sábado, 28 de dezembro de 2019

Santos Inocentes


Dos Sermões de São Quodvultdeus, bispo 

(Sermo 2 de Symbolo: PL 40,655) 
(Séc. V) 
Ainda não falam e já proclamam Cristo 

Nasceu um pequenino que é o grande Rei. Os magos chegam de longe e vêm adorar, ainda deitado no presépio, aquele que reina no céu e na terra. Ao anunciarem os magos o nascimento de um Rei, Herodes se perturba e, para não perder o seu reino, quer matar o recém-nascido. No entanto, se tivesse acreditado nele, poderia reinar com segurança nesta terra e para sempre na outra vida.
Por que temes, Herodes, ao ouvir que nasceu um Rei? Ele não veio para te destronar, mas para vencer o demônio. Como não compreendes isso, tu te perturbas e te enfureces; e, para que não escape o único menino que procuras, tens a crueldade de matar tantos outros.
Nem as lágrimas das mães nem o lamento dos pais pela morte de seus filhos, nem os gritos e gemidos das crianças te comovem. Matas o corpo das crianças porque o medo matou o teu coração; e julgas que, se conseguires teu propósito, poderás viver muito tempo, quando precisamente é a própria Vida que queres matar.
Aquele que é a fonte da graça, pequenino e grande ao mesmo tempo, reclinado num presépio, apavora o teu trono. Por meio de ti, e sem que saibas, realiza os seus desígnios e liberta as almas do cativeiro do demônio. Recebe como filhos adotivos os filhos dos que eram seus inimigos.
Essas crianças morrem pelo Cristo, sem saberem, enquanto seus pais choram os mártires que morrem. Cristo faz suas legítimas testemunhas aqueles que ainda não falam. Eis como reina aquele que veio para reinar. Eis como já começa a conceder a liberdade aquele que veio para libertar, e a dar a salvação aquele que veio para salvar.
Tu, porém, Herodes, ignorando tudo isto, te perturbas e te enfureces; e enquanto te enfureces contra o Menino, já lhe prestas homenagem, sem o saberes. Ó imenso dom da graça! Que méritos tinham aquelas crianças para obterem tal vitória? Ainda não falam e já proclamam o Cristo. Não podem ainda mover os membros para a luta e já ostentam a palma da vitória.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

São João, Apóstolo e evangelista

João era discípulo de Jesus, aquele que Jesus amava e que esteve com ele até a morte na cruz. Era o mais jovem dos apóstolos, pescador e a tradição delega a ele o texto do quarto evangelho, algumas cartas e o livro do Apocalipse.
Apesar do temperamento contemplativo, participou de todos momentos da vida de Jesus, inclusive daqueles momentos mais mportantes como a ressurreição da filha de Jairo, a transfiguração e a aflição no Monte das Oliveiras. João esteve na última ceia e aos pés da cruz. Nos Atos dos Apóstolos, ele aparece sempre com São Pedro. Após Pentecostes João ficou pregando em Jerusalém. Participou do Concílio de Jerusalém, depois com Pedro se transferiu para a Samaria. Mas logo foi viver em Éfeso, para onde teria levado também a mãe de Jesus. Nesta cidade organizou comunidades e foi perseguido.
João morreu e foi sepultado em Éfeso. Tinha aproximadamente noventa anos de idade, após muito sofrimento por todas as perseguições que sofreu durante sua vida por pregar a Palavra de Deus.
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Dos Tratados sobre a Primeira Carta de São João, de Santo Agostinho, bispo 
(Tract. 1,1.3: PL 35, 1978.1980) 
(Séc. V) 

A vida se manifestou em nossa carne 

O que era desde o princípio, o que nós ouvimos, o que vimos com os nossos olhos e as nossas mãos tocaram da Palavra da Vida (1Jo 1,1). Quem poderia tocar a Palavra com suas mãos, a não ser porque a Palavra se fez carne e habitou entre nós? (Jo 1,14).
A Palavra que se fez carne para ser tocada com as mãos, começou a ser carne no seio da Virgem Maria; mas não foi então que a Palavra começou a existir porque, diz João, ela era desde o princípio. Vede como sua Carta é confirmada pelas palavras do seu Evangelho, que acabais de escutar: No princípio era a Palavra, e a Palavra estava junto de Deus (Jo 1,1).
Alguns talvez julguem que a expressão Palavra da Vida designe de modo geral a Cristo e não o próprio Corpo de Cristo que foi tocado pelas mãos. Reparai no que vem em seguida: E a Vida manifestou-se (1Jo 1,2). Por conseguinte, Cristo é a Palavra da Vida.
E como se manifestou esta Vida? Ela existia desde o início, mas não tinha se manifestado aos homens; manifestara-se aos anjos que a contemplavam e se alimentavam dela como de seu pão. E o que diz a Escritura? O homem se nutriu do pão dos anjos (Sl 77,25).
Portanto, a Vida se manifestou na carne, para que, nesta manifestação, aquilo que só o coração podia ver, fosse visto também com os olhos, e desta forma curasse os corações. De fato, o Verbo só pode ser visto com o coração, ao passo que a carne pode ser vista também com os olhos corporais. Éramos capazes de ver a carne, mas não éramos capazes de ver a Palavra. Por isso, a Palavra se fez carne que nós podemos ver, para curar em nós o que nos torna capazes de vê-la.
E somos testemunhas, diz João, e vos anunciamos a Vida eterna, que estava junto do Pai e que se tornou visível para nós (1Jo 1,2), isto é, que se manifestou entre nós ou, falando mais claramente, nos foi manifestada.
Isso que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos (1Jo 1,3). Prestai atenção: Isso que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos. Eles viram o próprio Senhor presente na carne, ouviram da boca do Senhor suas palavras e no-las anunciaram. E nós ouvimos certamente, mas não vimos.
Somos, por isso, menos felizes do que eles que viram e ouviram? Por que então acrescenta: Para que estejais em comunhão conosco? (1Jo 1,3). Eles viram, nós não vimos e, contudo, estamos em comunhão com eles porque temos uma fé comum.
E a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. Nós vos escrevemos estas coisas, diz João, para que a vossa alegria fique completa (1Jo 1,4). Essa alegria completa encontra-se na mesma comunhão, na mesma caridade, na mesma unidade.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Santo Estêvão


Santo Estêvão foi o primeiro a derramar seu sangue testemunhando a fé em Jesus Cristo. Este jovem, pertencente a primeira comunidade cristã, morreu apedrejado pelas lideranças judaicas.

Estevão foi eleito diácono da comunidade, ou seja, cabia a ele servir os pobres e as viúvas, recolhendo e distribuindo alimentos. Ele era um verdadeiro ministro da caridade, mas não se limitava ao trabalho social de que fora incumbido. Não perdia a chance de divulgar e pregar a Palavra de Cristo, e o fazia com tanto fervor e zelo, que chamou a atenção dos judeus. Levado diante das autoridades judaicas, foi caluniado e acusado de subverter as leis de Moisés. Mas o jovem, inspirado pelo Espírito Santo, relembrou toda a história da salvação, mostrando que não havia blasfemado nem contra Deus nem contra a Lei.

As lideranças, porém, ficaram ainda mais iradas e o levaram aos gritos para fora da cidade, apedrejarando-o até a morte. Antes de tombar morto, Estevão repetiu as palavras de Jesus no Calvário, pedindo a Deus perdão para seus agressores. Entre os acusadores estava o futuro São Paulo.
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Dos Sermões de São Fulgêncio de Ruspe, bispo 
(Sermo 3,1-3.5-6: CCL 91 A, 905-909) 
(Séc. VI) 

As armas da caridade 

Ontem, celebrávamos o nascimento temporal de nosso Rei eterno; hoje celebramos o martírio triunfal do seu soldado.
Ontem o nosso Rei, revestido de nossa carne e saindo da morada de um seio virginal, dignou-se visitar o mundo; hoje o soldado, deixando a tenda de seu corpo, parte vitorioso para o céu. O nosso Rei, o Altíssimo, veio por nós na humildade, mas não pôde vir de mãos vazias. Trouxe para seus soldados um grande dom, que não apenas os enriqueceu imensamente, mas deu-lhes uma força invencível no combate: trouxe o dom da caridade que leva os homens à comunhão com Deus. Ao repartir tão liberalmente o que trouxera, nem por isso ficou mais pobre: enriquecendo de modo admirável a pobreza dos seus fiéis, ele conservou a plenitude dos seus tesouros inesgotáveis. Assim, a caridade que fez Cristo descer do céu à terra, elevou Estêvão da terra ao céu. A caridade de que o Rei dera o exemplo logo refulgiu no soldado.
Estêvão, para alcançar a coroa que seu nome significa, tinha por arma a caridade e com ela vencia em toda parte. Por amor a Deus não recuou perante a hostilidade dos judeus, por amor ao próximo intercedeu por aqueles que o apedrejavam. Por esta caridade, repreendia os que estavam no erro para que se emendassem, por caridade orava pelos que o apedrejavam para que não fossem punidos.
Fortificado pela caridade, venceu Saulo, enfurecido e cruel, e mereceu ter como companheiro no céu aquele que tivera como perseguidor na terra. Sua santa e incansável caridade queria conquistar pela oração a quem não pudera converter pelas admoestações.
E agora Paulo se alegra com Estêvão, com Estêvão frui da glória de Cristo, com Estêvão exulta, com Estêvão reina. Aonde Estêvão chegou primeiro, martirizado pelas pedras de Paulo, chegou depois Paulo, ajudado pelas orações de Estêvão. É esta a verdadeira vida, meus irmãos, em que Paulo não se envergonha mais da morte de Estêvão, mas Estevão se alegra pela companhia de Paulo, porque em ambos triunfa a caridade. Em Estêvão, a caridade venceu a crueldade dos perseguidores, em Paulo, cobriu uma multidão de pecados; em ambos, a caridade mereceu a posse do reino dos céus.
A caridade é a fonte e origem de todos os bens, é a mais poderosa defesa, o caminho que conduz ao céu. Quem caminha na caridade não pode errar nem temer. Ela dirige, protege, leva a bom termo. Portanto, meus irmãos, já que o Cristo nos deu a escada da caridade pela qual todo cristão pode subir ao céu, conservai fielmente a caridade verdadeira, exercitai-a uns para com os outros e, subindo por ela, progredi sempre mais no caminho da perfeição.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Natal do Senhor


Dos Sermões de São Leão Magno, papa 

(Sermo 1 in Nativitate Do mini, 1-3: PL 54, 190-193)
(Séc. V) 
Toma consciência, ó cristão, da tua dignidade 

Hoje, amados filhos, nasceu o nosso Salvador. Alegremo-nos. Não pode haver tristeza no dia em que nasce a vida; uma vida que, dissipando o temor da morte, enche-nos de alegria com a promessa da eternidade.
Ninguém está excluído da participação nesta felicidade. A causa da alegria é comum a todos, porque nosso Senhor, vencedor do pecado e da morte, não tendo encontrado ninguém isento de culpa, veio libertar a todos. Exulte o justo, porque se aproxima da vitória; rejubile o pecador, porque lhe é oferecido o perdão; reanime-se o pagão, porque é chamado à vida.
Quando chegou a plenitude dos tempos, fixada pelos insondáveis desígnios divinos, o Filho de Deus assumiu a natureza do homem para reconciliá-lo com o seu Criador, de modo que o demônio, autor da morte, fosse vencido pela mesma natureza que antes vencera.
Eis por que, no nascimento do Senhor, os anjos cantam jubilosos: Glória a Deus nas alturas; e anunciam: Paz na terra aos homens de boa vontade (Lc 2,14). Eles vêem a Jerusalém celeste ser formada de todas as nações do mundo. Diante dessa obra inexprimível do amor divino, como não devem alegrar-se os homens, em sua pequenez, quando os anjos, em sua grandeza, assim se rejubilam?
Amados filhos, demos graças a Deus Pai, por seu Filho, no Espírito Santo; pois, na imensa misericórdia com que nos amou, compadeceu-se de nós. E quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo (Ef 2,5) para que fôssemos nele uma nova criação, nova obra de suas mãos.
Despojemo-nos, portanto, do velho homem com seus atos; e tendo sido admitidos a participar do nascimento de Cristo, renunciemos às obras da carne.
Toma consciência, ó cristão, da tua dignidade. E já que participas da natureza divina, não voltes aos erros de antes por um comportamento indigno de tua condição. Lembra-te de que cabeça e de que corpo és membro. Recorda-te que foste arrancado do poder das trevas e levado para a luz e o reino de Deus.
Pelo sacramento do batismo te tornaste templo do Espírito Santo. Não expulses com más ações tão grande hóspede, não recaias sob o jugo do demônio, porque o preço de tua salvação é o sangue de Cristo.

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

24 de Dezembro


Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo 
(Sermo 185: PL 38, 997-999) 
(Séc. V) 

A verdade brotou da terra e a justiça olhou do alto do céu 

Desperta, ó homem: por tua causa Deus se fez homem. Desperta, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e sobre ti Cristo resplandecerá (Ef 5,14). Por tua causa, repito, Deus se fez homem.
Estarias morto para sempre, se ele não tivesse nascido no tempo. Jamais te libertarias da carne do pecado, se ele não tivesse assumido uma carne semelhante à do pecado. Estarias condenado a uma eterna miséria, se não fosse a sua misericórdia. Não voltarias à vida, se ele não tivesse vindo ao encontro da tua morte. Terias perecido, se ele não te socorresse. Estarias perdido, se ele não viesse salvar-te.
Celebremos com alegria a vinda da nossa salvação e redenção. Celebremos este dia de festa, em que o grande e eterno Dia, gerado pelo Dia grande e eterno, veio a este nosso dia temporal e tão breve. Ele se tornou para nós justiça, santificação e libertação, para que, como está escrito, “quem se gloria, glorie-se no Senhor” (1Cor 1,30-31). A verdade brotará da terra (Sl 84,12), o Cristo que disse: eu sou a verdade (Jo 14,6), nasceu da Virgem. E a justiça olhou do alto do céu (cf. Sl 84,12), porque o homem, crendo naquele que nasceu, é justificado não por si mesmo, mas por Deus.
A verdade brotou da terra porque o Verbo se fez carne (Jo 1,14). E a justiça olhou do alto do céu porque todo o dom precioso e toda a dádiva perfeita vêm do alto (Tg 1,17). A verdade brotou da terra, isto é, da carne de Maria. E a justiça olhou do alto do céu porque o homem não pode receber coisa alguma, se não lhe for dada do céu (Jo 3,27).
Justificados pela fé, estamos em paz com Deus (Rm 5,1) porque a justiça e a paz se beijaram (cf. Sl 84,11) por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo, pois a verdade brotou da terra. Por ele tivemos acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes e nos gloriamos, na esperança da glória de Deus (Rm 5,2). Não disse “de nossa glória”, mas da glória de Deus, porque a justiça não procede de nós, mas olha do alto do céu. Portanto, quem se gloria não se glorie em si mesmo, mas no Senhor. Eis por que, quando o Senhor nasceu da Virgem, os anjos cantaram: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade (Lc 2,14 Vulgata).
Como veio a paz à terra senão por ter a verdade brotado da terra, isto é, Cristo ter nascido em carne humana? Ele é a nossa paz: de dois povos fez um só (cf. Ef 2,14), para que fôssemos homens de boa vontade, unidos uns aos outros pelo suave vínculo da caridade. Alegremo-nos com esta graça, para que nossa glória seja o testemunho da nossa consciência, e assim nos gloriaremos, não em nós mesmos, mas no Senhor. Por isso disse o Salmista: Vós sois a minha glória que levanta a minha cabeça (Sl 3,4). Na verdade, que graça maior Deus poderia nos conceder do que, tendo um único Filho, fazê-lo Filho do homem e reciprocamente fazer os filhos dos homens serem filhos de Deus? Procurai o mérito, procurai a causa, procurai a justiça; e vede se encontrais outra coisa que não seja a graça de Deus.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

23 de Dezembro


Do Tratado contra a heresia de Noeto, de Santo Hipólito, presbítero. 
(Cap. 9-12: PG 10, 815-919) 
(Séc. III) 

Manifestação do mistério escondido 

Único é o Deus que conhecemos, irmãos, e não por outra fonte que não seja a Sagrada Escritura. Devemos, pois, saber o que ela anuncia e compreender o que ensina. Creiamos no Pai como ele quer ser acreditado; glorifiquemos o Filho como ele quer ser glorificado; e recebamos o Espírito Santo como ele quer se dar a nós. Consideremos tudo isso, não segundo nosso próprio arbítrio e interpretação pessoal, nem fazendo violência aos dons de Deus, mas como ele próprio nos ensinou pelas santas Escrituras.
Quando só existia Deus, e não havia ainda nada que existisse com ele, decidiu criar o mundo. Criou-o por seu pensamento, sua vontade e sua palavra; e o mundo começou a existir como ele quis e realizou. Basta-nos apenas saber que nada coexistia com Deus. Não havia nada além dele, só ele existia e era perfeito em tudo. Nele estava a inteligência, a sabedoria, o poder e o conselho. Tudo estava nele e ele era tudo. E quando quis e como quis, no tempo que havia estabelecido, manifestou o seu Verbo, por quem fez todas as coisas.
Deus possuía o Verbo em si mesmo, e o Verbo era imperceptível para o mundo criado; mas fazendo ouvir sua voz, Deus tornou-o perceptível. Gerando-o como luz da luz, enviou como Senhor da criação aquele que é sua própria inteligência. E este Verbo, que no princípio era visível apenas para Deus e invisível para o mundo, tornou-se visível para que o mundo, vendo-o manifestar-se, pudesse ser salvo. O Verbo é verdadeiramente a inteligência de Deus que, ao entrar no mundo, se manifestou como o servo de Deus. Tudo foi feito por ele, mas ele procede unicamente do Pai. Foi ele quem deu a lei e os profetas; e ao fazê-lo, impulsionou os profetas a falarem sob a moção do Espírito Santo para que, recebendo a força da inspiração do Pai, anunciassem o seu desígnio e a sua vontade.
O Verbo, portanto, se tornou visível, como diz São João. Este repete em síntese o que os profetas haviam dito, demonstrando que aquele era o Verbo por quem tinham sido criadas todas as coisas: No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus; e o Verbo era Deus. Tudo foi feito por ele e sem ele nada se fez (Jo 1,1.3). E, mais adiante, prossegue: O mundo foi feito por meio dele, mas o mundo não quis conhecê-lo. Veio para o que era seu, os seus, porém, não o acolheram (Jo 1,10-11).

domingo, 22 de dezembro de 2019

22 de Dezembro


Da Exposição sobre o Evangelho de São Lucas, de São Beda Venerável, presbítero. 

(Lib. 1, 46-55: CCL 120, 37-39) 
(Séc. VIII) 

Magnificat 

E Maria disse: A minh’alma engrandece o Senhor e se alegrou o meu espírito em Deus, meu Salvador (Lc 1,46-47). 
O Senhor, diz ela, elevou-me por um dom tão grande e inaudito, que nenhuma palavra o pode descrever e mesmo no íntimo do coração é difícil compreendê-lo. Por isso dedico todas as forças de meu ser ao louvor e à ação de graças, contemplando a grandeza daquele que é eterno, e ofereço com alegria minha vida, tudo que sinto e penso, porque meu espírito rejubila pela divindade eterna de Jesus, o Salvador, que concebi e é gerado em meu seio.
O Poderoso fez em mim maravilhas, e santo é o seu nome! (Lc 1,49).
Estas palavras se relacionam com o início do cântico que diz: A minh’alma engrandece o Senhor. De fato, só a alma em quem o Senhor se dignou fazer maravilhas pode engrandecê-lo e louvá-lo dignamente e dizer, exortando os que compartilham seus desejos e aspirações: Comigo engrandecei ao Senhor Deus, exaltemos todos juntos o seu nome (Sl 33,4).
Quem conhece o Senhor e é negligente em proclamar sua grandeza e santificar o seu nome, será considerado o menor no Reino dos Céus (Mt 5,19). Diz-se que santo é o seu nome porque, pelo seu poder ilimitado, transcende toda criatura e está infinitamente separado de todas as coisas criadas.
Acolhe Israel, seu servidor, fiel ao seu amor (Lc 1,54).
Israel é, com razão, denominado servidor do Senhor, porque, sendo obediente e humilde, foi por ele acolhido para ser salvo, como diz Oséias: Quando Israel era criança, eu já o amava (Os 11,1). Aquele que recusa humilhar-se não pode certamente ser salvo, nem dizer com o Profeta: Quem me protege e me ampara é meu Deus; é o Senhor quem sustenta a minha vida! (Sl 53,6). Mas, quem se fizer humilde como uma criança, esse é o maior no Reino dos Céus (cf. Mt 18,4).
Como havia prometido a nossos pais, em favor de Abraão e de seus filhos para sempre (Lc 1,55).
Trata-se da descendência de Abraão segundo o espírito e não segundo a carne, isto é, não apenas dos filhos segundo a natureza, mas de todos que seguiram o exemplo da sua fé, fossem eles circuncidados ou incircuncisos. Pois o próprio Abraão, ainda incircunciso, acreditou e isto lhe foi imputado como justiça.
A vinda do Salvador foi, portanto, prometida a Abraão e a seus filhos para sempre, isto é, aos filhos da promessa, dos quais se diz: Sendo de Cristo, sois então descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa (Gl 3,29).
É com razão que, antes do nascimento do Senhor e de João, suas mães profetizam, para que, tendo o pecado começado pela mulher, os bens comecem igualmente por ela; e se foi pela sedução de uma só mulher que a morte foi introduzida no mundo, agora é pela profecia de duas mulheres que se anuncia ao mundo a salvação.