sábado, 31 de outubro de 2020

Sábado da 30ª semana do Tempo Comum

 

Segunda leitura


Do Diálogo sobre a Providência divina, de Santa Catarina de Sena, virgem

 

(Cap. 134, ed. latina, Ingolstadii 1583, ffo 215v-216)

 

(Séc. XIV)

 

Como é bom e suave teu espírito, Senhor, em todas as coisas!

 

Com a indizível benignidade de sua clemência, o Pai eterno dirigiu o olhar para esta alma, e começou a falar: "Caríssima filha, determinei com firmeza usar de misericórdia para com o mundo e quero providenciar acerca de todas as situações dos homens. Mas o homem ignorante julga levar à morte aquilo que lhe concedo para a vida, e assim se torna muito cruel, para si próprio; no entanto, dele eu cuido sempre. Por isso quero que saibas: tudo quanto dou ao homem provém da suprema providência.

E o motivo está em que, tendo criado com providência, olhei em mim mesmo e fiquei cativo da beleza de minha criatura. Porque foi de meu agrado criá-la com grande providência à minha imagem e semelhança. Mais ainda, dei-lhe a memória para guardar meus benefícios em seu favor, por querer que participasse de meu poder de Pai eterno.

Dei-lhe, além disto, a inteligência para conhecer e compreender na sabedoria de meu Filho a minha vontade, porque sou com ardente caridade paterna o máximo doador de todas as graças. Concedi-lhe também a vontade de amar, participando da clemência do Espírito Santo, para poder amar aquilo que a inteligência visse e conhecesse.

Isto fez minha doce providência. Ser o único capaz de entender e de encontrar seu gozo em mim com alegria imensa na minha eterna visão. E como de outras vezes te falei, pela desobediência de vosso primeiro pai Adão, o céu estava fechado. Desta desobediência decorreram depois todos os males no mundo inteiro.

Para fazer desaparecer do homem a morte de sua desobediência, em minha clemência providenciei, entregando-vos meu Filho unigênito com grande sabedoria, para que assim reparasse vosso dano. Impus-lhe uma grande obediência, a fim de que o gênero humano se livrasse do veneno que se difundira no mundo pela desobediência de vosso primeiro pai. Assim, como que cativo de amor e com verdadeira obediência, correu com toda a rapidez, correu à ignominiosa morte sacratíssima, deu-vos a vida, não pelo vigor de sua humanidade, mas da divindade".

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Sexta-feira da 30ª semana do Tempo Comum

 

Segunda leitura


Das Obras de Balduíno de Cantuária, bispo

 

(Tract. 6: PL 204,451-453)

 

(Séc. XII)


A palavra de Deus é viva e eficaz

 

A palavra de Deus é viva e eficaz, mais penetrante que uma espada de dois gumes (Hb 4,12). Quão grande seja o poder e quanta sabedoria na palavra de Deus, estas palavras o demonstram aos que buscam a Cristo, que é o verbo, poder e sabedoria de Deus. Coeterno com o Pai no princípio, este verbo no tempo determinado revelou-se aos apóstolos e, por eles anunciado, foi humildemente recebido na fé pelos povos que crêem. Está, portanto, o verbo no Pai, o verbo nos lábios, o verbo no coração.

Esta palavra de Deus é viva; o Pai deu-lhe ter a vida em si mesmo, do mesmo modo como tem ele a vida em si mesmo. Por isto é não apenas viva, mas a vida, conforme ele disse a seu respeito: Eu sou o caminho, a verdade e a vida (Jo 14,6). Sendo a vida, é vivo de forma a ser vivificante. Pois, como o Pai ressuscita os mortos e vivifica-os, também o Filho vivifica a quem quer (Jo 5,21). É vivificante ao chamar o morto do sepulcro: Lázaro, vem para fora (Jo 11,42).

Quando esta palavra é pregada pela voz do pregador que se escuta no exterior, ele dá a esta voz a palavra de poder, percebida interiormente. Por ela, os mortos revivem e com seus louvores são suscitados filhos de Abraão. É, portanto, viva esta palavra no coração do Pai, viva na boca do pregador, viva no coração daquele que crê e ama. Sendo assim viva, não há dúvida de ser também eficaz.

É eficaz na criação das coisas, eficaz no governo do mundo, eficaz na redenção do universo. Que de mais eficaz, de mais poderoso? Quem dirá seus portentos, fará ouvir todo o seu louvor? (Sl 105,2). É eficaz ao agir, eficaz ao ser anunciada. Pois não volta vazia, mas tem êxito em tudo a quanto é enviada.

Eficaz e mais penetrante do que a espada de dois gumes (Hb 4,12), quando é crida e amada. O que será impossível a quem crê, ou difícil a quem ama? Quando este verbo fala, suas palavras transpassam o coração quais setas agudas do poderoso. Como pregos profundamente cravados, entram e penetram até o mais íntimo. Porque é mais aguda do que a espada de dois gumes esta palavra, já que é mais poderosa do que toda a força e poder para abrir, e mais sutil do que a maior argúcia do engenho humano. Mais que toda sabedoria humana e a sutileza das palavras doutas, é ela penetrante.

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Quinta-feira da 30ª semana do Tempo Comum

 

Segunda leitura


Dos Discursos contra os arianos, de Santo Atanásio, bispo

 

(Oratio 2,78.79: PG 26,311.314)

 

(Séc. IV)

 

Nas coisas criadas está impressa a imagem da Sabedoria

 

A forma da sabedoria foi criada em nós e está em tudo. É, portanto, muito justo que a verdadeira e criadora Sabedoria reivindique como própria sua forma em todas as coisas e diga: O Senhor me criou em suas obras (cf. Pr 8,22). Visto ser a sabedoria existente em nós quem fala, o Senhor a nomeia como bem próprio.

Não é, portanto, criado aquele que é o criador, mas por causa de sua imagem nas obras criadas, fala destas como de si mesmo. Do modo como o Senhor diz: Quem vos recebe a mim recebe (Mt 10,40), porque sua imagem está em nós, embora não incluído entre as coisas criadas, por ser sua forma e imagem criada nas obras, diz como de si mesmo: O Senhor no início de seus caminhos me criou (Pr 8,22).

A forma da sabedoria foi dada às criaturas para que o mundo nelas reconhecesse o Verbo, seu artífice, e pelo Verbo, o Pai. Na verdade é o mesmo que Paulo ensina: Porque o que se pode conhecer de Deus é manifesto para eles, Deus lhes manifestou. Pois desde a criação do mundo, através de suas criaturas as realidades invisíveis são contempladas pela inteligência (cf. Rm 1,19-20). Por conseguinte, o Verbo, por natureza, de modo algum é criado, mas este trecho deve ser entendido a respeito da sabedoria que se diz estar e ser verdadeiramente em nós.

Entretanto, se alguém não quiser acreditar nisto, responda-me: há ou não sabedoria nas coisas criadas? Se não há nenhuma, como é que o Apóstolo se queixa com as palavras: Pois que, na sabedoria de Deus, o mundo não conheceu a Deus pela sabedoria? (1Cor 1,21). Ou se não existe sabedoria, por que se comemora na Escritura a multidão dos sábios? Pois o sábio atemorizado afasta-se do mal (Pr 14,16), e com sabedoria constrói a casa (Pr 24,3).

O Eclesiastes também diz: A sabedoria do homem iluminará seu rosto (Ecl 8,1); e censura os temerários com as palavras: Não digas: Por que é que os tempos passados foram melhores do que os presentes? Não foi com sabedoria que indagaste isto (Ecl 7,10).

Então, se nas coisas criadas há sabedoria, como o filho de Sirac atesta: Difundiu-a em todas as suas obras e em todos os mortais conforme seu dom, e concedeu-a aos que o amam (Eclo 1,7-8), esta efusão não foi absolutamente da Sabedoria em sua natureza que subsiste por si mesma e é unigênita, mas daquela que se expressa no mundo. Que há, pois, de incrível que a própria Sabedoria criadora e verdadeira diga a respeito da sabedoria e ciência, forma ou figura suas, difundidas no mundo, como se fosse de si mesma: O Senhor me criou em suas obras? A sabedoria existente no mundo não é criadora, mas foi criada nas coisas; por ela os céus narram a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras de suas mãos (Sl 18,2).