sábado, 8 de agosto de 2020

Sábado da 18ª semana do Tempo Comum

 

Segunda leitura


Do Tratado Contra as heresias, de Santo Irineu, bispo

 

(Lib. 4,17,4-6: SCh 100,590-594)

(Séc. II)

 

Quero a misericórdia e não o sacrifício

 

Deus não queria dos Israelitas sacrifícios e holocaustos, mas fé, obediência, justiça, em vista da salvação. Manifestando a sua vontade, pelo profeta Oséias Deus lhes dizia: Quero a misericórdia mais que o sacrifício, e o conhecimento de Deus acima dos holocaustos (Os 6,6). Também nosso Senhor advertia-os sobre o mesmo, ao dizer: Se soubésseis o que significa "Quero a misericórdia e não o sacrifício, nunca condenaríeis inocentes" (Mt 12,7). Dava testemunho de que os profetas proclamavam a verdade, e lhes censurava a insensatez da culpa.

Prescrevendo a seus discípulos oferecer a Deus primícias vindas de suas criaturas, não por delas precisar, mas para que não fossem eles estéreis nem ingratos, tomou dentre as criaturas o pão, deu graças e disse: Isto é o meu corpo. O mesmo com o cálice, também criatura como nós, declarou ser seu sangue e indicou a nova oblação da nova Aliança (cf. Mt 26,28). Recebendo-a dos apóstolos, a Igreja em todo o mundo a oferece a Deus, àquele que nos concede o alimento, primícias de seus dons no Novo Testamento. Sobre ela, Malaquias, um dos doze profetas, assim se exprimiu: Minha benevolência não está em vós, diz o Senhor onipotente, e não aceitarei sacrifícios de vossas mãos. Porque do nascente ao poente meu nome será glorificado entre as nações, em todo lugar haverá incenso oferecido a meu nome e um sacrifício puro. Porque grande entre os povos é meu nome, diz o Senhor onipotente (Ml 1,10-11). Com toda a evidência dá a entender que o primeiro povo cessará de oferecer a Deus. Mas que em todo lugar se lhe oferecerá um sacrifício que será puro, e todas as nações glorificarão seu nome.

Que nome é este, glorificado pelas nações? Haverá outro que não o de nosso Senhor, por quem o Pai é glorificado e glorificado o homem? E sendo do seu Filho por ele feito homem, chama-o seu. É como se um rei pintasse a imagem de seu Filho. Com razão diria ser sua de duas maneiras: é de seu filho e ele próprio a faz. Assim o nome de Jesus Cristo, glorificado na Igreja por todo o universo, o Pai declara ser o seu, porque é de seu Filho e por ter sido ele próprio a gravá-lo e a dá-lo para a salvação dos homens.

Já que o nome do Filho é próprio do Pai e a Igreja faz a oblação ao Pai onipotente por Jesus Cristo, diz-se com razão nos dois sentidos: E em todo lugar se oferecerá incenso a meu nome e sacrifício puro. O incenso, João no Apocalipse diz serem as orações dos santos (Ap 5,8).

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Sexta-feira da 18ª semana do Tempo Comum

 

Segunda leitura


Do Cântico espiritual, de São João da Cruz, sacerdote

 

(Red. A, str. 38)

(Séc. XVI)

 

Desposar-te-ei para sempre

 

A alma, unida e transformada em Deus, respira em Deus para Deus, com profundíssima aspiração semelhante à divina que Deus, nela presente, respira em si mesmo; é este seu modelo. Tanto quanto entendo, foi isto que São Paulo quis dizer com estas palavras: Porque sois filhos, enviou Deus a vossos corações o Espírito de seu Filho que clama: Abá, Pai! (Gl 4,6). É o que se dá com os perfeitos.

Não é de admirar que a alma possa realizar coisa tão sublime. Se Deus lhe concedeu o favor da união deiforme na Santíssima Trindade, por que, pergunto, será incrível que ela possa realizar sua vida de inteligência, conhecimento e amor na Trindade, unida à própria Trindade, assemelhando-se ao máximo a ela e tendo a viver nela o próprio Deus?

Nenhuma capacidade ou sabedoria poderá expressar melhor como isto se faz do que as palavras do Filho de Deus pedindo para nós este sublime estado e lugar e prometendo que seríamos filhos de Deus. Assim rogou ao Pai: Pai, aqueles que me deste quero que onde eu estou, estejam eles comigo (Jo 17,24), realizando por participação aquilo mesmo que faço. Disse mais: Não rogo apenas por eles, mas também por aqueles que crerão em mim, através de suas palavras; para que todos sejam um como tu, Pai, em mim e eu em ti, que também eles sejam um em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste. E eu lhes dei a glória que me deste para que sejam um assim como nós somos um. Eu neles e tu em mim, a fim de que sejam consumados na unidade; e o mundo conheça que me enviaste e os amaste como também me amaste a mim (Jo 17,20-23).

O Pai põe em comum com eles o mesmo amor que comunica ao Filho: não no entanto, por natureza, como ao Filho, mas pela unidade e transformação operadas pelo amor. Também não se deve entender que o Filho peça ao Pai que os santos sejam um por essência, como são um o Pai e o Filho na unidade do amor. Os santos possuem assim, por participação, os mesmos bens que eles possuem por natureza. Por isso são verdadeiramente deuses por participação, feitos à semelhança e consortes do próprio Deus.

Daí dizer Pedro: Graça e paz a vós em abundância no conhecimento de Deus e do Cristo Jesus, nosso Senhor. O poder divino nos concedeu tudo quanto se relaciona à vida e à piedade. Pelo conhecimento daquele que nos chamou por sua própria glória e virtude, por quem cumpriu para nós as maiores e mais preciosas promessas, para que por elas nos tornemos consortes da natureza divina (2Pd 1,2-4). Nesta união a alma é, pois, feita em seu agir participante da Trindade. Isto só se dará perfeitamente na vida futura; contudo já nesta vida se alcança não pequena parcela e antegozo.

Ó almas, criadas para o gozo de tão indizíveis dons, que fazeis? Para onde se voltam vossos esforços? Ó deplorável cegueira dos filhos de Adão, fecham-se os olhos à imensa luz envolvente e se tornam surdos a tão potentes palavras!

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Quinta-feira da 18ª semana do Tempo Comum

 

Segunda leitura


Dos Tratados de Balduíno de Cantuária, bispo

 

(Tract. 10: PL 204,513-514.516)

(Séc. XII)


O amor é forte como a morte

 

Forte é o amor, que tem poder para privar-nos do dom da vida. Forte é o amor que tem poder para restituir-nos o gozo de uma vida melhor.

Forte é a morte, poderosa para despojar-nos do revestimento deste corpo. Forte é o amor, poderoso para roubar os despojos da morte e no-los entregar de novo.

Forte é a morte; a ela o homem não pode resistir. Forte é o amor que pode vencê-la, embotar-lhe o aguilhão, travar-lhe o ímpeto, quebrantar-lhe a vitória. Assim será quando for insultada e ouvir: Onde está, ó morte, teu aguilhão? Onde está, ó morte, a tua vitória? (cf. Os 13,14; 1Cor 15,55).

O amor é forte como a morte (cf. Ct 8,6), porque é a morte da morte o amor de Cristo. Por isto diz: Eu serei tua morte, ó morte; serei tua mordedura, ó inferno (cf. Os 13,14). Também o amor com que amamos a Cristo é forte como a morte, é uma espécie de morte pela extinção da vida antiga, a destruição dos vícios e a rejeição das obras mortas.

Este nosso amor para com Cristo é uma espécie de intercâmbio, embora o seu amor por nós seja incomparável, e o nosso, uma semelhança à sua imagem. Pois ele nos amou primeiro (cf. 1Jo 4,10) e pelo exemplo de amor que nos propôs, fez-se para nós um sinete que nos torna conformes à sua imagem. Depusemos a imagem terrena e nos revestimos da celeste; da forma como somos amados, assim amamos. Nisto deixou-nos o exemplo para que sigamos suas pegadas (cf. 1Pd 2,21).

Por isso ele diz: Põe-me como um selo sobre teu coração (Ct 8,6). Como se dissesse: "Ama-me como eu te amo. Conserva-me em tua mente e em tua memória; em tua vontade, em teu suspiro; no gemido e no soluço. Lembra-te, homem, de que forma te fiz, quando te pus acima das outras criaturas, com que dignidade te enobreci, como te coroei de glória e de honra, coloquei-te pouco abaixo dos anjos, como tudo submeti a teus pés. Lembra-te não apenas de quanto fiz por ti, mas quantas crueldades e afrontas por ti suportei. Reconhece que ages mal contra mim quando não me amas. Quem assim te ama, senão eu? quem te criou senão eu? quem te remiu senão eu?

Arranca de mim, Senhor, o coração de pedra. Tira o coração de pedra, tira o coração incircunciso; dá-me um coração novo, coração de carne, coração puro! Tu, purificador dos corações e amante dos corações puros, apossa-te de meu coração e nele habita, envolvendo-o e enchendo-o. Tu, superior ao que tenho de mais alto, interior ao que tenho de mais íntimo! Tu, forma da beleza e selo da santidade, marca meu coração com tua imagem. Sela meu coração sob tua misericórdia, Deus de meu coração e meu quinhão, Deus para sempre (cf. Sl 72,26). Amém.