terça-feira, 9 de agosto de 2022

SANTA TERESA BENEDITA DA CRUZ, VIRGEM E MÁRTIR

 Edith Stein nasceu em Breslávia, no dia 12 de outubro de 1891, de uma família hebréia. Apaixonada pesquisadora da verdade, através de aprofundados estudos de filosofia, encontrou-a mediante a leitura da autobiragrafia de santa Teresa de Jesus. Em 1922, recebeu o batismo na Igreja católica e, em 1933, entrou para o Carmelo de Colônia. Morreu mártir pela fé cristã aos 9 de agosto de 1942, nos fornos crematórios de Auschwitz, durante a perseguição nazista, oferecendo seu holocausto pelo povo de Israel. Mulher de inteligência e cultura singulares, deixou muitos escritos de alta doutrina e de profunda espiritualidade. Foi beatificada por São João Paulo II em Colônia, no dia 1º de maio de 1987 e canonizada em Roma aos 11 de outubro de 1998.

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Segunda leitura

Dos Escritos Espirituais de santa Teresa Benedita da Cruz, virgem e mártir

(Edith Stein: “Vita, Dottrina, Tesi inediti” Roma, PP. 127-130)
(Séc. XX)

Saudamo-te, Cruz santa, nossa única esperança!

“Saudamo-te, Cruz santa, nossa única esperança!”, assim a Igreja nos faz dizer no tempo da paixão, dedicado à contemplação dos amargos sofrimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo.
O mundo está em chamas: a luta entre Cristo e o anticristo encarniçou-se abertamente, por isso, se te decides por Cristo, pode te ser pedido também o sacrifício da vida.
Contempla o Senhor que pende do lenho diante de ti porque foi obediente até a morte de cruz. Ele veio ao mundo não para fazer a sua vontade, mas a do Pai. Se queres ser a esposa do Crucificado deves renunciar totalmente à tua vontade e não ter outra aspiração senão a de cumprir a vontade de Deus.
Á tua frente o Redentor pende da Cruz despojado e nu, porque escolheu a pobreza. Quem quer segui-lo deve renunciar a toda posse eterna.
Estás diante do Senhor que pende da Cruz com o coração despedaçado; ele derramou o sangue de seu Coração para conquistar o teu coração. Para poder segui-lo em santa castidade, o teu coração deve ser livre de toda aspiração terrena; Jesus Crucificado deve ser o objeto de todo o teu anseio, de todo o teu desejo, de todo o teu pensamento.
O mundo está em chamas: o incêndio poderia pegar também em nossa casa, mas, acima de todas as chamas, ergue-se a Cruz que não pode ser queimada. A Cruz é o caminho que conduz da terra ao céu. Quem a abraça com fé, amor, esperança é levado para o alto, até o seio da Trindade.
O mundo está em chamas: desejas extingui-las? Contempla a Cruz – do Coração aberto jorra o sangue do Redentor, sangue capaz de extinguir também as chamas do inferno. Através da fiel observância dos votos, torna o teu coração livre e aberto; então, poderão ser despejadas nele as ondas do amor divino; sim, a ponto de fazê-lo transbordar e torná-lo fecundo até os confins da terra.
Através do poder da Cruz, podes estar presente em todos os lugares da dor, em toda parte para onde te levar a tua compassiva caridade, aquela caridade que haures do Coração divino e que te torna capaz de espargir, por toda parte, o seu preciosíssimo sangue para aliviar, salvar, redimir.
Os olhos do Crucificado fixam-te a interrogar-te, a interpelar-te. Queres estreitar novamente, com toda seriedade, a aliança com ele? Qual será a tua resposta? “Senhor, aonde irei? Só tu tens palavras de vida”. Ave Cruz, spes única!

segunda-feira, 6 de junho de 2022

BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA, MÃE DA IGREJA

 

Segunda leitura

Do Discurso do Bem-aventurado Paulo VI, papa, no encerramento da terceira sessão do Concílio Vaticano II

(21 de novembro de 1964: AAS 56 [1964], 1015-1016)
(Séc. XX)

Maria Mãe da Igreja

Considerando as estreitas relações de Maria com a Igreja, para a glória da Santa Virgem e para nosso conforto, proclamamos Maria Santíssima Mãe da Igreja, isto é, de todo o povo de Deus, tanto dos fiéis como dos Pastores, que lhe chamam Mãe amorosíssima; e queremos que, com este título suavíssimo, a Mãe de Deus seja doravante ainda mais honrada e invocada por todo o povo cristão.
 Trata-se de um título que não é novo para a piedade dos cristãos; pois é justamente com este nome de Mãe, de preferência a qualquer outro, que os fiéis e a Igreja toda costumam dirigir-se a Maria. Na verdade, ele pertence à genuína substância da devoção a Maria, achando sua justificação na própria dignidade da Mãe do Verbo Encarnado.
 Efetivamente, assim como a Maternidade divina é o fundamento da especial relação de Maria com Cristo e da sua presença na economia da salvação operada por Cristo Jesus, assim também essa Maternidade constitui o fundamento principal das relações de Maria com a Igreja, sendo ela a Mãe daquele que, desde o primeiro instante da sua Encarnação, no seu seio virginal, uniu a si, como Cabeça, o seu Corpo Místico, que é a Igreja. Maria, pois, como Mãe de Cristo, também é Mãe dos fiéis e de todos os Pastores, isto é, da Igreja.
 Portanto, é com ânimo cheio de confiança e de amor filial que elevamos o olhar para ela, não obstante a nossa indignidade e fraqueza. Ela, que em Jesus nos deu a fonte da graça, não deixará de socorrer a Igreja com seu auxílio materno, sobretudo neste tempo em que a Esposa de Cristo se empenha, com novo alento, na sua missão salvadora.
 A nossa confiança é ainda mais reavivada e corroborada quando consideramos os laços estreitíssimos que prendem esta nossa Mãe celeste ao gênero humano. Embora na riqueza das admiráveis prerrogativas com que Deus a adornou para fazê-la digna Mãe do Verbo Encarnado, ela está, todavia, pertíssimo de nós. Filha de Adão, como nós, e por isto nossa irmã por laços de natureza, ela é, entretanto, a criatura preservada do pecado original em vista dos méritos de Cristo, e que, aos privilégios obtidos junta a virtude pessoal de uma fé total e exemplar, merecendo o elogio evangélico de: Bem-aventurada és tu, porque acreditaste (Lc 1,45).
 Na sua vida terrena, ela realizou a perfeita figura do discípulo de Cristo, espelho de todas as virtudes, e encarnou as bem-aventuranças evangélicas proclamadas por Cristo Jesus. Por isso, toda a Igreja, na sua incomparável variedade de vida e de obras, encontra nela a forma mais autêntica de perfeita imitação de Cristo.




terça-feira, 1 de março de 2022

Terça-feira da 8ª semana do Tempo Comum

 Segunda leitura

Dos Livros das Confissões, de Santo Agostinho, bispo

(Lib. 10,1,1-2,2; 5.7: CCL 27,155.158)
(Séc. V)

Seja eu quem for, sou a ti manifesto, Senhor
Que eu te conheça, ó conhecedor meu! Que eu também te conheça como sou conhecido! Tu, ó força de minha alma, entra dentro dela, ajusta-a a ti, para a teres e possuíres sem mancha nem ruga. Esta é a minha esperança e por isso falo. Nesta esperança, alegro-me quando sensatamente me alegro. Tudo o mais nesta vida tanto menos merece ser chorado quanto mais é chorado, e tanto mais seria de chorar quanto menos é chorado. Eis que amas a verdade, pois quem a faz, chega-se à luz. Quero fazê-la no meu coração, diante de ti, em confissão, com minha pena, diante de muitas testemunhas.

A ti, Senhor, a cujos olhos está a nu o abismo da consciência humana, que haveria de oculto em mim, mesmo que não quisesse confessá-lo a ti? Eu te esconderia a mim mesmo, e nunca a mim diante de ti. Agora, porém, quando os meus gemidos testemunham que eu me desagrado de mim mesmo, enquanto tu refulges e agradas, és amado e desejado, que eu me envergonhe de mim mesmo, rejeite-me e te escolha! Nem a ti nem a mim seja eu agradável, a não ser por ti.

Seja eu quem for, sou a ti manifesto e declarei com que proveito o fiz. Não o faço por palavras e vozes corporais, mas com palavras da alma e clamor do pensamento. A tudo o teu ouvido escuta. Quando sou mau, confessá-lo a ti nada mais é do que não o atribuir a mim. Quando sou bom, confessá-lo a ti nada mais é do que não o atribuir a mim. Porque tu, Senhor, abençoas o justo, antes, porém, o justificas quando ímpio. Na verdade minha confissão, ó meu Deus, faz-se diante de ti em silêncio e não em silêncio porque cala-se o ruído, clama o afeto.

Tu me julgas, Senhor, porque nenhum dos homens conhece o que há no homem a não ser o espírito do homem que nele está. Há, contudo, no homem algo que nem o próprio espírito do homem, que nele está, conhece. Tu, porém, Senhor, conheces tudo dele, pois tu o fizeste. Eu, na verdade, embora diante de ti me despreze e me considere pó e cinza, conheço algo de ti que ignoro de mim.

É certo que agora vemos como em espelho e obscuramente, ainda não face a face. Por isto enquanto eu peregrino longe de ti, estou mais presente a mim do que a ti e, no entanto, sei que és totalmente impenetrável, ao passo que ignoro a que tentações posso ou não resistir. Mas aí está a esperança, porque és fiel e não permites sermos tentados acima de nossas forças e dás, com a tentação, a força para suportá-la.

Confessarei aquilo que de mim conheço, confessarei o que desconheço. Porque o que sei de mim, por tua luz o sei; e o que de mim não sei, continuarei a ignorá-lo até que minhas trevas se mudem em meio-dia diante de tua face.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Segunda-feira da 8ª semana do Tempo Comum

 Segunda leitura

Dos Livros "Moralia" sobre Jó, de São Gregório Magno, papa

(Lib. 3,15-16: PL 75,606-608)
(Séc. VI)

Se da mão de Deus recebemos os bens, por que não suportaremos os males?
Paulo, considerando em seu íntimo as riquezas da sabedoria e vendo-se externamente um corpo corruptível, exclama: Temos este tesouro em vasos de barro! No santo Jó, o vaso de barro sofre no exterior as rupturas das úlceras. Por dentro, porém, continua íntegro o tesouro. Por fora é ferido de chagas. Por dentro, a perene nascente do tesouro da sabedoria derrama-se em palavras santas: Se da mão de Deus recebemos os bens, por que não suportaremos os males? Para ele, os bens são os dons de Deus, tanto os temporais quanto os eternos, enquanto que os males são os flagelos do momento. Diz o Senhor pelo Profeta: Eu, o Senhor, e não há outro, faço a luz e crio as trevas, produzo a paz e crio os males.

Faço a luz e crio as trevas: quando, pelos flagelos, são criadas exteriormente as trevas do sofrimento, no íntimo, pela correção, acende-se a luz do espírito. Produzo a paz e crio os males. Voltamos à paz com Deus quando os bens criados, porém, mal desejados, por serem males para nós, se transformam em flagelos. Pela culpa, estamos em discórdia com Deus. Portanto, é justo que, pelos flagelos, retornemos à paz com ele. Quando os bens criados começam a causar-nos sofrimento, o espírito assim castigado procura humildemente a paz com o Criador.

É preciso considerar com muita atenção, nas palavras de Jó, contra a opinião de sua mulher, a justeza do seu raciocínio. Se recebemos da mão do Senhor os bens, por que não suportaremos os males? Grande conforto na tribulação é, em meio às contrariedades, lembrarmo-nos dos dons concedidos por nosso Criador. E não nos abatemos, em face da dor, se logo nos ocorrer à mente o dom que a reanima. Sobre isto está escrito: Nos dias bons, não te esqueças dos maus, e nos dias maus lembra-te dos bons.

Quem recebe os bens da vida, mas durante os bons tempos deixa inteiramente de temer os flagelos, cai na soberba através da alegria. Quem é atormentado pelos flagelos e nestes dias maus não se consola com os dons recebidos, perde, com o mais profundo desespero, o equilíbrio do espírito.

Assim sendo, é necessário unir os dois, de modo que um sempre se apóie no outro: que a lembrança dos bens modere o sofrimento dos flagelos e que a suspeita e o medo dos flagelos estejam a mordiscar a alegria dos bens. O santo homem com suas chagas, para aliviar o espírito oprimido em meio às dores dos flagelos, pensa na doçura dos dons: Se recebemos da mão do Senhor os bens, por que não haveremos de suportar os males?

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Domingo da 8ª semana do Tempo Comum

 Segunda leitura


Dos Livros "Moralia  sobre Jó, de São Gregório Magno, papa
(Lib. 1,2.36: PL 75,529-530.543-544)
(Séc. VI)

Homem simples e reto, temente a Deus
Há quem seja simples demais, a ponto de não saber o que é reto. Afasta-se, porém, da pura simplicidade quem não se eleva à virtude da retidão, pois, enquanto não aprende a ser precavido pela retidão, não consegue permanecer na inocência pela simplicidade. Daí a exortação de Paulo aos discípulos: Quero que sejais sábios no bem, simples no mal. E ainda: Não vos façais crianças pelo entendimentomas sede pequeninos na malícia.
Daí que a mesma Verdade preceitue aos discípulos: Sede prudentes como serpentes e simples como pombas. Ela uniu estas duas coisas indispensáveis na advertência: por um lado a astúcia da serpente previna a simplicidade da pomba e por outro lado a simplicidade da pomba tempere a astúcia da serpente.
Daí não manifestar o Espírito Santo sua presença apenas pela figura da pomba, mas também pela do fogo. Pela figura da pomba mostrou a simplicidade, pela figura do fogo, o zelo. Manifesta-se pela pomba e pelo fogo, porque aqueles que dele estão cheios, guardam a mansidão da simplicidade e, assim, não impedem que se acenda o zelo da retidão contra as culpas dos delinquentes.
Simples e reto, temendo a Deus e afastando-se do mal. Quem deseja chegar à pátria eterna, mantém-se, sem dúvida alguma, simples e reto: simples nas obras e reto na fé; simples nas boas obras que realiza em plano inferior, e reto nas superiores, que sente no íntimo. Existem ainda alguns que não são simples no bem que praticam, buscando não uma retribuição interior, mas o aplauso exterior. Deles bem falou certo sábio: Ai do pecador que entra no país por dois caminhos. Entra por dois caminhos o pecador quando a obra que pratica é de Deus; a sua intenção, porém, é mundana.
Com razão se diz: Temendo a Deus e afastando-se do mal, porque a Santa Igreja dos eleitos começa com temor os caminhos da simplicidade e da retidão e consuma-os na caridade. Afastar-se totalmente do mal é começar a não mais pecar por amor de Deus. De fato, enquanto algum faz o bem por temor, ainda não se afastou completamente do mal, pois peca justamente porque quereria pecar, se o pudesse fazer impunemente.
Por conseguinte, quando se diz que Jó teme a Deus, também se afirma que se afasta do mal. Se o amor segue o temor, é esmagada toda a culpa na consciência pelo firme propósito da vontade.

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Sábado da 7ª semana do Tempo Comum

 Segunda leitura

Do Comentário sobre o Eclesiastes, de São Gregório de Agrigento, bispo

(Lib. 10, 2: PG 98,1138-1139)
(Séc. VI)

Aproximai-vos de Deus e ficareis luminosos
Suave, diz o Eclesiastes, é esta luz e extremamente bom, para nossos olhos penetrantes, é contemplar o sol esplêndido. Pois sem a luz o mundo não teria beleza, a vida não seria vida. Por isto, já de antemão, o grande contemplador de Deus, Moisés, disse: E Deus viu a luz e declarou-a boa. Porém é conveniente para nós pensar naquela grande, verdadeira e eterna luz que ilumina a todo homem que vem a este mundo, quer dizer, Cristo, salvador e redentor do mundo, que, feito homem, quis assumir ao máximo a condição humana. Dele fala o profeta Davi: Cantai a Deus, salmodiai a seu nome, preparai o caminho para aquele que se dirige para o ocaso; Senhor é seu nome; e exultai em sua presença.

Suave declarou o Sábio ser a luz e prenunciou ser bom ver com seus olhos o sol da glória, aquele sol que no tempo da divina encarnação disse: Eu sou a luz do mundo; quem me segue não caminha nas trevas, mas terá a luz da vida. E outra vez: Este o juízo: a luz veio ao mundo. Desta maneira, pela luz do sol, gozo de nossos olhos corporais, anunciou o Sol da justiça espiritual, tão suave àqueles que foram encontrados dignos de conhecê-lo. Viam-no com seus próprios olhos, com ele viviam e conversavam, como um homem qualquer, embora não fosse um qualquer. Era, de fato, verdadeiro Deus que deu vista aos cegos, fez os coxos andar, os surdos ouvir, limpou os leprosos, aos mortos devolveu a vida.

Todavia, mesmo agora é realmente delicioso vê-lo com olhos espirituais e contemplar demoradamente sua simples e divina beleza. Além disso, é delicioso, pela união e comunicação com ele, tornar-se luminoso, ter o espírito banhado de doçura e revestido de santidade, adquirir o entendimento e vibrar de uma alegria divina que se estenda a todos os dias da presente vida. O sábio Eclesiastes bem o indicou quando disse: Por muitos anos que viva o homem, em todos eles se alegrará. É evidente que o Autor de toda alegria o é para os que vêem o Sol de justiça. Dele disse o profeta Davi: Exultem diante da face de Deus, gozem na alegria; e também: Exultai, ó justos, no Senhor; aos retos convém o louvor.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Sexta-feira da 7ª semana do Tempo Comum

 Segunda leitura

Do Comentário sobre o Eclesiastes, de São Gregório de Agrigento, bispo

(Lib. 8,6: PG 98,1071-1074)
(Séc. VI)

Exulte minha alma no Senhor
Vem, come com alegria teu pão e bebe com coração feliz o teu vinho, porque tuas obras já agradaram a Deus. A explicação mais simples e óbvia desta frase parece-me ser uma justa exortação que nos dirige o Eclesiastes: abraçando um tipo de vida simples e apegados à instrução de uma fé sincera para com Deus, comamos o pão com alegria e bebamos o vinho de coração feliz; sem resvalar para as palavras maldosas, nem nos comportar com duplicidade. Pelo contrário, pensemos sempre o que é reto, e, quanto nos seja possível, auxiliemos com misericórdia e liberalidade os necessitados e mendigos, isto é, atentos aos desejos e ações com que o próprio Deus se deleita.

No entanto, o sentido místico nos leva a mais altos pensamentos e ensina-nos a ver aqui o pão celeste e sacramental que desceu do céu e trouxe a vida ao mundo. Ensina-nos também, com o coração feliz, a beber o vinho espiritual, aquele vinho que jorrou do lado da verdadeira vide, no momento da paixão salvífica. Destes fala o Evangelho de nossa salvação: Tendo Jesus tomado o pão, abençoou-o e disse a seus santos discípulos e apóstolos: Tomai e comei: isto é meu corpo que por vós é repartido para a remissão dos pecados; o mesmo fez com o cálice e disse: Bebei todos dele; este é o meu sangue da nova Aliança, que por vós e por muitos é derramado em remissão dos pecados. Aqueles que comem deste pão e bebem o vinho sacramental, na verdade enchem-se de alegria, exultam e podem exclamar: Deste alegria a nossos corações.

Ainda mais – julgo eu – este pão e este vinho designam, no livro dos Provérbios, a sabedoria de Deus, subsistente por si mesma, Cristo, o nosso salvador, quando diz: Vinde, comei do meu pão e bebei do vinho que preparei para vós; indicando assim a mística participação do Verbo. Aqueles que são dignos desta participação, trazem em todo o tempo vestes ou obras não menos luminosas do que a luz, realizando o que o Senhor diz no Evangelho: Que vossa luz brilhe diante dos homens, para que vejam vossas obras boas e glorifiquem vosso Pai que está nos céus. Igualmente se percebe que em suas cabeças corre sempre o óleo, isto é, o Espírito da verdade que os protege e defende contra todo dano do pecado.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Quinta-feira da 7ª semana do Tempo Comum

 Segunda leitura

Das Instruções de São Columbano, abade

(Instr. 1 de Fide, 3-5: Opera, Dublin, 1957, pp. 62-66)
(Séc. VII)

A insondável profundidade de Deus
Deus está em todo lugar, imenso e próximo em toda parte, conforme o testemunho dado por ele mesmo: Eu sou o Deus próximo e não o Deus de longe. Não busquemos, então, longe de nós a morada de Deus, que temos dentro de nós, se o merecermos. Habita em nós como a alma no corpo, se formos seus membros sadios, mortos ao pecado. Então verdadeiramente mora em nós aquele que disse: E habitarei neles e entre eles andarei. Se, portanto, formos dignos de tê-lo em nós, em verdade seremos vivificados por ele, como membros vivos seus: nele, assim diz o Apóstolo, vivemos, nos movemos e somos.

Quem, pergunto eu, investigará o Altíssimo em sua inefável e incompreensível essência? Quem sondará as profundezas de Deus? Quem se gloriará de conhecer o Deus infinito que tudo enche, tudo envolve, penetra em tudo e ultrapassa tudo, tudo contém e esquiva-se a tudo? Aquele que ninguém jamais viu como é. Por isto, não haja a presunção de indagar sobre a impenetrabilidade de Deus, o que foi, como foi, quem foi. São realidades indizíveis, inescrutáveis, ininvestigáveis; simplesmente, mas com todo o ardor, crê que Deus é como será, do modo como foi, porque Deus é imutável.

Quem, pois, é Deus? Pai, Filho e Espírito Santo, um só Deus. Não perguntes mais sobre Deus; porque os que querem conhecer a imensa profundidade, têm antes de considerar a natureza. Com razão compara-se o conhecimento da Trindade à profundeza do mar, conforme diz o Sábio: E a imensa profundidade, quem a alcançará? Do modo como a profundeza do mar é invisível ao olhar humano, assim a divindade da Trindade é percebida como incompreensível pelo entendimento humano. Por conseguinte, se alguém quiser conhecer aquele em quem deverá crer, não julgue compreender melhor falando do que crendo; ao ser investigada, a sabedoria da divindade foge para mais longe do que estava.

Procura, portanto, a máxima ciência não por argumentos e discursos, mas por uma vida perfeita; não pela língua, mas pela fé que brota da simplicidade do coração, não adquirida por doutas conjeturas da impiedade. Se, por doutas investigações procurares o inefável, irá para mais longe de ti do que estava; se, pela fé, a sabedoria estará à porta, onde se encontra; e onde mora poderá ser vista ao menos em parte. Mas em verdade até certo ponto também será atingida, quando se crer no invisível, mesmo sem compreendê-lo; deve-se crer em Deus por ser invisível, embora em parte o coração puro o veja.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Quarta-feira da 7ª semana do Tempo Comum

 Segunda leitura

Do Comentário sobre o Eclesiastes, de São Jerônimo, presbítero

(PL 23,1057-1059)
(Séc. V)

Procurai as coisas do alto
Recebeu alguém de Deus riquezas e bens e a possibilidade de gozar deles, de tomar sua porção e de alegrar-se em seu trabalho, também isso é dom de Deus. Não terá muito que pensar nos dias de sua vida, visto que Deus o ocupa com a alegria do coração. Em comparação daquele que se sacia de suas posses nas trevas das preocupações e, com grande tédio da vida, acumula as coisas perecíveis, declara ser preferível aquele que desfruta coisas presentes. Este, pelo menos, sente-se feliz em usá-las; para aquele, porém, apenas o peso das inquietações. E diz por que é um dom de Deus poder gozar das riquezas. É porque não terá muito que pensar nos dias de sua vida.

Com efeito, Deus o ocupa com a alegria de seu coração: não terá tristeza, não se afligirá com pensamentos, levado pela alegria e o prazer das coisas diante de si. Contudo, melhor ainda é entender, com o Apóstolo, o alimento e a bebida espirituais, dados por Deus, e ver a bondade de todo seu esforço, porque com enorme trabalho e desejo vamos poder contemplar os bens verdadeiros. É esta a nossa porção, alegrarmo-nos em nosso desejo e fadiga. Que é um bem, sem dúvida, mas até que Cristo, nossa vida, se manifeste, ainda não é a plenitude do bem. Todo o trabalho do homem é para sua boca e, no entanto, seu espírito não se sacia. Qual é a vantagem do sábio sobre o insensato? Qual a do pobre, se não de saber como caminhar em face da vida?

O fruto de todo trabalho dos homens neste mundo é consumido pela boca, mastigado e desce ao estômago para ser digerido. E por muito pouco tempo deleita o paladar, pois dá prazer somente enquanto está na boca.

Além disto, não se sacia a alma de quem comeu. Primeiro, porque deseja comer, de novo, pois quer o sábio, quer o tolo, não pode viver sem alimento, e a preocupação do pobre é sustentar seu mirrado corpo para não morrer à míngua. Segundo, porque a alma não encontra utilidade alguma na refeição do corpo, o alimento é comum ao sábio e ao ignorante, e o pobre vai aonde percebe haver recursos.

Todavia é preferível entender a expressão do autor do Eclesiástico que, instruído nas Escrituras celestes, concentra todo o trabalho em sua boca, e sua alma não se sacia por desejar sempre aprender. Nisso tem mais o sábio do que o insensato; porque, embora se sinta pobre (aquele pobre que o Evangelho declara feliz), caminha para alcançar a vida, seguindo pela estrada apertada e difícil que a ela conduz. É pobre de obras más, porém, sabe onde mora Cristo, a vida.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

SÃO RAIMUNDO DE PEÑAFORT, presbítero


Nasceu nas cercanias de Barcelona, pelo ano de 1175. Tornou-se cônego da Igreja de Barcelona; em seguida foi aceito entre os frades pregadores. Por ordem do papa Gregório IX publicou a coleção das decretais. Eleito superior geral de sua ordem, governou-a com leis excelentes. Dentre seus escritos sobressai a "Suma Casuística", para a correta e frutuosa administração do sacramento da penitência. Morreu em 1275. 


De uma Carta de são Ralmundo, presbítero (Monumenta Ord. Praed Hist. 6, 2, Romae 1901, pp. 84-85)


 Que o Deus da dileção e da paz pacifique vossos corações


Se todos os que querem viver piedosamente em Cristo devem sofrer perseguições, conforme disse, com absoluta verdade o pregador da verdade, ninguém, a meu ver, delas está excluído, a não ser quem negligencia ou não sabe viver "sóbria, justa e piamente".


Quanto a vós, não permita Deus sejais contados entre aqueles que têm casas pacatas, seguras, sem que a mão do Senhor esteja sobre eles; e que passam satisfeitos seus dias e de repente descem aos infernos. Ao contrário, vossa pureza e piedade merecem e mesmo exigem que, aceitos e queridos por Deus, seja essa pureza aprimorada por freqüentes golpes. Por isso, se a espada se duplica ou triplica sobre vós, cumpre recebê-la com toda a alegria, como sinal de amor.


A espada de dois gumes são as lutas fora e os temores dentro. Ela se duplica ou triplica interiormente quando o astucioso espírito com enganos e afagos inquieta o íntimo do coração; mas já aprendestes bastante este gênero de combates; de outra forma seria impossível chegar àquela beleza da paz e da tranqüilidade interior.


Exteriormente a espada se duplica e triplica quando sem motivo se levanta uma perseguição eclesiástica, acerca de assuntos espirituais, em que são mais dolorosas as feridas porque vindas de amigos. Esta é a desejável e bem-aventurada cruz de Cristo que o corajoso André abraçou com alegria, e o vaso de eleição garantiu ser o único motivo de glória. 


Olhai, portanto, para o autor e salvador da fé, Jesus, que, de todo inocente, sofreu também dos seus e foi contado entre os celerados. Bebendo o cálice do Senhor Jesus, dai graças a Deus, doador de todos os bens.


Que este mesmo Deus de amor e de paz aquiete vossos corações e apresse vosso caminhar; esconda-vos por enquanto, no segredo de sua face, da perturbação dos homens, até vos levar e transplantar para plenitude, onde vos assentareis para sempre na beleza da paz, no tabernáculo da confiança e no repouso da opulência.





Responsório


R. Com o esplendor de sua doutrina iluminou aque les que jaziam nas trevas; * Pelo ardor da caridade libertou os prisioneiros da miséria e dos grilhões. V. Retirou os errantes do caminho do mal, libertou o pobre da mão do poderoso. * Pelo ardor.