sábado, 30 de maio de 2020

Sábado da 7ª semana da Páscoa


Segunda leitura


Dos Sermões de um Autor africano anônimo, do século VI

(Sermo 8,1-3: PL 65,743-744)


A unidade da Igreja fala todas as línguas

Os apóstolos começaram a falar em todas as línguas. Aprouve a Deus, naquele momento, significar a presença do Espírito Santo, fazendo com que todo aquele que o tivesse recebido, falasse em todas as línguas. Devemos compreen­der, irmãos caríssimos, que se trata do mesmo Espírito Santo pelo qual o amor de Deus foi derramado em nossos corações.
O amor haveria de reunir na Igreja de Deus todos os povos da terra. E como naquela ocasião um só homem, recebendo o Espírito Santo, podia falar em todas as línguas, também agora, uma só Igreja, reunida pelo Espírito Santo, se exprime em todas as línguas. Se por acaso alguém nos disser: "Recebeste o Espírito Santo; por que não falas em todas as línguas?" devemos responder: "Eu falo em todas as línguas. Porque sou membro do Corpo de Cristo, isto é, da sua Igreja, que se exprime em todas as línguas. Que outra coisa quis Deus significar pela presença do Espírito Santo, a não ser que sua Igreja haveria de falar em todas as lín­guas?"
Deste modo, cumpriu-se o que o Senhor tinha prometi­do: Ninguém coloca vinho novo em odres velhos. Vinho novo deve ser colocado em odres novos. E assim ambos são preservados (cf. Lc 5,37-38).
Por isso, quando ouviram os apóstolos falar em todas as línguas, diziam alguns com certa razão: Estão cheios de vinho (At 2,13). Na verdade, já se haviam transformado em odres novos, renovados pela graça da santidade, a fim de que, repletos do vinho novo, isto é, do Espírito Santo, parecessem ferver ao falar em todas as línguas. E com este milagre tão evidente prefiguravam a universalidade da futu­ra Igreja, que haveria de abranger as línguas de todos os povos.
Celebrai, pois, este dia como membros do único Corpo de Cristo. E não o celebrareis em vão, se realmente sois aquilo que celebrais, isto é, se estais perfeitamente incorpo­rados naquela Igreja que o Senhor enche do Espírito Santo e faz crescer progressivamente através do mundo inteiro. Esta Igreja ele reconhece como sua e é por ela reconhecida como seu Senhor. O esposo não abandonou sua esposa; por isso ninguém pode substituí-la por outra.
É a vós, homens de todas as nações, que sois a Igreja de Cristo, os membros de Cristo, o corpo de Cristo, a esposa de Cristo, é a vós que o Apóstolo dirige estas palavras: Supor­tai-vos uns aos outros com paciência, no amor. Aplicai-vos em guardar a unidade do espírito pelo vínculo da paz (Ef 4,2-3). Reparai como, ao lembrar o preceito de nos supor­tarmos uns aos outros, falou-nos do amor, e quando se referiu à esperança da unidade, pôs em evidência o vínculo da paz.
Esta é a casa de Deus, edificada com pedras vivas. Nela o Eterno Pai gosta de morar; nela seus olhos jamais devem ser ofendidos pelo triste espetáculo da divisão entre seus filhos.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Sexta-feira da 7ª semana da Páscoa


Segunda leitura


Do Tratado Sobre a Trindade, de Santo Hilário, bispo

(Lib. 2,1.33.35: PL 10,50-51.73-75)
(Séc. IV)


O Dom do Pai em Cristo

O Senhor mandou batizar em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, quer dizer, professando a fé no Criador, no Filho e no que é chamado Dom de Deus.
Um só é o Criador de todas as coisas. Pois um só é Deus Pai, de quem tudo procede; um só é o Filho Unigênito, nosso Senhor Jesus Cristo, por quem tudo foi feito; e um só é o Espírito, que foi dado a todos nós.
Todas as coisas são ordenadas segundo suas capacida­des e méritos: um só é o Poder, do qual tudo procede; um só é o Filho, por quem tudo começa; e um só é o Dom, que é penhor da esperança perfeita. Nada falta a tão grande per­feição. Tudo é perfeitíssimo na Trindade, Pai, Filho e Espí­rito Santo: a infinidade no Eterno, o esplendor na Imagem, a atividade no Dom.
Escutemos o que diz a palavra do Senhor sobre a ação do Espírito em nós: Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de compreendê-las agora (Jo 16,12), É bom para vós que eu parta: se eu me for, vos mandarei o Defensor (cf. Jo 16,7). Em outro lugar: Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco: o Espírito da Verdade (Jo 14,16-17). Ele vos conduzirá à plena verdade. Pois ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido; e até as coisas futuras vos anuncia­rá. Ele me glorificará porque receberá do que é meu (Jo 16,13-14).
Estas palavras, entre muitas outras, foram ditas para nos dar a conhecer a vontade daquele que confere o Dom e a natureza e a perfeição do mesmo Dom. Por conseguinte, já que a nossa fraqueza não nos permite compreender nem o Pai nem o Filho, o Dom que é o Espírito Santo estabelece um certo contato entre nós e Deus, para iluminar a nossa fé nas dificuldades relativas à encarnação de Deus.
Assim, o Espírito Santo é recebido para nos tornar capazes de compreender. Como o corpo natural do homem permaneceria inativo se lhe faltassem os estímulos necessá­rios para as suas funções - os olhos, se não há luz ou não é dia, nada podem fazer; os ouvidos, caso não haja vozes ou sons, não cumprem seu ofício; o olfato, se não sente nenhum odor, para nada serve; não porque percam a sua capacidade natural, mas por falta de estímulo para agir - assim é a alma humana: se não recebe pela fé o Dom que é o Espírito, tem certamente uma natureza capaz de conhecer a Deus, mas falta-lhe a luz para chegar a esse conhecimento.
Este Dom de Cristo está inteiramente à disposição de todos e encontra-se em toda parte; mas é dado na medida do desejo e dos méritos de cada um. Ele está conosco até o fim do mundo; ele é o consolador no tempo da nossa espera; ele, pela atividade dos seus dons, é o penhor da nossa esperança futura; ele é a luz do nosso espírito; ele é o esplendor das nossas almas.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Quinta-feira da 7ª semana da Páscoa


Segunda leitura


Do Comentário sobre o Evangelho de João, de São Cirilo de Alexandria, bispo

(Lib. 10,16,6-7: PG 74,434)
(Séc. V)


Se eu não for, o Espírito não virá a vós

Cristo tinha cumprido a sua missão sobre a terra, e para nós havia chegado o momento de entrarmos em comunhão com a natureza divina do Verbo. Era preciso que a nossa vida anterior fosse transformada em outra diferente, come­çando um novo estilo de vida em santidade. Ora, isto só podia ser realizado pela participação do Espírito Santo.
O tempo mais oportuno para o envio do Espírito Santo e sua descida sobre nós foi o que se seguiu à ascensão de Cristo nosso Salvador.
De fato, enquanto Cristo vivia visivelmente entre os seus fiéis, ele mesmo, segundo julgo, dispensava-lhes todos os bens. Mas quando chegou o momento estabelecido para subir ao Pai celeste, era necessário que ele continuasse presente no meio de seus fiéis por meio do Espírito e habitasse pela fé em nossos corações, a fim de que pudésse­mos clamar com toda confiança: Aba - ó Pai! (Rm 8,15). E ainda nos tornássemos capazes de progredir sem demora no caminho da perfeição, superando com fortaleza invencível as ciladas do demônio e as perseguições dos homens, graças à assistência do Espírito todo-poderoso.
Não é difícil demonstrar, com o testemunho das Escri­turas, tanto do Antigo como do Novo Testamento, que o Espírito transforma e comunica uma vida nova àqueles em quem habita.
O servo de Deus Samuel, dirigindo-se a Saul, diz: O Espírito do Senhor virá sobre ti e tu te tornarás outro homem (cf. ISm 10,6). E São Paulo afirma: Todos nós, porém, com o rosto descoberto, contemplamos e refletimos a glória do Senhor, e assim seremos transformados à sua imagem, pelo seu Espírito. Pois o Senhor é Espírito (2Cor 3,18.17).
Vês como o Espírito transforma noutra imagem aqueles em quem habita? Facilmente ele os faz passar do amor das coisas terrenas à esperança das realidades celestes, e do temor e da indecisão à firme e generosa fortaleza de alma. Foi o que sucedeu com os discípulos: animados e fortaleci­dos pelo Espírito, nunca mais se deixaram intimidar pelos seus perseguidores, permanecendo inseparavelmente uni­dos e fiéis ao amor de Cristo.
É verdade, portanto, o que diz o Salvador: É bom para vós que eu volte para os céus (cf. Jo 16,7), porque tinha chegado o tempo de o Espírito Santo descer sobre eles.