Segunda leitura
Dos Tratados sobre João, de Santo Agostinho, bispo
(Tract. 35,8-9: CCL 36,321-323)
(Séc. V)
Chegarás à fonte, verás a luz
Nós, cristãos, em comparação com os infiéis, já somos
luz; porque, como diz o Apóstolo: Outrora éreis trevas; agora, luz no
Senhor. Andai como filhos da luz (Ef 5,8). E em outro lugar: Passou a
noite, o dia se aproximou; rejeitemos, pois, as obras das trevas e revistamos
as armas da luz; como em pleno dia caminhemos com dignidade (Rm 13,12-13).
Todavia, em comparação com aquela luz a que
chegaremos, ainda é noite até mesmo o dia em que estamos. Ouve o apóstolo
Pedro, quando do magnífico esplendor desceu até ele a voz dirigida a Cristo
Senhor: Tu és meu Filho muito amado, em que pus minhas complacências. Esta
voz, continua, nós a ouvimos vinda do céu, quando estávamos com ele no
monte santo (2Pd 1,17-18). Já que, porém, nós não estivemos lá e não
ouvimos então esta voz do céu, o mesmo Pedro nos fala: E a palavra profética
se tornou mais segura para nós; fazeis bem em dar-lhe atenção como a uma
lâmpada em lugar escuro, até que brilhe o dia e a estrela da manhã desponte em
vossos corações (cf. 2Pd 1,19).
Quando, pois, vier nosso Senhor Jesus Cristo e,
segundo diz o apóstolo Paulo, iluminar tudo quanto se oculta nas trevas e
manifestar os pensamentos do coração, para que receba cada um de Deus seu louvor
(1Cor 4,5), então num dia assim não haverá mais necessidade de lâmpadas: não se
lerá mais o profeta, não se abrirá o volume do Apóstolo, não buscaremos o
testemunho de João, não precisaremos do próprio Evangelho. Portanto, todas as
Escrituras serão retiradas do centro onde, na noite deste mundo, elas se
acendiam como lâmpadas a fim de não ficarmos nas trevas.
Afastadas todas estas luzes, não tendo mais de brilhar
para nós, indigentes, e dispensando o auxílio que por esses homens de Deus nos
era dado, vendo conosco aquela verdadeira e clara luz, o que é que veremos?
Onde nosso espírito irá alimentar-se? Por que se alegrará com o que vê? Donde
virá aquele júbilo que nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem subiu
jamais ao coração do homem? (cf. 1Cor 2,9). O que é que veremos?
Eu vos peço: amai comigo, correi crendo comigo,
desejemos a pátria celeste, suspiremos pela pátria do alto, sintamo-nos como
peregrinos aqui. Que veremos então? Responda o evangelho: No princípio era o
Verbo e o Verbo era com Deus, e o Verbo era Deus (Jo 1,1). No lugar de onde
te banhou o orvalho, chegarás à fonte. Aí, de onde o raio de luz, indiretamente
e como por rodeios, foi lançado a teu coração tenebroso, verás a luz sem véus;
vendo-a, recebendo-a, serás purificado. Caríssimos, diz João, somos
filhos de Deus e ainda não se manifestou o que seremos; sabendo que, quando
aparecer, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal qual é (1Jo 3,2).
Percebo que vossos sentimentos sobem comigo para as
alturas, mas o corpo corruptível pesa sobre a alma; e a habitação terrena
com a multiplicidade dos pensamentos oprime o espírito (Sb 9,15). Também eu
irei deixar de lado este livro, saireis também vós, cada um para sua casa.
Sentimo-nos bem na luz comum, muito nos alegramos, exultamos de verdade; mas,
ao afastar-nos uns dos outros, dele não nos afastemos.