sábado, 16 de maio de 2020

Sábado da 5ª semana da Páscoa


Segunda leitura


Dos Comentários sobre os salmos, de Santo Agostinho, bispo


(Ps 148,1-2: CCL 40,2165-2166)

(Séc. V)


O aleluia pascal

Toda a nossa vida presente deve transcorrer no louvor de Deus, porque louvar a Deus será também a alegria eterna de nossa vida futura. Ora, ninguém pode tornar-se apto para a vida futura se, desde já, não se prepara para ela. Agora louvamos a Deus, mas também rogamos a Deus. Nosso louvor está cheio de alegrias, e nossa oração, de gemidos. Foi-nos prometido algo que ainda não possuímos; porém, por ser feliz quem o prometeu, alegramo-nos na esperança; mas, como ainda não estamos na posse da promessa, gememos de ansiedade. É bom perseverarmos no desejo, até que a promessa se realize; então acabará o gemido e permanecerá somente o louvor.
Assim podemos considerar duas fases da nossa existência: a primeira, que acontece agora em meio às tentações e dificuldades da vida presente; e a segunda, que virá depois na segurança e alegria eterna. Por isso, foram instituídas para nós duas celebrações: a do tempo antes da Páscoa e a do tempo depois da Páscoa.
O tempo antes da Páscoa representa as tribulações que passamos nesta vida. O que celebramos agora, depois da Páscoa, significa a felicidade que alcançamos na vida futura. Portanto, antes da Páscoa celebramos o que estamos vivendo; depois da Páscoa celebramos e significamos o que ainda não possuímos. Eis porque passamos o primeiro tempo em jejuns e orações; no segundo, porém, que estamos celebrando, deixando os jejuns, nos dedicamos ao louvor de Deus. É este o significado do Aleluia que cantamos.
Em Cristo, nossa cabeça, ambos os tempos foram figurados e manifestados. A paixão do Senhor mostra-nos as dificuldades da vida presente, em que é preciso trabalhar, sofrer e por fim morrer. A ressurreição e glorificação do Senhor nos revelam a vida que um dia nos será dada.
Agora, pois, irmãos, vos exortamos a louvar a Deus. É isto o que todos nós exprimimos mutuamente quando cantamos: Aleluia. Louvai o Senhor, dizemos nós uns aos outros. E assim todos põem em prática aquilo que se exortam mutuamente. Mas louvai-o com todas as vossas forças, isto é, louvai a Deus não só com a língua e a voz, mas também com a vossa consciência, vossa vida, vossas ações.
Na verdade, louvamos a Deus agora que nos encontramos reunidos na igreja. Mas logo ao voltarmos para casa, parece que deixamos de louvar a Deus. Não deixes de viver santamente e louvarás sempre a Deus. Deixas de louvá-lo quando te afastas da justiça e do que lhe agrada. Mas, se nunca te desviares do bom caminho, ainda que tua língua se cale, tua vida clamará; e o ouvido de Deus estará perto do teu coração. Porque assim como nossos ouvidos escutam nossas palavras, assim os ouvidos de Deus escutam nossos pensamentos.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

Sexta-feira da 5ª semana da Páscoa


Segunda leitura


Dos Sermões do Bem-aventurado Isaac, abade do Mosteiro de Stella


(Sermo 42: PL 194,1831-1832)

(Séc. XII)

O primogênito de muitos irmãos


Como a cabeça e o corpo formam um só homem, assim o Filho da Virgem e seus membros escolhidos formam um só homem e um só Filho do homem. Cristo completo e total, como diz a Escritura, é cabeça e corpo. Com efeito, todos os membros juntos constituem um só corpo que, unido à sua cabeça, forma um só Filho do homem. Este, pela sua união com o Filho de Deus, forma um só Filho de Deus, o qual, pela sua união com Deus, forma um só Deus.
Conseqüentemente, todo o corpo com a cabeça é Filho do homem, é Filho de Deus, é Deus. Por isso se diz no Evangelho: Quero, Pai, que assim como eu e tu somos um, também eles sejam um em nós (cf. Jo 17,21). Vemos que, segundo esse famoso texto da Escritura, não existe o corpo sem a cabeça nem a cabeça sem o corpo; nem Cristo total, cabeça e corpo, sem Deus.
Tudo isto, portanto, pela sua união com Deus é um só Deus. O Filho de Deus, porém, está unido com Deus por natureza. O Filho do homem está unido com o Filho de Deus numa só pessoa; por sua vez, os membros do seu corpo estão unidos com ele sacramentalmente.
Por conseguinte, os membros fiéis e espirituais de Cristo, podem afirmar de si, com toda verdade, aquilo que ele é, até mesmo Filho de Deus e Deus. Mas o que ele é por natureza, os membros são por participação. O que ele é em plenitude, os membros são parcialmente. O que o Filho de Deus é por geração, os membros são por adoção, como está escrito: Recebestes um espírito de filhos adotivos, no qual todos clamamos: Abá – ó Pai! (Rm 8,15).
Este Espírito deu-lhes a capacidade de se tornarem filhos de Deus (Jo 1,12), para que o primogênito de muitos irmãos pudesse ensiná-los a dizer: Pai nosso que estais nos céus (Mt 6,9). E noutro lugar: Subo para junto do meu Pai e vosso Pai (Jo 20,17).
Pelo Espírito Santo, o Filho do homem nasceu da Virgem Maria como nossa cabeça; pelo mesmo Espírito, nós também renascemos na fonte batismal como filhos de Deus e membros do corpo de Cristo. E assim como ele nasceu livre de todo pecado, também nós renascemos pela remissão de nossos pecados.
Assim como na cruz ele tomou sobre seu corpo de carne os pecados de todo o corpo, do mesmo modo, pela graça da regeneração, concedeu ao seu corpo espiritual que não lhe fosse atribuído nenhum pecado, como está escrito: Feliz o homem a quem o Senhor não acusa de pecado (Sl 31,2). Este homem feliz é, sem a menor dúvida, Cristo: enquanto cabeça do Cristo místico é Deus e perdoa os pecados; enquanto cabeça do corpo, é o Filho do homem, nada tendo que se lhe deva perdoar; e enquanto o corpo da cabeça é formado por muitos, nada se lhe atribui.
Ele é justo em si mesmo e justifica-se a si mesmo. Ele próprio é Redentor e redimido. Tomou sobre seu corpo, na cruz, os pecados daquele corpo que ele purifica por meio da água do batismo, e continua salvando pela cruz e pela água. Ele é o Cordeiro de Deus que tira, que carrega o pecado do mundo (Jo 1,29). Ele é ao mesmo tempo sacerdote e vítima do sacrifício. Ele é Deus que, oferecendo-se a si mesmo, por si reconciliou-se consigo mesmo, com o Pai e com o Espírito Santo.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Quinta-feira da 5ª semana da Páscoa


Segunda leitura


Dos Tratados de São Gaudêncio de Bréscia, bispo


(Tract. 2: CSEL 68,26.29-30)

(Séc. IV)


A eucaristia, páscoa do Senhor

Um só morreu por todos. É ele mesmo que em todas as igrejas do mundo, pelo mistério do pão e do vinho, imolado, nos alimenta, acreditado, nos vivifica e, consagrado, santifica os que o consagram.
Esta é a carne e este é o sangue do Cordeiro. É o mesmo pão descido do céu que diz: O pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo (Jo 6,51). Também o seu sangue está expresso sob a espécie do vinho. Ele mesmo afirma no Evangelho: Eu sou a videira verdadeira (Jo 15,1), manifestando com toda clareza que é seu sangue todo vinho oferecido como sacramento da paixão. O grande patriarca Jacó já profetizara acerca de Cristo, ao dizer: Lavará no vinho a sua túnica e no sangue da uva o seu manto (Gn 49,11). Na verdade, haveria de lavar no seu próprio sangue a túnica do nosso corpo, que tomara sobre si como uma veste.
O Criador e Senhor da natureza, que produz o pão da terra, também transforma o pão no seu próprio Corpo (porque pode fazê-lo e assim havia prometido); do mesmo modo, aquele que transformou a água em vinho, transforma o vinho no seu sangue.
Diz a Escritura: É a páscoa do Senhor (Ex 12,11), isto é, a passagem do Senhor. Por isso não julguemos terrestres os elementos que se tornaram celestes, porque o Senhor “passou” para essas realidades terrestres e transformou-as no seu corpo e no seu sangue.
O que recebes é o corpo daquele pão do céu, e o sangue é daquela videira sagrada. Porque, ao dar o pão e o vinho consagrados a seus discípulos, disse-lhes: Isto é o meu corpo. Isto é o meu sangue (Mt 26,26.28). Acreditemos, portanto, naquele em quem pusemos a nossa confiança: a Verdade não sabe mentir.
Quando Jesus falava sobre a necessidade de comer seu corpo e de beber seu sangue, a multidão, desconcertada, murmurava: Esta palavra é dura! Quem consegue escutá-la? (Jo 6,60). Querendo purificar com o fogo celeste tais pensamentos – que deveis evitar, como já vos disse – ele acrescentou: O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida (Jo 6,63).