grande serenidade, porque atormentado, não ameaçava (1Pd 2,23); foi levado como ovelha ao matadouro e não abriu a boca (cf. Is 53,7; At 8,32).
 
É grande, portanto, a paciência de Cristo na cruz. Corramos com paciência ao combate que nos é proposto, com os olhos fixos em Jesus, que em nós começa e completa a obra da fé. Em vista da alegria que lhe foi proposta, suportou a cruz, não se importando com a infâmia (cf. Hb 12,1-2).
 
Se procuras um exemplo de humildade, contempla o crucificado: Deus quis ser julgado sob Pôncio Pilatos e morrer.
 
Se procuras um exemplo de obediência, segue aquele que se fez obediente ao Pai até à morte: Como pela desobediência de um só homem, isto é, de Adão, a humanidade toda foi estabelecida numa condição de pecado, assim também pela obediência de um só,
toda a humanidade passará para uma situação de justiça (Rm 5,19).
 
Se procuras um exemplo de desprezo pelas coisas da terra, segue aquele que é Rei dos reis e Senhor dos senhores, no qual estão encerrados todos os tesouros da sabedoria e da ciência (Cl 2,3), e que na cruz está despojado de suas vestes, escarnecido, cuspido, espancado, coroado de espinhos e, por fim, tendo vinagre e fel como bebida para matar a sede.
 
Não te preocupes com as vestes e riquezas, porque repartiram entre si as minhas vestes (Jo 19,24); nem com honras, porque fui ultrajado e flagelado; nem com a dignidade, porque tecendo uma coroa de espinhos, puseram-na em minha cabeça (cf. Mc 15,17); nem com os prazeres, porque em minha sede ofereceram-me vinagre (Sl 68,22).

Terça-feira da 3ª semana do Tempo Comum


Da Regra mais longa, de São Basílio Magno, bispo 
 
(Resp. 2,2-4: PG 31,914-915) 
 
(Séc. IV) 
 

Que retribuiremos ao Senhor por tudo quanto nos deu? 
 
Que palavra poderá verdadeiramente descrever os dons de Deus? São tantos que não se podem enumerar. São de tal grandeza que um só deles bastaria para merecer toda a nossa gratidão para com o Doador. Há um que a nós, seres racionais e inteligentes, seria forçosamente impossível esquecê-lo, e pelo qual jamais o louvaríamos condignamente: Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Honrou-o, assim, com a reflexão. Só a ele, dentre todas as criaturas, deu a razão. Concedeu-lhe o gozo da indizível beleza do paraíso e o constituiu rei de toda a terra. Enganado o homem pela serpente, caído no pecado e pelo pecado na morte e nos sofrimentos que a acompanham, nem por isto Deus o abandonou; mas pela lei, que lhe serviria de auxílio no princípio, colocou anjos para guardá-lo e dele cuidar. Enviou profetas para denunciarem os vícios e ensinarem a virtude. Susteve por ameaças o ímpeto do mal, e estimulou por promessas a prontidão para o bem. Não poucas vezes, declarou antecipadamente, em relação a várias pessoas, qual o fim dos bons e o dos maus a fim de advertir os outros. A tantos benefícios, porém, respondemos com a nossa rebeldia. Ele, contudo, não se afastou de nós.
A bondade do Senhor não nos abandonou. Nem mesmo pela estupidez com que desprezamos seus dons conseguimos destruir seu amor em nós, embora desdenhássemos nosso benfeitor. Ao contrário, fomos libertos da morte e chamados de novo à vida por nosso Senhor Jesus Cristo. Maior motivo ainda de admiração por tanta bondade vem de que: Sendo ele de condição divina não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo assumindo a forma de escravo.
E não só, mas tomou sobre si nossas misérias, carregou nossas fraquezas, por nós foi ferido para curar-nos por suas chagas; e ainda, redimiu-nos da maldição, fazendo-se por nós maldição, sofrendo morte infamíssima para nos reconduzir à vida gloriosa. Não se contentou em chamar os mortos à vida, quis ainda conceder-nos a glória de sua divindade e preparar-nos um descanso eterno cuja imensa alegria supera qualquer imaginação.
O que, então, retribuiremos ao Senhor por tudo quanto nos deu? Ele é tão bom que não cobra remuneração, mas se satisfaz com ser amado em vista de seus dons. Quando penso em tudo isto, para dizer o que sinto, fico horrorizado e cheio de espanto, pois, por minha leviandade e preocupação com coisas vãs, posso perder o amor de Deus e ser uma vergonha e um opróbrio para Cristo.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

SANTA ÂNGELA MERÍCI, VIRGEM

Nasceu por volta do ano 1470, em Desenzano del Garda (Província de Veneza). Recebeu o hábito da Ordem Terceira de São Francisco e reuniu um grupo de moças que orientava na prática da caridade. Em 1535 fundou, em Bréscia, uma congregação feminina sob a invocação de Santa Úrsula, destinada à formação cristã de meninas pobres. Morreu em 1540. 
 
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Segunda leitura 

Do Testamento espiritual de Santa Ângela Meríci, virgem  
 
(Séc. XVI) 
 
Tudo dispôs com suavidade
 
Minhas queridas Madres e Irmãs em Cristo Jesus. Antes de tudo, com o auxílio de Deus, empregai todo esforço e diligência por deixar nascer em vós a boa resolução de serdes guiadas unicamente pelo amor de Deus e pelo zelo da salvação do próximo, ao assumirdes o cuidado e o governo da Companhia.
Somente assim, fundadas e arraigadas nesta dupla caridade, vosso cuidado e governo produzirão frutos bons e salutares, pois nosso Salvador declarou: Uma árvore boa não pode produzir frutos maus (Mt 7,18).
A árvore boa, ou seja, o coração bom, o espírito informado pela caridade, só pode praticar obras boas e santas. Por isso dizia Santo Agostinho: “Ama e faze o que queres”, isto é, deixa-te dominar pelo amor e pela caridade, e depois faze o que queres; é como se dissesse claramente: “A caridade não pode pecar”.
As mães segundo a natureza, mesmo que tenham mil filhos, trazem a todos e a cada um gravados no coração e nunca se esquecem de nenhum deles, pela força do verdadeiro amor que lhes têm. Até mesmo parece que quanto mais filhos têm, mais cresce o amor e o cuidado que dedicam a cada um. Com muito maior razão, as mães segundo o espírito podem e devem proceder do mesmo modo, porque o amor espiritual é mais forte do que aquele que provém dos laços de sangue.
Por conseguinte, minhas queridas Madres, se amais estas vossas filhas com viva e sincera caridade, é impossível que não as tenhais gravadas, todas e cada uma, em vossa memória e coração.
Peço-vos ainda que procureis orientá-las com amor, modéstia e caridade, e não com soberba e rispidez. Importa que em tudo sejais sempre agradáveis, de acordo com o que disse nosso Senhor: Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração (Mt 11,29), imitando a Deus, de quem lemos: Tudo dispôs com suavidade (Sb 8,1). E Jesus torna a dizer: O meu jugo é suave e o meu fardo é leve (Mt 11,30).
Também deveis vos esforçar para tratar a todas com a maior delicadeza possível, evitando a todo custo jamais obter pela força nada do que ordenais. Pois Deus deu a cada um a liberdade e não força ninguém, mas apenas propõe, chama e aconselha. Às vezes, no entanto, será preciso agir com mais severidade; contudo, que isso se faça no tempo e lugar oportuno, conforme a condição e as necessidades das pessoas. Mas só devemos ser levados a isto pela caridade e pelo zelo das almas.

Segunda-feira da 3ª semana do Tempo Comum


Da Constituição pastoral Gaudium et spes sobre a Igreja no mundo de hoje, do Concílio Vaticano II 
 
(N. 48) 
 
(Séc. XX) 
 

Santidade do matrimônio e da família 
 
O homem e a mulher que, pela aliança conjugal, já não são dois, mas uma só carne, em íntima união das pessoas e das atividades, prestam-se mútuo auxílio e serviço e dia por dia fazem a experiência de sua unidade cada vez mais plena. Esta união profunda, recíproca doação de duas pessoas, e o bem dos filhos exigem a total fidelidade dos cônjuges e a indissolubilidade.
O Cristo Senhor abençoou largamente este amor multiforme, brotado da fonte do amor divino, tendo por modelo sua união com a Igreja.
Assim como outrora Deus tomou a iniciativa da aliança de amor e de fidelidade com seu povo, agora o Salvador dos homens, Esposo da Igreja, vem pelo sacramento do matrimônio ao encontro dos esposos cristãos. Com eles permanece, dando-lhes a força de, tal como amou a Igreja e se entregou por ela, se entregarem um ao outro, amando-se com perpétua fidelidade. O genuíno amor conjugal é assumido no amor divino e sua norma e riqueza são a força redentora de Cristo e a ação salvífica da Igreja. Deste modo os cônjuges cristãos são eficazmente conduzidos a Deus, fortalecidos e ajudados na sublime missão de pai e de mãe. É esta a razão de haver um sacramento particular para confortar e consagrar os deveres e a dignidade do estado conjugal cristão. Munidos desta força, cumprem sua missão conjugal e familiar, cheios do Espírito de Cristo que impregna sua vida inteira com a fé, a esperança e a caridade, progridem sempre mais na própria perfeição e na mútua santificação e podem assim, os dois juntos, dar glória a Deus.
Os filhos, bem como todos os que com eles convivem, vendo e seguindo o exemplo dos pais e a oração familiar, encontram mais fácil caminho de humanidade, de salvação e de santidade. Os esposos, investidos da dignidade e da missão de paternidade e maternidade, esforçar-se-ão por cumprir com amor a tarefa da educação, principalmente da formação religiosa que lhes cabe em primeiro lugar.
Como membros vivos da família, os filhos contribuem a seu modo para a santificação dos pais. Com gratidão, afeto e confiança, correspondem aos benefícios recebidos dos pais. Assistem-nos filialmente nas adversidades e na solidão da velhice.

domingo, 26 de janeiro de 2020

SÃO TIMÓTEO E SÃO TITO, BISPOS

Memória

Timóteo e Tito, discípulos e colaboradores do apóstolo Paulo, governaram as Igrejas de Éfeso e de Creta, respectivamente. A eles é que foram dirigidas as Cartas chamadas “pastorais”, em que se encontram excelentes recomendações para a formação dos pastores e dos fiéis.
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Segunda leitura

Das Homilias de São João Crisóstomo, bispo 
 
(Hom. 2 de laudibus sancti Pauli: PG 50, 480-484) 

(Séc. IV) 

Combati o bom combate 

Na estreiteza do cárcere, Paulo parecia habitar no céu. Recebia os açoites e feridas com mais alegria do que outros que recebem coroas de triunfo; e não apreciava menos as dores do que os prêmios, porque considerava estas mesmas dores como prêmios que desejava, e até as chamava de graças. Considerai com atenção o significado disto: prêmio, para ele, era partir, para estar com Cristo (cf. Fl 1,23), ao passo que viver na carne significava o combate. Mas, por causa de Cristo, sobrepunha ao desejo do prêmio a vontade de prosseguir o combate, pois considerava ser isto mais necessário.
Estar longe de Cristo representava para ele o combate e o sofrimento, mais ainda, o máximo combate e a mais intensa dor. Pelo contrário, estar com Cristo era um prêmio único. Paulo, porém, por amor de Cristo, prefere o combate ao prêmio.Talvez algum de vós afirme: Mas ele sempre dizia que tudo lhe era suave por amor de Cristo! Isso também eu afirmo, pois as coisas que são para nós causa de tristeza eram para ele enorme prazer. E por que me refiro aos perigos e tribulações que sofreu? Na verdade, seu profundo desgosto o levava a dizer: Quem é fraco, que eu também não seja fraco com ele? Quem é escandalizado, que eu não fique ardendo de indignação? (2Cor 11,29).
Rogo-vos, pois, que não vos limiteis a admirar este tão ilustre exemplo de virtude, mas, imitai-o. Só assim poderemos ser participantes da sua glória. E se algum de vós se admira por eu dizer que quem imita os méritos de Paulo participará da sua recompensa, ouça o que ele mesmo afirma: Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé. Agora está reservada para mim a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos que esperam com amor a sua manifestação gloriosa (2Tm 4,7-8).
Por conseguinte, já que é oferecida a todos a mesma coroa de glória, esforcemo-nos todos por ser dignos dos bens prometidos. Não devemos considerar em Paulo apenas a grandeza e a excelência das virtudes, a prontidão de espírito e o propósito firme, pelos quais mereceu tão grande graça; mas pensemos também que a sua natureza era em tudo igual à nossa; e assim, também a nós, as coisas que são muito difíceis parecerão fáceis e leves. Suportando-as valorosamente neste breve espaço de tempo em que vivemos, ganharemos aquela coroa incorruptível e imortal, pela graça e misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo. A ele a glória e o poder, agora e sempre, pelos séculos dos séculos. Amém.

Domingo da 3ª semana do Tempo Comum


Da Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia, do Concílio Vaticano II
(N. 7-8.106) 
 
(Séc. XX) 
 

Cristo sempre presente em sua Igreja 
 
Cristo está sempre presente em sua Igreja, principalmente nas ações litúrgicas. Está presente no sacrifício da missa, tanto na pessoa do ministro, pois quem o oferece agora, através do ministério dos sacerdotes, é aquele mesmo que se ofereceu na cruz, como, mais intensamente ainda, sob as espécies eucarísticas. Está presente pela sua virtude nos sacramentos, pois quando alguém batiza é Cristo quem batiza. Está presente por sua palavra, pois é ele quem fala, quando se lê a Sagrada Escritura na Igreja. Está presente, enfim, na oração e salmodia da Igreja, ele que prometeu: Onde dois ou três se reúnem em meu nome, aí estou no meio deles.
De fato, nesta obra tão grandiosa em que Deus é perfeitamente glorificado e santificados os homens, Cristo une estreitamente a si sua esposa diletíssima, a Igreja, que invoca seu Senhor e, por ele, presta culto ao eterno Pai.
Portanto, com razão, considera-se a liturgia como o exercício do múnus sacerdotal de Jesus Cristo, onde os sinais sensíveis significam e, do modo específico a cada um, realizam a santificação do homem. Assim, pelo Corpo místico de Jesus Cristo, isto é, sua Cabeça e seus membros, se perfaz o culto público integral. Por este motivo, toda celebração litúrgica, por ser ato do Cristo sacerdote e de seu Corpo, a Igreja, é a ação sagrada por excelência, cuja eficácia nenhuma outra obra da Igreja iguala no mesmo título e grau.
Participando da liturgia terrena saboreamos antecipadamente a liturgia que se celebra na santa cidade, a Jerusalém celeste, para onde nos dirigimos como peregrinos, lá onde Cristo se assenta à direita de Deus, ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo. Juntamente com todos os exércitos celestes, cantamos hinos de glória ao Senhor. Venerando a memória dos santos, esperamos ter parte em sua companhia. Finalmente, estamos na expectativa do Salvador, nosso Senhor Jesus Cristo, que aparecerá, Ele, nossa vida, e nós também apareceremos com Ele na glória.
A Igreja, seguindo a tradição dos apóstolos cuja origem remonta ao próprio dia da ressurreição, celebra o mistério pascal cada oito dias, que por isto se chama dia do Senhor ou domingo. Neste dia devem os fiéis reunir-se para escutar a palavra de Deus e participar da eucaristia, a fim de se lembrarem da paixão, ressurreição e glória do Senhor Jesus, dando graças a Deus que os recriou para a esperança viva pela ressurreição de Jesus Cristo, dentre os mortos. Assim é o domingo a festa primordial e, como tal, seja apresentado e inculcado à piedade dos fiéis para que se lhes torne dia de alegria e de descanso dos trabalhos. Todas as outras celebrações, a não ser que sejam realmente de máxima importância, não passem à sua frente porque é o fundamento e o cerne de todo o ano litúrgico.