sábado, 28 de março de 2020

Sábado da 4ª semana da Quaresma


Segunda leitura 
 
Da Constituição pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo de hoje, do ConcílioVaticano II 
 
(N.37-38) 
 
(Séc.XX) 
 
Toda a atividade humana deve ser purificada no mistério pascal 
 
A Sagrada Escritura, confirmada pela experiência dos séculos, ensina à família humana que o progresso, grande bem para o homem, traz também consigo uma enorme tentação. De fato, quando a hierarquia de valores é alterada e o bem e o mal se misturam, os indivíduos e os grupos consideram somente seus próprios interesses e não o dos outros. Por esse motivo, o mundo deixa de ser o lugar da verdadeira fraternidade, enquanto o aumento do poder da humanidade ameaça destruir o próprio gênero humano. Se alguém pergunta como pode ser vencida essa miserável situação, os cristãos afirmam que todas as atividades humanas, quotidianamente postas em perigo pelo orgulho do homem e o amor desordenado de si mesmo, precisam ser purificadas e levadas à perfeição por meio da cruz e ressurreição de Cristo.
Redimido por Cristo e tornado nova criatura no Espírito Santo, o homem pode e deve amar as coisas criadas pelo próprio Deus. Com efeito, recebe-as de Deus; olha-as e respeita-as como dons vindos das mãos de Deus. Agradecendo por elas ao divino Benfeitor e usando e fruindo das criaturas em espírito de pobreza e liberdade, é introduzido na verdadeira posse do mundo, como se nada tivesse e possuísse: Tudo é vosso, mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus (1Cor 3,22-23). O Verbo de Deus, por quem todas as coisas foram feitas, que se encarnou e veio habitar na terra dos homens, entrou como homem perfeito na história do mundo, assumindo-a e recapitulando-a em si. Ele nos revela que Deus é amor (1Jo 4,8) e ao mesmo tempo nos ensina que a lei fundamental da perfeição humana, e, portanto, da transformação do mundo, é o novo mandamento do amor.
Aos que acreditam no amor de Deus, ele dá a certeza de que o caminho do amor está aberto a todos os homens e não é inútil o esforço para instaurar uma fraternidade universal. Adverte-nos também que esta caridade não deve ser praticada somente nas grandes ocasiões, mas, antes de tudo, nas circunstâncias ordinárias da vida. Sofrendo a morte por todos nós pecadores, ele nos ensina com o seu exemplo que devemos também carregar a cruz que a carne e o mundo impõem sobre os ombros dos que procuram a paz e a justiça.
Constituído Senhor por sua ressurreição, Cristo, a quem foi dado todo poder no céu e na terra, age nos corações dos homens pelo poder de seu Espírito. Não somente suscita o desejo do mundo futuro, mas anima, purifica e fortalece por esse desejo os propósitos generosos com que a família humana procura melhorar suas condições de vida e submeter para este fim a terra inteira.
São diversos, porém, os dons do Espírito. Enquanto chama alguns para testemunharem abertamente o desejo da morada celeste e conservarem vivo esse testemunho na família humana, chama outros para se dedicarem ao serviço terrestre dos homens e prepararem com esse ministério a matéria do reino dos céus. A todos, porém, liberta para que, renunciando ao egoísmo e empregando todas as energias terrenas em prol da vida humana, se lancem decididamente para as realidades futuras, quando a própria humanidade se tornará uma oferenda agradável a Deus.

sexta-feira, 27 de março de 2020

Sexta-feira da 4ª semana da Quaresma


Segunda leitura 
 
Das Cartas pascais de Santo Atanásio, bispo 
 
(Ep. 5,1-2:PG26,1379-1380) 
 
(Séc.IV) 
 
O mistério pascal reúne na unidade da fé os que se encontram fisicamente afastados 
 
É muito belo, meus irmãos, passar de uma para outra festa, de uma oração para outra, de uma solenidade para outra solenidade. Aproxima-se o tempo que nos traz um novo início e o anúncio da santa Páscoa, na qual o Senhor foi imolado. Do seu alimento nos sustentamos como de um manjar de vida, e a nossa alma se delicia com o Sangue precioso de Cristo como numa fonte. E, contudo, temos sempre sede desse Sangue, sempre o desejamos ardentemente. Mas o nosso Salvador está perto daqueles que têm sede, e na sua bondade convida todos os corações sedentos para o grande dia da festa, dizendo: Se alguém tem sede, venha a mim, e beba (Jo 7,37).
Sempre que nos aproximamos dele para beber, ele nos mata a sede; e sempre que pedimos, podemos nos aproximar dele. A graça própria desta celebração festiva não se limita apenas a um determinado momento; nem seus raios fulgurantes conhecem ocaso, mas estão sempre prontos para iluminar as almas de todos que o desejam. Exerce contínua influência sobre aqueles que já foram iluminados e se debruçam dia e noite sobre a Sagrada Escritura. Estes são como aquele homem que o salmo proclama feliz, quando afirma: Feliz aquele homem que não anda conforme o conselho dos perversos; que não entra no caminho dos malvados, nem junto aos zombadores vai sentar-se; mas encontra seu prazer na lei de Deus e a medita, dia e noite, sem cessar (Sl 1,1-2).
Por outro lado, amados irmãos, o Deus que desde o princípio instituiu esta festa para nós, concede-nos a graça de celebrá-la cada ano. Ele que, para nossa salvação, entregou à morte seu próprio Filho, pelo mesmo motivo nos proporciona esta santa solenidade que não tem igual no decurso do ano. Esta festa nos sustenta no meio das aflições que encontramos neste mundo. Por ela Deus nos concede a alegria da salvação e nos faz amigos uns dos outros. E nos conduz a uma única assembleia, unindo espiritualmente a todos em todo lugar, concedendo-nos orar em comum e render comuns ações de graças, como se deve fazer em toda festividade. É este um milagre de sua bondade: congrega nesta festa os que estão longe e reúne na unidade da fé os que, porventura, se encontram fisicamente afastados.

quinta-feira, 26 de março de 2020

Quinta-feira da 4ª semana da Quaresma


Segunda leitura 
 
Dos Sermões de São Leão Magno, papa 
 
(Sermo 15, De passione Domini,3-4: PL 54,366-367) 
 
(Séc.V) 
 
Contemplemos a paixão do Senhor 
 
Quem venera realmente a paixão do Senhor deve contemplar de tal modo, com os olhos do coração, Jesus crucificado, que reconheça na carne do Senhor a sua própria carne. Trema a criatura perante o suplício do seu Redentor, quebrem-se as pedras dos corações infiéis e saiam para fora, vencendo todos os obstáculos, aqueles que jaziam debaixo de seus túmulos. Apareçam também agora na cidade santa, isto é, na Igreja de Deus, como sinais da ressurreição futura e realize-se nos corações o que um dia se realizará nos corpos. A nenhum pecador é negada a vitória da cruz e não há homem a quem a oração de Cristo não ajude. Se ela foi útil para muitos dos que o perseguiam, quanto mais não ajudará os que a ele se convertem?
Foi eliminada a ignorância da incredulidade, foi suavizada a aspereza do caminho, e o sangue sagrado de Cristo extinguiu o fogo daquela espada que impedia o acesso ao reino da vida. A escuridão da antiga noite cedeu lugar à verdadeira luz. O povo cristão é convidado a gozar as riquezas do paraíso, e para todos os batizados está aberto o caminho de volta à pátria perdida, desde que ninguém queira fechar para si próprio aquele caminho que se abriu também à fé do ladrão arrependido.
Evitemos que as preocupações desta vida nos envolvam na ansiedade e no orgulho, de tal modo que não procuremos, com todo o afeto do coração, conformar-nos a nosso Redentor na perfeita imitação de seus exemplos. Tudo o que ele fez ou sofreu foi para a nossa salvação, a fim de que todo o Corpo pudesse participar da virtude da Cabeça. Aquela sublime união da nossa natureza com a sua divindade, pela qual o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14), não exclui ninguém da sua misericórdia senão aquele que recusa acreditar. Como poderá ficar fora da comunhão com Cristo quem recebe aquele que assumiu a sua própria natureza e é regenerado pelo mesmo Espírito por obra do qual nasceu Jesus? Quem não reconhece nele as fraquezas próprias da condição humana? Quem não vê que alimentar-se, buscar o repouso do sono, sofrer angústia e tristeza, derramar lágrimas de compaixão, eram próprios da condição de servo?
Foi precisamente para curar a nossa natureza das antigas feridas e purificá-la das manchas do pecado, que o Filho Unigênito de Deus se fez também Filho do Homem, de modo que não lhe faltasse nem a humanidade em toda a sua realidade, nem a divindade em sua plenitude. É nosso, portanto, o que esteve morto no sepulcro, o que ressuscitou ao terceiro dia e o que subiu para a glória do Pai, no mais alto dos céus. Se andarmos pelos caminhos de seus mandamentos e não nos envergonharmos de proclamar tudo o que ele fez pela nossa salvação na humildade do seu corpo, também nós teremos parte na sua glória. Então se cumprirá claramente o que prometeu: Portanto, todo aquele que se declarar a meu favor diante dos homens, também eu me declararei em favor dele diante do meu Pai que está nos céus (Mt 10,32).

quarta-feira, 25 de março de 2020

Quarta-feira da 4ª semana da Quaresma


Segunda leitura 
 
Das Cartas de São Máximo, o Confessor, abade 
 
(Epist. 11: PG91,454-455) 

(Séc.VII) 
 
A misericórdia do Senhor para com os pecadores que se convertem 
 
Os pregadores da verdade e os ministros da graça divina, todos os que, desde o princípio até os nossos dias, cada um a seu tempo, expuseram a vontade salvífica de Deus, dizem que nada lhe é tão agradável e conforme a seu amor como a conversão dos homens a ele com sincero arrependimento.
E para dar a maior prova da bondade divina, o Verbo de Deus Pai (ou melhor, o primeiro e único sinal de sua bondade infinita), num ato de humilhação que nenhuma palavra pode explicar, num ato de condescendência para com a humanidade, dignou-se habitar no meio de nós, fazendo-se homem. E realizou, padeceu e ensinou tudo o que era necessário para que nós, seus inimigos e adversários, fôssemos reconciliados com Deus Pai e chamados de novo à felicidade eterna que havíamos perdido.
O Verbo de Deus não curou apenas nossas enfermidades com o poder dos milagres. Tomou sobre si as nossas fraquezas, pagou a nossa dívida mediante o suplício da cruz, libertando-nos dos nossos muitos e gravíssimos pecados, como se ele fosse o culpado, quando na verdade era inocente de qualquer culpa. Além disso, com muitas palavras e exemplos, exortou-nos a imitá-lo na bondade, na compreensão e na perfeita caridade fraterna.
Por isso dizia o Senhor: Eu não vim chamar os justos, mas sim os pecadores para a conversão (Lc 5,32). E também: Aqueles que têm saúde não precisam de médicos, mas sim os doentes (Mt 9,12). Disse ainda que viera procurar a ovelha desgarrada e que fora enviado às ovelhas perdidas da casa de Israel. Do mesmo modo, pela parábola da dracma  perdida, deu a entender mais veladamente que viera restaurar no homem a imagem divina que estava corrompida pelos mais repugnantes pecados. E afirmou: Em verdade eu vos digo, haverá alegria no céu por um só pecador que se converte (cf. Lc 15,7).
Por esse motivo, contou a parábola do bom samaritano: àquele homem que caíra nas mãos dos ladrões, e fora despojado de todas as vestes, maltratado e deixado semimorto, atou-lhe as feridas, tratou-as com vinho e óleo e, tendo colocado em seu jumento, deixou-o numa hospedaria para que cuidassem dele; pagou o necessário para o seu tratamento e ainda prometeu, dar na volta, o que porventura se gastasse a mais.
Mostrou-nos ainda a condescendência e bondade do pai que recebeu afetuosamente o filho pródigo que voltava, como o abraçou porque retornara arrependido, revestiu-o de novo com as insígnias de sua nobreza familiar e esqueceu todo o mal que fizera. Pela mesma razão, reconduziu ao redil a ovelhinha que se afastara das outras cem ovelhas de Deus e fora encontrada vagueando por montes e colinas. Não lhe bateu nem a ameaçou nem a extenuou de cansaço; pelo contrário, colocando-a em seus próprios ombros, cheio de compaixão, trouxe-a sã e salva para o rebanho.
E deste modo exclamou: Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo (Mt 11,28-29). Ele chamava de jugo os mandamentos ou a vida segundo os preceitos evangélicos; e quanto ao peso, que pela penitência parecia ser grande e mais penoso, acrescentou: O meu jugo é suave e o meu fardo é leve (Mt 11,30). Outra vez, querendo nos ensinar a justiça e a bondade de Deus, exortava-nos com estas palavras: Sede santos, sede perfeitos, sede misericordiosos, como também vosso Pai celeste é misericordioso (cf. Mt 5,48; Lc 6,36). E: Perdoai, e sereis perdoados (Lc 6,37). Tudo quanto quereis que os outros vos façam, fazei também a eles (Mt 7,12).

terça-feira, 24 de março de 2020

Terça-feira da 4ª semana da Quaresma


Segunda leitura 
 
Dos Sermões de São Leão Magno, papa 
 
(Sermo 10 de Quadragesima, 3-5:PL 54,299-301) 
 
(Séc.V) 
 
O bem da caridade 
 
Diz o Senhor no Evangelho de João: Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros (Jo 13,35). E também se lê numa Carta do mesmo Apóstolo: Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece Deus. Quem não ama, não chegou a conhecer Deus, pois Deus é amor (1Jo 4,7-8). Examine-se a si mesmo cada um dos fiéis, e procure discernir com sinceridade os mais íntimos sentimentos de seu coração. Se encontrar na sua consciência algo que seja fruto da caridade, não duvide que Deus está com ele; mas se esforce por tornar-se cada vez mais digno de tão grande hóspede, perseverando com maior generosidade na prática das obras de misericórdia.
Se Deus é amor, a caridade não deve ter fim, porque a grandeza de Deus não tem limites. Para praticar o bem da caridade, amados filhos, todo tempo é próprio. Contudo, estes dias da Quaresma, a isso nos exortam de modo especial. Se desejamos celebrar a Páscoa do Senhor com o espírito e o corpo santificados, esforcemo-nos o mais possível por adquirir essa virtude que contém em si todas as outras e cobre a multidão dos pecados.
Ao aproximar-se a celebração deste mistério que ultrapassa todos os outros, o mistério do sangue de Jesus Cristo que apagou as nossas iniqüidades, preparemo-nos em primeiro lugar mediante o sacrifício espiritual da misericórdia; o que a bondade divina nos concedeu, demo-lo também nós àqueles que nos ofenderam. Seja, neste tempo, mais larga a nossa generosidade para com os pobres e todos os que sofrem, a fim de que os nossos jejuns possam saciar a fome dos indigentes e se multipliquem as vozes que dão graças a Deus. Nenhuma devoção dos fiéis agrada tanto a Deus como a dedicação para com os seus pobres, pois nesta solicitude misericordiosa ele reconhece a imagem de sua própria bondade.
Não temamos que essas despesas diminuam nossos recursos, porque a benevolência é uma grande riqueza e não podem faltar meios para a generosidade onde Cristo alimenta e é alimentado. Em tudo isso, intervém aquela mão divina que ao partir o pão o faz crescer, e ao reparti-lo multiplica-o. Quem dá esmola, faça-o com alegria e confiança, porque tanto maior será o lucro quanto menos guardar para si, conforme diz o santo Apóstolo Paulo: Aquele que dá a semente ao semeador e lhe dará pão como alimento, ele mesmo multiplicará vossas sementes e aumentará os frutos da vossa justiça (2Cor 9,10), em Cristo Jesus, nosso Senhor, que vive e reina com o Pai e o Espírito Santo pelos séculos dos séculos. Amém.

segunda-feira, 23 de março de 2020

Segunda-feira da 4ª semana da Quaresma


Segunda leitura 
 
Das Homilias sobre o Levítico, de Orígenes, presbítero 
 
(Hom. 9,5.10:PG12,515.523) 
 
(Séc.III) 
 
Cristo, sumo-sacerdote, é a nossa propiciação 
 
Uma vez por ano o sumo sacerdote, afastando-se do povo, entra no lugar onde estão o propiciatório, os querubins, a arca da aliança e o altar do incenso; ninguém pode entrar aí, exceto o sumo sacerdote. Mas consideremos o nosso verdadeiro sumo sacerdote, o Senhor Jesus Cristo. Tendo assumido a natureza humana, ele estava o ano todo com o povo – aquele ano do qual ele mesmo disse: O Senhor enviou-me para anunciar a boa-nova aos pobres; proclamar um ano da graça do Senhor e o dia do perdão (cf. Lc 4,18.19) – e uma só vez durante esse ano, no dia da expiação, ele entrou no santuário, isto é, penetrou nos céus, depois de cumprir sua missão redentora, e permanece diante do Pai, para torná-lo propício ao gênero humano e interceder por todos os que nele crêem.
Conhecendo esta propiciação que reconcilia os homens com o Pai, diz o apóstolo João: Meus filhinhos, escrevo isto para que não pequeis. No entanto, se alguém pecar, temos junto do Pai um Defensor: Jesus Cristo, o Justo. Ele é a vítima de expiação pelos nossos pecados (1Jo 2,1-2). Paulo lembra igualmente esta propiciação, ao falar de Cristo: Deus o destinou a ser, por seu próprio sangue, instrumento de expiação mediante a realidade da fé (Rm 3,25). Por isso, o dia da expiação continua para nós até o fim do mundo.
Diz a palavra divina: Na presença do Senhor porá o incenso sobre o fogo, de modo que a nuvem de incenso cubra o propiciatório que está sobre a arca da aliança; assim não morrerá. Em seguida, pegará um pouco do sangue do bezerro, e com o dedo, aspergirá o lado oriental do propiciatório (cf. Lv 16,13-14). Ensinou assim aos antigos como havia de ser celebrado o rito de propiciação, oferecido a Deus em favor dos homens. Tu, porém, que te aproximaste de Cristo, o verdadeiro sumo sacerdote que, com o seu sangue, tornou Deus propício para contigo e te reconciliou com o Pai, não fixes tua atenção no sangue das vítimas antigas. Procura antes conhecer o sangue do Verbo e ouve o que ele mesmo te diz: Isto é o meu sangue, que será derramado por vós, para remissão dos pecados (cf. Mt 26,28).
Também a aspersão para o lado do oriente tem o seu significado. Do oriente nos vem a propiciação. É de lá que vem aquele homem cujo nome é Oriente e que foi constituído mediador entre Deus e os homens. Por esse motivo és convidado a olhar sempre para o oriente, de onde nasce para ti o Sol da justiça, de onde a luz se levanta sobre ti, para que nunca andes nas trevas, nem te surpreenda nas trevas o último dia; a fim de que a noite e a escuridão da ignorância não caiam sorrateiramente sobre ti, mas vivas sempre na luz da sabedoria, no pleno dia da fé e no fulgor da caridade e da paz.

domingo, 22 de março de 2020

Domingo da 4ª semana da Quaresma


Segunda leitura 
 
Dos Tratados sobre o Evangelho de São João,de Santo Agostinho, bispo 
 
(Tract. 34,8-9:CCL36,315-316) 
 
(Séc.V) 
 
Cristo é o caminho para a luz, a verdade para a vida 
 
Diz o Senhor: Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, não andará nas trevas, mas terá a luz da vida (Jo 8,12). Estas breves palavras contêm um preceito e uma promessa. Façamos o que o Senhor mandou, para esperarmos sem receio receber o que prometeu, e não nos vir ele a dizer no dia do Juízo: “Fizeste o que mandei para esperares agora alcançar o que prometi?” Responder-te-á: “Disse quem e seguisses”. Pediste um conselho de vida. De que vida, senão daquela sobre a qual foi dito: Em vós está a fonte da vida? (Sl 35,10). Por conseguinte, façamos agora o que nos manda, sigamos o Senhor, e quebremos os grilhões que nos impedem de segui-lo. Mas quem é capaz de romper tais amarras se não for ajudado por aquele de quem se disse: Quebrastes os meus grilhões? (Sl 115,7). E também noutro salmo: É o Senhor quem liberta os cativos, o Senhor faz erguer-se o caído (Sl 145,7.8).
Somente os que assim são libertados e erguidos poderão seguir aquela luz que proclama: Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, não andará nas trevas. Realmente o Senhor faz os cegos verem. Os nossos olhos, irmãos, são agora iluminados pelo colírio da fé. Para restituir a vista ao cego de nascença, o Senhor começou por ungir-lhe os olhos com sua saliva misturada com terra. Cegos também nós nascemos de Adão, e precisamos de ser iluminados pelo Senhor. Ele misturou sua saliva com a terra: E a Palavra se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14). Misturou sua saliva com a terra, como fora predito: A verdade brotou da terra (cf. Sl 84,12). E ele próprio disse: Eu sou o caminho, a verdade e a vida (Jo 14,6). A verdade nos saciará quando o virmos face a face, porque também isso nos foi prometido. Pois quem ousaria esperar, se Deus não tivesse prometido ou dado? Veremos face a face, como diz o Apóstolo: Agora, conheço apenas de modo imperfeito; agora, nós vemos num espelho, confusamente, mas, então, veremos face a face (1Cor 13,12). E o apóstolo João diz numa de suas cartas: Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos! Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é (1Jo 3,2). Eis a grande promessa!
Se o amas, segue-o! “Eu o amo, dizes tu, mas por onde o seguirei?” Se o Senhor te houvesse dito: “Eu sou a verdade e a vida”, tu que desejas a verdade e aspiras à vida, certamente procurarias o caminho para alcançá-la e dirias a ti mesmo: “Grande coisa é a verdade, grande coisa é a vida! Ah, se fosse possível à minha alma encontrar o caminho para lá chegar!” Queres conhecer o caminho? Ouve o que o Senhor diz em primeiro lugar: Eu sou o caminho. Antes de dizer aonde deves ir, mostrou por onde deves seguir. Eu sou, diz ele, o caminho. O caminho para onde? A verdade e a vida. Disse primeiro por onde deves seguir e logo depois indicou para onde deves ir. Eu sou o caminho, eu sou a verdade, eu sou a vida. Permanecendo junto do Pai, é verdade e vida; revestindo-se de nossa carne, tornou-se o caminho.
Não te é dito: “Esforça-te por encontrar o caminho, para que possas chegar à verdade e à vida”. Decerto não é isso que te dizem. Levanta-te,   preguiçoso! O próprio caminho veio ao teu encontro e te despertou do sono em que dormias, se é que chegou a despertar-te; levanta-te e anda! Talvez tentes andar e não consigas, porque te doem os pés. Por que estão doendo? Não será pela dureza dos caminhos que a avareza te levou a percorrer? Mas o Verbo de Deus curou também os coxos. “Eu tenho os pés sadios, respondes, mas não vejo o caminho”. Lembra-te que ele também deu a vista aos cegos.