sábado, 12 de outubro de 2019

Sábado da 27ª semana do Tempo Comum




Segunda leitura 

Das homilias sobre os Evangelhos, de São Gregório Magno, papa 


(Hom. 17,3.14: PL 76,1139-1140.1146) 

(Séc. VI) 


A responsabilidade do nosso ministério 

Ouçamos o que diz o Senhor aos pregadores enviados: A messe é grande, mas poucos os operários. Rogai, portanto, ao Senhor da messe que envie operários a seu campo. São poucos os operários para a grande messe (Mt 9,37-38). Não podemos deixar de dizer isto com imensa tristeza, porque, embora haja quem escute as boas palavras, falta quem as diga. Eis que o mundo está cheio de sacerdotes. Todavia na messe de Deus é muito raro encontrar-se um operário. Recebemos, é certo, o ofício sacerdotal, mas não o pomos em prática.

Pensai, porém, irmãos caríssimos, pensai no que foi dito: Rogai ao Senhor da messe que envie operários a seu campo. Pedi vós por nós para que possamos agir de modo digno de vós. Que a língua não se entorpeça diante da exortação, para que, tendo recebido a condição de pregadores, nosso silêncio também não nos imobilize diante do justo juiz. Com frequência, por maldade sua, a língua dos pregadores se vê impedida. Por sua vez, por culpa dos súditos, muitas vezes acontece que seus chefes os privem da palavra da pregação.

Por maldade sua, com efeito, a língua dos pregadores se vê impedida, como diz o salmista: Deus disse ao pecador: Por que proclamas minhas justiças? (Sl 49,16). Por sua vez, por culpa dos súditos, cala-se a voz dos pregadores. É o que o Senhor diz por Ezequiel: Farei tua língua aderir a teu palato e ficarás mudo, como homem que não censura, porque é uma casa irritante (Ez 3,26). Como se dissesse claramente: A palavra da pregação te é recusada porque, por me exacerbar com suas ações, este povo não é digno de escutar a verdade que exorta. Não é fácil saber por culpa de quem a palavra se furta ao pregador. Porque se o silêncio do pastor às vezes o prejudica, sempre causa dano ao povo, isto é absolutamente certo.

Há ainda outra coisa, irmãos caríssimos, que muito me aflige na vida dos pastores, mas para não pensardes talvez que vos faz injúria aquilo que vou dizer, ponho-me também debaixo da mesma acusação, embora me encontre neste posto não por minha livre vontade, mas impelido por estes tempos calamitosos.

Vimos a nos envolver em negócios externos. Um cargo nos foi dado pela consagração e, na prática, damos prova de outro. Abandonamos o ministério da pregação e, reconheço-o para pesar nosso, chamam-nos de bispo a nós que temos a honra do nome, não o mérito. Aqueles que nos foram confiados abandonam a Deus e nos calamos. Jazem em suas más ações e não lhes estendemos a mão da advertência.

Quando, porém, conseguiremos corrigir a vida de outrem, se descuramos a nossa? Preocupados com questões terrenas, tornamo-nos tanto mais insensíveis interiormente quanto mais parecemos aplicados às coisas exteriores.

Por isso e com razão, a respeito de seus membros enfraquecidos, diz a santa Igreja: Puseram-me de guarda às vinhas; minha vinha não guardei (Ct 1,6). Postos como guardas às vinhas de modo algum guardamos a nossa porque, enquanto nos embaraçamos, com ações exteriores, não damos atenções ao ministério de nossa ação verdadeira.


sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Sexta-feira da 27ª semana do Tempo Comum


Segunda leitura 

Da Primeira Exortação de São Vicente de Lerins, presbítero 


(Cap. 23: PL 50,667-668) 

(Séc. V) 



O desenvolvimento do dogma na religião cristã 

Não haverá desenvolvimento algum da religião na Igreja de Cristo? Há certamente e enorme.
Pois que homem será tão invejoso, com tanta aversão a Deus que se esforce por impedi-lo? Todavia deverá ser um verdadeiro progresso da fé e não uma alteração. Com efeito, ao progresso pertence o crescimento de uma coisa em si mesma. À alteração, ao contrário, a mudança de uma coisa em outra.
É, portanto, necessário que, pelo passar das idades e dos séculos, cresçam e progridam tanto em cada um como em todos, no indivíduo como na Igreja inteira, a compreensão, a ciência, a sabedoria. Porém apenas no próprio gênero, a saber, no mesmo dogma o mesmo sentido e a mesma significação.
Imite a religião das almas o desenvolvimento dos corpos. No decorrer dos anos, vão se estendendo e desenvolvendo suas partes e, no entanto, permanecem o que eram. Há grande diferença entre a flor da juventude e a madureza da velhice. Mas se tornam velhos aqueles mesmos que foram adolescentes. E por mais que um homem mude de estado e de aspecto, continuará a ter a mesma natureza, a ser a mesma pessoa.
Membros pequeninos na criancinha, grandes nos jovens, são, contudo, os mesmos. Os meninos têm o mesmo número de membros que os adultos. E se no tempo de idade mais adiantada neles se manifestam outros, já aí se encontram em embrião. Desse modo, nada de novo existe nos velhos que não esteja latente nas crianças.
Por conseguinte, esta regra de desenvolvimento é legítima e correta. Segura e belíssima a lei do crescimento, se a perfeição da idade completar as partes e formas sempre maiores que a sabedoria do Criador pré-formou nos pequeninos.
Mas se um homem se mudar em outra figura, estranha a seu gênero, ou se se acrescentar ou diminuir ao número dos membros, sem dúvida alguma todo o corpo morrerá ou se tornará um monstro ou, no mínimo, se enfraquecerá. Assim também deve o dogma da religião cristã seguir estas leis de crescimento, para que os anos o consolidem, se dilate com o tempo, eleve-se com as gerações.
Nossos antepassados semearam outrora neste campo da Igreja as sementes do trigo da fé. Será sumamente injusto e inconveniente que nós, os pósteros, em vez da verdade do trigo autêntico recolhamos o erro da simulada cizânia.
Bem ao contrário, é justo e coerente que, sem discrepância entre os inícios e o término, ceifemos das desenvolvidas plantações de trigo a messe também de trigo do dogma. E se algo daquelas sementes originais se desenvolver com o andar dos tempos, seja isto agora motivo de alegria e de cultivo.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Quinta-feira da 27ª semana do Tempo Comum




Segunda leitura 

Da Carta aos filadélfios, de Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir 


(Proêmio; nn. 1,1-2,1;3,2-5: Funk 1,225-229) 

(Séc. I) 


Um só bispo com o presbitério e os diáconos 

Inácio, chamado também Teóforo, à Igreja de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo que está em Filadélfia na Ásia. Que alcançou misericórdia, e se firmou na concórdia com Deus, e exultou na Paixão de nosso Senhor e, por sua ressurreição, está plenamente convencida de toda misericórdia. Saúdo-a no sangue de Jesus Cristo, a ela que é minha alegria eterna e estável, principalmente se se mantiverem unidos ao bispo, a seus presbíteros e aos diáconos, nomeados por determinação do Senhor, aos quais por livre vontade firmou na estabilidade por seu santo Espírito.

Sei que não de si mesmo, nem dos homens nem por vanglória, mas da caridade do Pai e do Senhor Jesus Cristo, recebeu vosso bispo o ministério de governar esta comunidade. Causou-me grande admiração sua modéstia que, calada, é mais vigorosa do que as futilidades dos faladores. Sua consonância com os mandamentos de Deus é igual à da cítara com as cordas. Por esta razão proclamo feliz seu piedoso espírito, sabendo-o ornado de virtudes, perfeito, bem como sua imutabilidade e brandura à semelhança da mansidão do Deus vivo.

Portanto, filhos da luz da verdade, fugi da divisão e das doutrinas perversas. Onde estiver o pastor, segui-o como ovelhas.

Todos aqueles que são de Deus e de Jesus Cristo estão com o bispo. E os que, movidos pelo arrependimento, voltarem à unidade da Igreja, também serão de Deus, de modo a viver consoante Jesus Cristo. Não vos enganeis, irmãos. Quem segue um cismático não alcançará a herança do reino de Deus (1Cor 6,10). Quem caminha segundo falsas doutrinas não aceita a paixão.

Empenhai-vos, por conseguinte, em ter uma só Eucaristia. Pois uma só é a carne de nosso Senhor Jesus Cristo e um só o cálice na unidade de seu sangue, um só o altar, como um só o bispo com os presbíteros e diáconos, meus companheiros de ministério. Aquilo que fazeis, fazei-o em conformidade com Deus.

Meus irmãos, muito me alonguei por vos amar e com muita alegria procurei vos fortalecer; não eu, mas Jesus Cristo. Prisioneiro por sua graça, encho-me do maior temor porque ainda não sou perfeito. Mas vossa prece a Deus me aperfeiçoará para que possa obter o quinhão que por misericórdia me foi destinado. Refugio-me no Evangelho como em Cristo corporalmente presente, e nos presbíteros da Igreja como nos apóstolos, aqui e agora.


quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Quarta-feira da 27ª semana do Tempo Comum




Segunda leitura 

Da Carta aos tralianos, de Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir 


(Nn. 8.1-9,2; 11,1-13,3: Funk 1,209-211) 

(Séc. I) 


Renovai-vos pela fé que é a Carne do Senhor
e pela caridade que é o seu Sangue 

Revestindo-vos de mansidão, regenerai-vos na fé que é a carne do Senhor, e na caridade que é o sangue de Jesus Cristo. Nenhum de vós tenha algo contra o próximo. Não deis ensejo aos gentios para não suceder que por causa de uns poucos insensatos a multidão que pertence a Deus seja ultrajada. Ai daquele por cuja leviandade meu nome é blasfemado no meio de alguns (cf. Is 52,5).

Tapai, portanto, os ouvidos se alguém vos falar de outra coisa que não seja Jesus Cristo, que é da família de Davi, filho de Maria. Aquele que nasceu de verdade, comeu e bebeu, sofreu de verdade sob Pôncio Pilatos, foi de verdade crucificado e morreu, à vista dos seres celestes, terrestres e da profundeza da terra. De verdade ressuscitou dos mortos, ressuscitando-o seu Pai. À sua semelhança, também a nós que nele cremos, seu Pai nos ressuscitará no mesmo Cristo Jesus, sem o qual não possuímos a verdadeira vida.

Fugi, portanto, das más videiras que produzem frutos mortíferos; mal os prove alguém e logo morrerá. Não são plantas do Pai. Se fossem, apareceriam os ramos da cruz e seu fruto seria incorruptível. Por esta cruz, Cristo em sua paixão vos convida a vós que sois seus membros. Porque não pode nascer a cabeça separada dos membros; já que Deus prometeu a união, união que é ele próprio.

De Esmirna vos saúdo juntamente com as Igrejas de Deus que estão comigo e que por tudo me reanimaram de corpo e de espírito. As cadeias que por Jesus Cristo carrego na oração para alcançar a Deus, estas cadeias vos imploram. Permanecei na concórdia e na mútua oração. Convém a cada um de vós, especialmente aos presbíteros, auxiliar o bispo, em honra do Pai, de Jesus Cristo e dos apóstolos.

Desejo que me presteis ouvidos na caridade para não dar, no que escrevo, testemunho contra vós. Mas orai também por mim. Preciso de vossa caridade na misericórdia de Deus, para tornar-me digno de obter o quinhão já próximo e não ser reprovado.

A caridade dos esmirnenses e dos efésios vos saúda. Em vossas orações fazei memória da Igreja que está na Síria, da qual não sou digno de trazer o nome, sendo o último deles. Adeus em Jesus Cristo. Sede obedientes ao bispo como ao mandamento de Deus, e semelhantemente ao presbitério. E um por um, amai-vos todos mutuamente com coração indiviso.

Meu espírito se imola por vós em sacrifício não só neste momento, mas também quando houver encontrado a Deus. Ainda corro perigo. Mas fiel é o Pai em Jesus Cristo, para atender a meu pedido e ao vosso. Desejo que nele sejais encontrados sem mancha.


terça-feira, 8 de outubro de 2019

Terça-feira da 27ª semana do Tempo Comum

Segunda leitura 

Início da Carta aos tralianos, de Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir 
(Proêmio; Nn. 1,1-3,2; 4,1-2; 6,1; 7,1-8,1: Funk 1,203-209) 

(Séc. I) 


Desejo precaver-vos como a filhos meus muito caros 

Inácio, chamado também o Teóforo, à santa Igreja, amada por Deus, Pai de Jesus Cristo, que está em Trales da Ásia; à eleita, digna de Deus, que tem a paz na carne e no sangue, na paixão de Jesus Cristo, nossa esperança, quando ressurgirmos para ele; saúdo-a efusivamente à maneira dos apóstolos e desejo-lhe plena salvação.
Sei que tendes o espírito constantemente irrepreensível e apegado à paciência, não apenas na prática, mas por boa disposição. Isto me afirmou vosso bispo Políbio que, por vontade de Deus e de Jesus Cristo, esteve em Esmirna e que de tal forma se congratulou comigo, prisioneiro em Jesus Cristo, que, através dele, vos contemplei a todos vós. Acolhendo por meio dele vossa benevolência, conforme a de Deus, dei glória a Deus porque não só vos conheci, mas encontrei como verdadeiros imitadores seus.
Sois submissos a vosso bispo como a Jesus Cristo; por isto me pareceis viver não como simples homens, mas conformes a Jesus Cristo que por nós morreu; crendo deste modo em sua morte, escapais da morte. É realmente preciso que nada façais sem o bispo; é assim que procedeis. Sede obedientes aos presbíteros como aos apóstolos de Jesus Cristo, nossa esperança, e assim estaremos vivendo nele.
É também dever dos diáconos, ministros dos mistérios de Jesus Cristo, procurar de toda maneira agradar a todos. Pois não são diáconos para a comida e bebida, mas ministros da Igreja de Deus. É necessário, portanto, que evitem as más ações como ao fogo.
Igualmente respeitem todos aos diáconos como a Jesus Cristo, do mesmo modo que têm reverência pelo bispo, figura do Pai, e pelos presbíteros, senado de Deus e conselheiros dos apóstolos. Sem eles não existe a Igreja. Estou persuadido de que é este o vosso pensar. Tive uma prova de vossa caridade e a tenho comigo na pessoa do vosso bispo. Sua própria maneira de viver é uma magnífica lição e sua mansidão é uma força.
É grande minha experiência de Deus, porém, mantenho-me moderado para não perecer por vanglória. Agora então mais tenho a temer e não posso dar ouvidos àquilo que me torna orgulhoso. Os que me elogiam, me flagelam. Porque quero, sim, padecer, mas não sei se sou digno. Meu ardor não se mostra a muitos, todavia me assalta com mais intensidade. É-me necessária a mansidão, pela qual se vence o príncipe deste mundo.
Suplico-vos, portanto, não eu, mas a caridade de Jesus Cristo, que tomeis unicamente o alimento cristão e rejeiteis toda erva daninha, a heresia.
Isto se fará se não fordes orgulhosos nem vos afastardes de Jesus Cristo Deus, nem do bispo nem dos preceitos dos apóstolos. Aquilo que está no altar é puro; fora do altar, já não é puro. Quero dizer, quem faz o que quer que seja sem o bispo, os presbíteros e os diáconos, não tem pura a consciência.
Não por ter sabido de algo assim, entre vós, escrevo estas palavras, mas desejo acautelar-vos, como a filhos meus muito caros.

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Segunda-feira da 27ª semana do Tempo Comum


Segunda leitura 

Do Tratado sobre Caim e Abel, de Santo Ambrósio, bispo 

(Lib. 1,9,34.38-39: CSEL 32,369.371-372) 

(Séc. IV) 


Deve-se orar especialmente por todo o Corpo da Igreja 

Imola a Deus um sacrifício de ação de graças e cumpre teus votos ao Altíssimo
(Sl 49,14). Louvar a Deus é fazer um voto de louvor e cumpri-lo. Por isto o samaritano se sobressai aos demais porque, ao ser purificado com os outros nove da lepra, pela palavra do Senhor, voltou sozinho a Cristo e engrandeceu a Deus com ação de graças. Dele disse Jesus: Não houve dentre eles quem voltasse e desse graças a Deus a não ser este estrangeiro. E dirigindo-se a ele: Levanta-te e vai; tua fé te salvou (Lc 17,18-19).
O Senhor de modo divino também te ensinou a bondade do Pai que sabe dar coisas boas, para que ao Bom peças tudo o que é bom. E aconselhou a orar com instância e repetidamente; não em prece fastidiosa pela duração, mas continuada pela frequência. Futilidades afogam, as mais das vezes, a longa oração, e na muito interrompida facilmente se insinua o descuido.
Exorta ainda a que, quando lhe pedes perdão para ti, saibas que será concedido sobretudo aos outros, na medida em que apoiares o pedido com a voz de tuas obras. O Apóstolo também ensina que se deve orar sem ira nem contestação, para que não se turve, não se altere tua súplica. E ainda ensina que se há de rezar em todo lugar (cf. 1Tm 2,8), pois disse o Salvador: Entra em teu quarto (Mt 6,6).
Não entendas, porém, um quarto cercado por paredes, onde teu corpo fica fechado, mas o quarto que existe dentro de ti, onde são encerrados teus pensamentos, onde moram teus sentimentos. Este quarto de tua oração em toda parte está contigo, em toda parte é secreto, sem outro juiz que não Deus só.
Aprendeste também que se deve rezar principalmente pelo povo, quer dizer, pelo Corpo inteiro, por todos os membros de tua Mãe, onde se nota a mútua caridade. Se, pois, pedes por ti, somente por ti rogarás. E se apenas por si roga cada qual, será menor a graça do pecador do que a do intercessor. Agora, porém, já que cada um pede por todos, então todos rezam por cada um.
Portanto, para resumirmos, se apenas pedes por ti somente, como dissemos, pedirás por ti. Ao passo que se pedes por todos, todos pedirão por ti. Na verdade também tu estás em todos. É assim grande a recompensa: que pela intercessão de um se beneficie o povo inteiro. Não há nisto nenhuma arrogância; porém, há maior humildade e mais copiosos frutos.

domingo, 6 de outubro de 2019

Domingo da 27ª semana do Tempo Comum


Segunda leitura 


Da Regra Pastoral, de São Gregório Magno, papa

(Lib. 2,4: PL 77,30-31) 

(Séc. VI) 

O pastor seja discreto no silêncio, útil na palavra 

Seja o pastor discreto no silêncio, útil na fala, para não falar o que deve calar, nem calar o que deve dizer. Pois da mesma forma que uma palavra inconsiderada arrasta ao erro, o silêncio inoportuno deixa no erro aqueles a quem poderia instruir. Muitas vezes, pastores imprudentes, temendo perder as boas graças dos homens, têm medo de falar abertamente o que é reto. E segundo a palavra da Verdade, absolutamente não guardam o rebanho com solicitude de pastor, mas, por se esconderem no silêncio, agem como mercenários que fogem à vinda do lobo.
O Senhor, pelo Profeta, repreende estes tais dizendo: Cães mudos que não conseguem ladrar (Is 56,10). De novo queixa-se: Não vos levantastes contra nem opusestes um muro de defesa da casa de Israel, de modo a entrardes em luta no dia do Senhor (Ez 13,5). Levantar-se contra é contradizer sem rebuços aos poderosos do mundo em defesa do rebanho. E entrar em luta no dia do Senhor quer dizer: por amor à justiça resistir aos que lutam pelo erro.
Quando o pastor tem medo de dizer o que é reto, não é o mesmo que dar as costas, calando-se? É claro que se, pelo rebanho, se expõe, opõe um muro contra os inimigos em defesa da casa de Israel. Outra vez, se diz ao povo pecador: Teus profetas viram em teu favor coisas falsas e estultas; não revelavam tua iniquidade a fim de provocar à penitência (Lm 2,14). Na Sagrada Escritura algumas vezes os profetas são chamados de doutores porque, enquanto mostram ser transitórias as coisas presentes, manifestam as que são futuras. A palavra divina censura aqueles que vêem falsidades, porque, por medo de corrigir as faltas, lisonjeiam os culpados com vãs promessas de segurança; não revelam de modo nenhum a iniquidade dos pecadores porque calam a palavra de censura.
Por conseguinte, a chave que abre é a palavra da correção porque, ao repreender, revela a falta a quem a cometeu, pois muitas vezes dela não tem consciência. Daí Paulo dizer: Que seja poderoso para exortar na sã doutrina e para convencer os contraditores (Tt 1,9). E Malaquias: Guardem os lábios do sacerdote a ciência; e esperem de sua boca a lei porque é um mensageiro do Senhor dos exércitos (Ml 2,7). Daí o Senhor admoestar por meio de Isaías: Clama, não cesses; qual trombeta ergue tua voz (Is 58,1).
Quem quer que entre para o sacerdócio, recebe o ofício de arauto, porque caminha à frente, proclamando a vinda do rigoroso juiz, que se aproxima. Portanto, se o sacerdote não sabe pregar, que protesto elevará o arauto mudo? Daí se vê por que sobre os primeiros pastores o Espírito Santo pousou em forma de línguas; com efeito, imediatamente impele a falar sobre ele aqueles que inunda de luzes.