Segunda leitura
Da Constituição pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no
mundo de hoje, do ConcílioVaticano II
(N.37-38)
(Séc.XX)
Toda a atividade humana deve ser purificada no mistério
pascal
A Sagrada Escritura, confirmada pela experiência dos séculos,
ensina à família humana que o progresso, grande bem para o homem, traz
também consigo uma enorme tentação. De fato, quando a hierarquia de
valores é alterada e o bem e o mal se misturam, os indivíduos e os
grupos consideram somente seus próprios interesses e não o dos outros.
Por esse motivo, o mundo deixa de ser o lugar da verdadeira
fraternidade, enquanto o aumento do poder da humanidade ameaça destruir
o próprio gênero humano. Se alguém pergunta como pode ser vencida essa
miserável situação, os cristãos afirmam que todas as atividades
humanas, quotidianamente postas em perigo pelo orgulho do homem e o
amor desordenado de si mesmo, precisam ser purificadas e levadas à
perfeição por meio da cruz e ressurreição de Cristo.
Redimido por Cristo e tornado nova criatura no Espírito Santo,
o homem pode e deve amar as coisas criadas pelo próprio Deus. Com
efeito, recebe-as de Deus; olha-as e respeita-as como dons vindos das
mãos de Deus. Agradecendo por elas ao divino Benfeitor e usando e
fruindo das criaturas em espírito de pobreza e liberdade, é introduzido
na verdadeira posse do mundo, como se nada tivesse e possuísse: Tudo
é vosso, mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus (1Cor 3,22-23).
O Verbo de Deus, por quem todas as coisas foram feitas, que se encarnou
e veio habitar na terra dos homens, entrou como homem perfeito na
história do mundo, assumindo-a e recapitulando-a em si. Ele nos revela
que Deus é amor (1Jo 4,8) e ao mesmo tempo nos ensina que a lei
fundamental da perfeição humana, e, portanto, da transformação do
mundo, é o novo mandamento do amor.
Aos que acreditam no amor de Deus, ele dá a certeza de que o
caminho do amor está aberto a todos os homens e não é inútil o esforço
para instaurar uma fraternidade universal. Adverte-nos também que esta
caridade não deve ser praticada somente nas grandes ocasiões, mas,
antes de tudo, nas circunstâncias ordinárias da vida. Sofrendo a morte
por todos nós pecadores, ele nos ensina com o seu exemplo que devemos
também carregar a cruz que a carne e o mundo impõem sobre os ombros dos
que procuram a paz e a justiça.
Constituído Senhor por sua ressurreição, Cristo, a quem foi
dado todo poder no céu e na terra, age nos corações dos homens pelo
poder de seu Espírito. Não somente suscita o desejo do mundo futuro,
mas anima, purifica e fortalece por esse desejo os propósitos generosos
com que a família humana procura melhorar suas condições de vida e
submeter para este fim a terra inteira.
São diversos, porém, os dons do Espírito. Enquanto chama alguns
para testemunharem abertamente o desejo da morada celeste e conservarem
vivo esse testemunho na família humana, chama outros para se dedicarem
ao serviço terrestre dos homens e prepararem com esse ministério a
matéria do reino dos céus. A todos, porém, liberta para que,
renunciando ao egoísmo e empregando todas as energias terrenas em prol
da vida humana, se lancem decididamente para as realidades futuras,
quando a própria humanidade se tornará uma oferenda agradável a Deus.
Segunda leitura
Das Cartas pascais de Santo Atanásio, bispo
(Ep. 5,1-2:PG26,1379-1380)
(Séc.IV)
O mistério pascal reúne na unidade da fé os que se encontram
fisicamente afastados
É muito belo, meus irmãos, passar de uma para outra festa, de
uma oração para outra, de uma solenidade para outra solenidade.
Aproxima-se o tempo que nos traz um novo início e o anúncio da santa
Páscoa, na qual o Senhor foi imolado. Do seu alimento nos sustentamos
como de um manjar de vida, e a nossa alma se delicia com o Sangue
precioso de Cristo como numa fonte. E, contudo, temos sempre sede desse
Sangue, sempre o desejamos ardentemente. Mas o nosso Salvador está
perto daqueles que têm sede, e na sua bondade convida todos os corações
sedentos para o grande dia da festa, dizendo: Se alguém tem sede,
venha a mim, e beba (Jo 7,37).
Sempre que nos aproximamos dele para beber, ele nos mata a
sede; e sempre que pedimos, podemos nos aproximar dele. A graça própria
desta celebração festiva não se limita apenas a um determinado momento;
nem seus raios fulgurantes conhecem ocaso, mas estão sempre prontos
para iluminar as almas de todos que o desejam. Exerce contínua
influência sobre aqueles que já foram iluminados e se debruçam dia e
noite sobre a Sagrada Escritura. Estes são como aquele homem que o
salmo proclama feliz, quando afirma: Feliz aquele homem que não
anda conforme o conselho dos perversos; que não entra no caminho dos
malvados, nem junto aos zombadores vai sentar-se; mas encontra seu
prazer na lei de Deus e a medita, dia e noite, sem cessar (Sl
1,1-2).
Por outro lado, amados irmãos, o Deus que desde o princípio
instituiu esta festa para nós, concede-nos a graça de celebrá-la cada
ano. Ele que, para nossa salvação, entregou à morte seu próprio Filho,
pelo mesmo motivo nos proporciona esta santa solenidade que não tem
igual no decurso do ano. Esta festa nos sustenta no meio das aflições
que encontramos neste mundo. Por ela Deus nos concede a alegria da
salvação e nos faz amigos uns dos outros. E nos conduz a uma única
assembleia, unindo espiritualmente a todos em todo lugar,
concedendo-nos orar em comum e render comuns ações de graças, como se
deve fazer em toda festividade. É este um milagre de sua bondade:
congrega nesta festa os que estão longe e reúne na unidade da fé os
que, porventura, se encontram fisicamente afastados.
Segunda leitura
Dos Sermões de São Leão Magno, papa
(Sermo 15, De passione
Domini,3-4: PL 54,366-367)
(Séc.V)
Contemplemos a paixão do Senhor
Quem venera realmente a paixão do Senhor deve contemplar de tal
modo, com os olhos do coração, Jesus crucificado, que reconheça na
carne do Senhor a sua própria carne. Trema a criatura perante o
suplício do seu Redentor, quebrem-se as pedras dos corações infiéis e
saiam para fora, vencendo todos os obstáculos, aqueles que jaziam
debaixo de seus túmulos. Apareçam também agora na cidade santa, isto é,
na Igreja de Deus, como sinais da ressurreição futura e realize-se nos
corações o que um dia se realizará nos corpos. A nenhum pecador é
negada a vitória da cruz e não há homem a quem a oração de Cristo não
ajude. Se ela foi útil para muitos dos que o perseguiam, quanto mais
não ajudará os que a ele se convertem?
Foi eliminada a ignorância da incredulidade, foi suavizada a
aspereza do caminho, e o sangue sagrado de Cristo extinguiu o fogo
daquela espada que impedia o acesso ao reino da vida. A escuridão da
antiga noite cedeu lugar à verdadeira luz. O povo cristão é convidado a
gozar as riquezas do paraíso, e para todos os batizados está aberto o
caminho de volta à pátria perdida, desde que ninguém queira fechar para
si próprio aquele caminho que se abriu também à fé do ladrão
arrependido.
Evitemos que as preocupações desta vida nos envolvam na
ansiedade e no orgulho, de tal modo que não procuremos, com todo o
afeto do coração, conformar-nos a nosso Redentor na perfeita imitação
de seus exemplos. Tudo o que ele fez ou sofreu foi para a nossa
salvação, a fim de que todo o Corpo pudesse participar da virtude da
Cabeça. Aquela sublime união da nossa natureza com a sua divindade,
pela qual o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14),
não exclui ninguém da sua misericórdia senão aquele que recusa
acreditar. Como poderá ficar fora da comunhão com Cristo quem recebe
aquele que assumiu a sua própria natureza e é regenerado pelo mesmo
Espírito por obra do qual nasceu Jesus? Quem não reconhece nele as
fraquezas próprias da condição humana? Quem não vê que alimentar-se,
buscar o repouso do sono, sofrer angústia e tristeza, derramar lágrimas
de compaixão, eram próprios da condição de servo?
Foi precisamente para curar a nossa natureza das antigas
feridas e purificá-la das manchas do pecado, que o Filho Unigênito de
Deus se fez também Filho do Homem, de modo que não lhe faltasse nem a
humanidade em toda a sua realidade, nem a divindade em sua plenitude. É
nosso, portanto, o que esteve morto no sepulcro, o que ressuscitou ao
terceiro dia e o que subiu para a glória do Pai, no mais alto dos céus.
Se andarmos pelos caminhos de seus mandamentos e não nos envergonharmos
de proclamar tudo o que ele fez pela nossa salvação na humildade do seu
corpo, também nós teremos parte na sua glória. Então se cumprirá
claramente o que prometeu: Portanto, todo aquele que se declarar a
meu favor diante dos homens, também eu me declararei em favor dele
diante do meu Pai que está nos céus (Mt 10,32).
Segunda leitura
Das Cartas de São Máximo, o Confessor, abade
(Epist. 11: PG91,454-455)
(Séc.VII)
A misericórdia do Senhor para com os pecadores que se
convertem
Os pregadores da verdade e os ministros da graça divina, todos
os que, desde o princípio até os nossos dias, cada um a seu tempo,
expuseram a vontade salvífica de Deus, dizem que nada lhe é tão
agradável e conforme a seu amor como a conversão dos homens a ele com
sincero arrependimento.
E para dar a maior prova da bondade divina, o Verbo de Deus Pai
(ou melhor, o primeiro e único sinal de sua bondade infinita), num ato
de humilhação que nenhuma palavra pode explicar, num ato de
condescendência para com a humanidade, dignou-se habitar no meio de
nós, fazendo-se homem. E realizou, padeceu e ensinou tudo o que era
necessário para que nós, seus inimigos e adversários, fôssemos
reconciliados com Deus Pai e chamados de novo à felicidade eterna que
havíamos perdido.
O Verbo de Deus não curou apenas nossas enfermidades com o
poder dos milagres. Tomou sobre si as nossas fraquezas, pagou a nossa
dívida mediante o suplício da cruz, libertando-nos dos nossos muitos e
gravíssimos pecados, como se ele fosse o culpado, quando na verdade era
inocente de qualquer culpa. Além disso, com muitas palavras e exemplos,
exortou-nos a imitá-lo na bondade, na compreensão e na perfeita
caridade fraterna.
Por isso dizia o Senhor: Eu não vim chamar os justos, mas
sim os pecadores para a conversão (Lc 5,32). E também: Aqueles
que têm saúde não precisam de médicos, mas sim os doentes (Mt
9,12). Disse ainda que viera procurar a ovelha desgarrada e que fora
enviado às ovelhas perdidas da casa de Israel. Do mesmo modo, pela
parábola da dracma perdida, deu a entender mais veladamente que viera
restaurar no homem a imagem divina que estava corrompida pelos mais
repugnantes pecados. E afirmou: Em verdade eu vos digo, haverá
alegria no céu por um só pecador que se converte (cf. Lc 15,7).
Por esse motivo, contou a parábola do bom samaritano: àquele
homem que caíra nas mãos dos ladrões, e fora despojado de todas as
vestes, maltratado e deixado semimorto, atou-lhe as feridas, tratou-as
com vinho e óleo e, tendo colocado em seu jumento, deixou-o numa
hospedaria para que cuidassem dele; pagou o necessário para o seu
tratamento e ainda prometeu, dar na volta, o que porventura se gastasse
a mais.
Mostrou-nos ainda a condescendência e bondade do pai que
recebeu afetuosamente o filho pródigo que voltava, como o abraçou
porque retornara arrependido, revestiu-o de novo com as insígnias de
sua nobreza familiar e esqueceu todo o mal que fizera. Pela mesma
razão, reconduziu ao redil a ovelhinha que se afastara das outras cem
ovelhas de Deus e fora encontrada vagueando por montes e colinas. Não
lhe bateu nem a ameaçou nem a extenuou de cansaço; pelo contrário,
colocando-a em seus próprios ombros, cheio de compaixão, trouxe-a sã e
salva para o rebanho.
E deste modo exclamou: Vinde a mim todos vós que estais
cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei
descanso. Tomai sobre vós o meu jugo (Mt 11,28-29). Ele chamava de
jugo os mandamentos ou a vida segundo os preceitos evangélicos; e
quanto ao peso, que pela penitência parecia ser grande e mais penoso,
acrescentou: O meu jugo é suave e o meu fardo é leve (Mt
11,30). Outra vez, querendo nos ensinar a justiça e a bondade de Deus,
exortava-nos com estas palavras: Sede santos, sede perfeitos, sede
misericordiosos, como também vosso Pai celeste é misericordioso
(cf. Mt 5,48; Lc 6,36). E: Perdoai, e sereis perdoados (Lc
6,37). Tudo quanto quereis que os outros vos façam, fazei também a eles
(Mt 7,12).
Segunda leitura
Dos Sermões de São Leão Magno, papa
(Sermo 10 de Quadragesima,
3-5:PL 54,299-301)
(Séc.V)
O bem da caridade
Diz o Senhor no Evangelho de João: Nisto todos conhecerão
que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros (Jo
13,35). E também se lê numa Carta do mesmo Apóstolo: Caríssimos,
amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que
ama nasceu de Deus e conhece Deus. Quem não ama, não chegou a conhecer
Deus, pois Deus é amor (1Jo 4,7-8). Examine-se a si mesmo cada um
dos fiéis, e procure discernir com sinceridade os mais íntimos
sentimentos de seu coração. Se encontrar na sua consciência algo que
seja fruto da caridade, não duvide que Deus está com ele; mas se
esforce por tornar-se cada vez mais digno de tão grande hóspede,
perseverando com maior generosidade na prática das obras de
misericórdia.
Se Deus é amor, a caridade não deve ter fim, porque a grandeza
de Deus não tem limites. Para praticar o bem da caridade, amados
filhos, todo tempo é próprio. Contudo, estes dias da Quaresma, a isso
nos exortam de modo especial. Se desejamos celebrar a Páscoa do Senhor
com o espírito e o corpo santificados, esforcemo-nos o mais possível
por adquirir essa virtude que contém em si todas as outras e cobre a
multidão dos pecados.
Ao aproximar-se a celebração deste mistério que ultrapassa
todos os outros, o mistério do sangue de Jesus Cristo que apagou as
nossas iniqüidades, preparemo-nos em primeiro lugar mediante o
sacrifício espiritual da misericórdia; o que a bondade divina nos
concedeu, demo-lo também nós àqueles que nos ofenderam. Seja, neste
tempo, mais larga a nossa generosidade para com os pobres e todos os
que sofrem, a fim de que os nossos jejuns possam saciar a fome dos
indigentes e se multipliquem as vozes que dão graças a Deus. Nenhuma
devoção dos fiéis agrada tanto a Deus como a dedicação para com os seus
pobres, pois nesta solicitude misericordiosa ele reconhece a imagem de
sua própria bondade.
Não temamos que essas despesas diminuam nossos recursos, porque
a benevolência é uma grande riqueza e não podem faltar meios para a
generosidade onde Cristo alimenta e é alimentado. Em tudo isso,
intervém aquela mão divina que ao partir o pão o faz crescer, e ao
reparti-lo multiplica-o. Quem dá esmola, faça-o com alegria e
confiança, porque tanto maior será o lucro quanto menos guardar para
si, conforme diz o santo Apóstolo Paulo: Aquele que dá a semente ao
semeador e lhe dará pão como alimento, ele mesmo multiplicará vossas
sementes e aumentará os frutos da vossa justiça (2Cor 9,10), em
Cristo Jesus, nosso Senhor, que vive e reina com o Pai e o Espírito
Santo pelos séculos dos séculos. Amém.
Segunda leitura
Das Homilias sobre o Levítico, de Orígenes, presbítero
(Hom. 9,5.10:PG12,515.523)
(Séc.III)
Cristo, sumo-sacerdote, é a nossa propiciação
Uma vez por ano o sumo sacerdote, afastando-se do povo, entra
no lugar onde estão o propiciatório, os querubins, a arca da aliança e
o altar do incenso; ninguém pode entrar aí, exceto o sumo sacerdote.
Mas consideremos o nosso verdadeiro sumo sacerdote, o Senhor Jesus
Cristo. Tendo assumido a natureza humana, ele estava o ano todo com o
povo – aquele ano do qual ele mesmo disse: O Senhor enviou-me para
anunciar a boa-nova aos pobres; proclamar um ano da graça do Senhor e o
dia do perdão (cf. Lc 4,18.19) – e uma só vez durante esse ano, no
dia da expiação, ele entrou no santuário, isto é, penetrou nos céus,
depois de cumprir sua missão redentora, e permanece diante do Pai, para
torná-lo propício ao gênero humano e interceder por todos os que nele
crêem.
Conhecendo esta propiciação que reconcilia os homens com o Pai,
diz o apóstolo João: Meus filhinhos, escrevo isto para que não pequeis.
No entanto, se alguém pecar, temos junto do Pai um Defensor: Jesus
Cristo, o Justo. Ele é a vítima de expiação pelos nossos pecados
(1Jo 2,1-2). Paulo lembra igualmente esta propiciação, ao falar de
Cristo: Deus o destinou a ser, por seu próprio sangue, instrumento
de expiação mediante a realidade da fé (Rm 3,25). Por isso, o dia
da expiação continua para nós até o fim do mundo.
Diz a palavra divina: Na presença do Senhor porá o incenso
sobre o fogo, de modo que a nuvem de incenso cubra o propiciatório que
está sobre a arca da aliança; assim não morrerá. Em seguida, pegará um
pouco do sangue do bezerro, e com o dedo, aspergirá o lado oriental do
propiciatório (cf. Lv 16,13-14). Ensinou assim aos antigos como
havia de ser celebrado o rito de propiciação, oferecido a Deus em favor
dos homens. Tu, porém, que te aproximaste de Cristo, o verdadeiro sumo
sacerdote que, com o seu sangue, tornou Deus propício para contigo e te
reconciliou com o Pai, não fixes tua atenção no sangue das vítimas
antigas. Procura antes conhecer o sangue do Verbo e ouve o que ele
mesmo te diz: Isto é o meu sangue, que será derramado por vós, para
remissão dos pecados (cf. Mt 26,28).
Também a aspersão para o lado do oriente tem o seu significado.
Do oriente nos vem a propiciação. É de lá que vem aquele homem cujo
nome é Oriente e que foi constituído mediador entre Deus e os homens.
Por esse motivo és convidado a olhar sempre para o oriente, de onde
nasce para ti o Sol da justiça, de onde a luz se levanta sobre ti, para
que nunca andes nas trevas, nem te surpreenda nas trevas o último dia;
a fim de que a noite e a escuridão da ignorância não caiam
sorrateiramente sobre ti, mas vivas sempre na luz da sabedoria, no
pleno dia da fé e no fulgor da caridade e da paz.
Segunda leitura
Dos Tratados sobre o Evangelho de São João,de Santo Agostinho,
bispo
(Tract. 34,8-9:CCL36,315-316)
(Séc.V)
Cristo é o caminho para a luz, a verdade para a vida
Diz o Senhor: Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, não
andará nas trevas, mas terá a luz da vida (Jo 8,12). Estas breves
palavras contêm um preceito e uma promessa. Façamos o que o Senhor
mandou, para esperarmos sem receio receber o que prometeu, e não nos
vir ele a dizer no dia do Juízo: “Fizeste o que mandei para esperares
agora alcançar o que prometi?” Responder-te-á: “Disse quem e
seguisses”. Pediste um conselho de vida. De que vida, senão daquela
sobre a qual foi dito: Em vós está a fonte da vida? (Sl 35,10).
Por conseguinte, façamos agora o que nos manda, sigamos o Senhor, e
quebremos os grilhões que nos impedem de segui-lo. Mas quem é capaz de
romper tais amarras se não for ajudado por aquele de quem se disse: Quebrastes
os meus grilhões? (Sl 115,7). E também noutro salmo: É o Senhor
quem liberta os cativos, o Senhor faz erguer-se o caído (Sl
145,7.8).
Somente os que assim são libertados e erguidos poderão seguir
aquela luz que proclama: Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, não
andará nas trevas. Realmente o Senhor faz os cegos verem. Os nossos
olhos, irmãos, são agora iluminados pelo colírio da fé. Para restituir
a vista ao cego de nascença, o Senhor começou por ungir-lhe os olhos
com sua saliva misturada com terra. Cegos também nós nascemos de Adão,
e precisamos de ser iluminados pelo Senhor. Ele misturou sua saliva com
a terra: E a Palavra se fez carne e habitou entre nós (Jo
1,14). Misturou sua saliva com a terra, como fora predito: A
verdade brotou da terra (cf. Sl 84,12). E ele próprio disse: Eu
sou o caminho, a verdade e a vida (Jo 14,6). A verdade nos saciará
quando o virmos face a face, porque também isso nos foi prometido. Pois
quem ousaria esperar, se Deus não tivesse prometido ou dado? Veremos
face a face, como diz o Apóstolo: Agora, conheço apenas de modo
imperfeito; agora, nós vemos num espelho, confusamente, mas, então,
veremos face a face (1Cor 13,12). E o apóstolo João diz numa de
suas cartas: Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas nem
sequer se manifestou o que seremos! Sabemos que, quando Jesus se
manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é
(1Jo 3,2). Eis a grande promessa!
Se o amas, segue-o! “Eu o amo, dizes tu, mas por onde o
seguirei?” Se o Senhor te houvesse dito: “Eu sou a verdade e a vida”,
tu que desejas a verdade e aspiras à vida, certamente procurarias o
caminho para alcançá-la e dirias a ti mesmo: “Grande coisa é a verdade,
grande coisa é a vida! Ah, se fosse possível à minha alma encontrar o
caminho para lá chegar!” Queres conhecer o caminho? Ouve o que o Senhor
diz em primeiro lugar: Eu sou o caminho. Antes de dizer aonde deves ir,
mostrou por onde deves seguir. Eu sou, diz ele, o caminho. O caminho
para onde? A verdade e a vida. Disse primeiro por onde deves seguir e
logo depois indicou para onde deves ir. Eu sou o caminho, eu sou a
verdade, eu sou a vida. Permanecendo junto do Pai, é verdade e vida;
revestindo-se de nossa carne, tornou-se o caminho.
Não te é dito: “Esforça-te por encontrar o caminho, para que
possas chegar à verdade e à vida”. Decerto não é isso que te dizem.
Levanta-te, preguiçoso! O próprio caminho veio ao teu
encontro e te despertou do sono em que dormias, se é que chegou a
despertar-te; levanta-te e anda! Talvez tentes andar e não consigas,
porque te doem os pés. Por que estão doendo? Não será pela dureza dos
caminhos que a avareza te levou a percorrer? Mas o Verbo de Deus curou
também os coxos. “Eu tenho os pés sadios, respondes, mas não vejo o
caminho”. Lembra-te que ele também deu a vista aos cegos.