sábado, 29 de fevereiro de 2020

Sábado depois das Cinzas

Segunda leitura 
 

Do Tratado contra as heresias, de Santo Irineu, bispo 
 

(Lib. 4,13,4-14,1: Sch 100, 534-540)  
  (Séc. II) 
 

A amizade de Deus 
 
Nosso Senhor, o Verbo de Deus, que primeiro atraiu os homens para serem servos de Deus, libertou em seguida os que lhe estavam submissos, como ele próprio disse a seus discípulos: Já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai (Jo 15,15). A amizade de Deus concede a imortalidade aos que a obtém.

No princípio, Deus formou Adão, não porque tivesse necessidade do homem, mas para ter alguém que pudesse receber os seus benefícios. De fato, não só antes de Adão, mas antes da criação, o Verbo glorificava seu Pai, permanecendo nele, e era também glorificado pelo Pai, como ele mesmo declara: Pai, glorifica-me com a glória que eu tinha junto de ti antes que o mundo existisse (Jo 17,5). Não foi também por necessitar do nosso serviço que Deus nos mandou segui-lo, mas para dar-nos a salvação. Pois seguir o Salvador é participar da salvação, e seguir a luz é receber a luz.

Quando os homens estão na luz, não são eles que a iluminam, mas são iluminados e tornam-se resplandecentes por ela. Nada lhe proporcionam, mas dela recebem o benefício e a iluminação.

Do mesmo modo, o serviço que prestamos a Deus nada acrescenta a Deus, porque ele não precisa do serviço dos homens. Mas aos que o seguem e servem, Deus concede a vida, a incorruptibilidade e a glória eterna. Ele dá seus benefícios aos que o servem precisamente porque o servem e aos que o seguem precisamente porque o seguem; mas não recebe deles nenhum benefício, porque é rico, perfeito e de nada precisa.

Se Deus requer o serviço dos homens é porque, sendo bom e misericordioso, deseja conceder os seus dons aos que perseveram no seu serviço. Com efeito, Deus de nada precisa, mas o homem é que precisa da comunhão com Deus.

É esta, pois, a glória do homem: perseverar e permanecer no serviço de Deus. Por esse motivo dizia o Senhor a seus discípulos: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi (Jo 15,16), dando assim a entender que não eram eles que o glorificavam seguindo-o, mas, por terem seguido o Filho de Deus, eram por ele glorificados. E disse ainda: Quero que estejam comigo onde eu estiver, para que eles contemplem a minha glória (Jo 17,24)

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Sexta-feira depois das Cinzas

Segunda leitura 
 

Das Homílias do Pseudo-Crisóstomo 
 

(Supp., Hom. 6 de precatione: PG 64,462-466) 
 
(Séc. IV) 
 

A oração é a luz da alma 
 
A oração, o diálogo com Deus, é um bem incomparável, porque nos põe em comunhão íntima com Deus. Assim como os olhos do corpo são iluminados quando recebem a luz, a alma que se eleva para Deus é iluminada por sua luz inefável. Falo da oração que não é só uma atitude exterior, mas que provém do coração e não se limita a ocasiões ou horas determinadas, prolongando-se dia e noite, sem interrupção. Com efeito, não devemos orientar o pensamento para Deus apenas quando nos aplicamos à oração; também no meio das mais variadas tarefas - como o cuidado dos pobres, as obras úteis de misericórdia ou quaisquer outros serviços do próximo - é preciso conservar sempre vivos o desejo e a lembrança de Deus. E assim, todas as nossas obras, temperadas com o sal do amor de Deus, se tornarão um alimento dulcíssimo para o Senhor do universo. Podemos, entretanto, gozar continuamente em nossa vida do bem que resulta da oração, se lhe dedicarmos todo o tempo que nos for possível.

A oração é a luz da alma, o verdadeiro conhecimento de Deus, a mediadora entre Deus e os homens. Pela oração a alma se eleva até aos céus e une-se ao Senhor num abraço inefável; como uma criança que, chorando, chama sua mãe, a alma deseja o leite divino, exprime seus próprios desejos e recebe dons superiores a tudo que é natural e visível. A oração é venerável mensageira que nos leva à presença de Deus, alegra a alma e tranqüiliza o coração. Não penses que essa oração se reduza a palavras. Ela é desejo de Deus, amor inexprimível que não provém dos homens, mas é efeito da graça divina, como diz o Apóstolo: Nós não sabemos o que devemos pedir, nem como pedir; é o próprio Espírito que intercede em nosso favor, com gemidos inefáveis (Rm 8,26). Semelhante oração, quando o Senhor a concede a alguém, é uma riqueza que não lhe pode ser tirada e um alimento celeste que sacia a alma. Quem a experimentou inflama-se do desejo eterno de Deus, como que de um fogo devorador quê abrasa o coração.

Praticando-a em sua pureza original, adorna tua casa de modéstia e humildade, torna-a resplandecente com a luz da justiça. Enfeita-se com boas obras, quais plaquetas de ouro, ornamenta-se de fé e de magnanimidade em vez de paredes e mosaicos. Como cúpula e coroamento de todo o edifício, coloca a oração. Assim prepararás para o Senhor uma digna morada, assim terás um esplêndido palácio real para o receber, e poderás tê-lo contigo na tua alma, transformada, pela graça, em imagem e templo da sua presença.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Quinta-feira depois das Cinzas


Segunda leitura 
 
Dos Sermões de São Leão Magno, papa 
 

(Sermo 6 de Quadragesima, 1-2: PL 54,285-287) 
 

(Séc. V) 
 

A purificação espiritual por meio do jejum e da misericórdia 
 
Em todo tempo, amados filhos, a terra está repleta da misericórdia do Senhor (Sl 32,5). À própria natureza é para todo fiel uma lição que o ensina a louvar a Deus, pois o céu, a terra, o mar e tudo o que neles existe proclamam a bondade e a onipotência de seu Criador; e a admirável beleza dos elementos postos a nosso serviço requer da criatura racional uma justa ação de graças.

O retorno, porém, desses dias.que os mistérios da salvação humana marcaram de modo mais especial e que precedem imediatamente a festa da Páscoa, exige que nos preparemos com maior cuidado por meio de uma purificação espiritual.

Na verdade, é próprio da solenidade pascal que a Igreja inteira se alegre com o perdão dos pecados. Não é apenas nos que renascem pelo santo batismo que ele se realiza, mas também naqueles que desde há muito são contados entre os filhos adotivos.

É, sem dúvida, o banho da regeneração que nos torna criaturas novas; mas todos têm necessidade de se renovar a cada dia para evitarmos a ferrugem inerente à nossa condição mortal, e não há ninguém que não deva se esforçar para progredir no caminho da perfeição; por isso, todos sem exceção, devemos empenhar-nos para que, no dia da redenção, pessoa alguma seja ainda encontrada nos vícios do passado.

Por conseguinte, amados filhos, aquilo que cada cristão deve praticar em todo tempo, deve praticá-lo agora com maior zelo e piedade, para cumprir a prescrição, que remonta aos apóstolos, de jejuar quarenta dias, não somente reduzindo os alimentos, mas sobretudo abstendo-se do pecado.

A estes santos e razoáveis jejuns, nada virá juntar-se com maior proveito do que as esmolas. Sob o nome de obras de misericórdia, incluem-se muitas e louváveis ações de bondade; graças a elas, todos os fiéis podem manifestar igualmente os seus sentimentos, por mais diversos que sejam os recursos de cada um.

Se verdadeiramente amamos a Deus e ao próximo, nenhum obstáculo impedirá nossa boa vontade. Quando os anjos cantaram: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade (Lc 2,14), proclamavam bem-aventurado, não só pela virtude da benevolência mas também pelo dom da paz, todo aquele que, por amor, se compadece do sofrimento alheio.

São inúmeras as obras de misericórdia, o que permite aos verdadeiros cristãos tomar parte na distribuição de esmolas, sejam eles ricos, possuidores de grandes bens, ou pobres, sem muitos recursos. Apesar de nem todos poderem ser iguais na possibilidade de dar, todos podem sê-lo na boa vontade que manifestam.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Quarta-feira de Cinzas

Segunda leitura 
 
Da Carta aos Coríntios, de São Clemente I, papa 
 
(Cap. 7,4-8,3; 8,5-9,1; 13,1-4; 19,2: Funk 1,71-73.77-79.87)  

(Sec. I) 
 
Fazei penitência 
 
Fixemos atentamente o olhar no sangue de Cristo e compreendamos quanto é precioso aos olhos de Deus, seu Pai, esse sangue que, derramado para nossa salvação, ofereceu ao mundo inteiro a graça da penitência. Percorramos todas as épocas do mundo e verificaremos que em cada geração o Senhor concedeu o tempo favorável da penitência a todos os que a ele quiseram converter-se. Noé proclamou a penitência, e todos que o escutaram foram salvos. Jonas anunciou a ruína aos ninivitas, mas eles, fazendo penitência de seus pecados, reconciliaram-se com Deus por suas súplicas e alcançaram a salvação, apesar de não pertencerem ao povo de Deus.
Inspirados pelo Espírito Santo, os ministros da graça de Deus pregaram a penitência. O próprio Senhor de todas as coisas também falou da penitência, com juramento: Pela minha vida, diz o Senhor, não quero a morte do pecador, mas que mude de conduta (cf. Ez 33,11); e acrescentou esta sentença cheia de bondade: Deixa de praticar o mal, ó Casa de Israel! Dize aos filhos do meu povo: "Ainda que vossos pecados subam da terra até o céu, ainda que sejam mais vermelhos que o escarlate e mais negros que o cilício, se voltardes para mim de todo o coração e disserdes: 'Pai', eu vos tratarei como um povo santo e ouvirei as vossas súplicas” (cf. Is 1,18; 63,16; 64,7; Jr 3,4; 31,9).
Querendo levar à penitência todos aqueles que amava, o Senhor confirmou esta sentença com sua vontade todo-poderosa. Obedeçamos, portanto, à sua excelsa e gloriosa vontade. Imploremos humildemente sua misericórdia e benignidade. Convertamo-nos sinceramente ao seu amor. Abandonemos as obras más, a discórdia e a inveja que conduzem à morte. Sejamos humildes de coração, irmãos, evitando toda espécie de vaidade, soberba, insensatez e cólera, para cumprirmos o que está escrito. Pois diz o Espírito Santo: Não se orgulhe o sábio em sua sabedoria, nem o forte com sua força, nem o rico em sua riqueza; mas quem se gloria, glorie-se no Senhor, procurando-o e praticando o direito e justiça (cf. Jr 9,22-23; ICor 1,31).
Antes de mais nada, lembremo-nos das palavras do Senhor Jesus, quando exortava à benevolência e à longanimidade: Sede misericordiosos, e alcançareis misericórdia; perdoai, e sereis perdoados; como tratardes o próximo, do mesmo modo sereis tratados; dai, e vos será dado; não julgueis, e não sereis julgados; fazei o bem, e ele também vos será feito; com a medida com que medirdes, vos será medido (cf. Mt 5,7; 6,14; 7,1.2). Observemos fielmente este preceito e estes mandamentos, a fim de nos conduzirmos sempre, com toda humildade, na obediência às suas santas palavras. Pois eis o que diz o texto sagrado: Para quem hei de olhar, senão para o manso e humilde, que treme ao ouvir minhas palavras ? (cf. Is 66,2).
Tendo assim participado de muitas, grandes e gloriosas ações, corramos novamente para a meta que nos foi proposta desde o início: a paz. Fixemos atentamente nosso olhar no Pai e Criador do universo e desejemos com todo ardor seus dons de paz e seus magníficos e incomparáveis benefícios.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Terça-feira da 7ª semana do Tempo Comum

Segunda leitura 
 
Das Homilias sobre o Eclesiastes, de São Gregório de Nissa, bispo 
 
(Hom. 6: PG 44,702-703) 
 

(Séc. IV) 
 


Há um tempo de dar à luz e um tempo de morrer 
 
Há um tempo de dar à luz e um tempo de morrer. Muito bem expressa no princípio de suas palavras a necessária ligação ao unir a morte ao nascimento. Pois obrigatoriamente a morte segue o parto e toda geração vai dar na dissolução.
Há um tempo de dar à luz e um tempo de morrer. Oxalá que a mim também suceda nascer em tempo desejado e morrer também em tempo oportuno. Ninguém irá pensar que o Eclesiastes se refere ao nascimento involuntário e à morte natural, como se nisso houvesse uma reta ação virtuosa. Não é pela vontade da mulher que existe o parto, nem a morte depende do livre-arbítrio dos que morrem. Nunca se definirá como virtude ou vício aquilo que não está em nosso poder. É preciso, portanto, compreender o parto num tempo querido e a morte num tempo oportuno.
Quanto a mim, parece-me que um parto é perfeito e não abortivo quando, no dizer de Isaías, alguém concebe pelo temor de Deus e pela alma em dores de parto gera sua salvação. Pois somos, de certo modo, pais de nós mesmos, nos concebemos e nos damos à luz a nós mesmos.
Assim nos acontece, porque acolhemos Deus em nós, feitos filhos de Deus, filhos da virtude, filhos do Altíssimo. Mas também nos damos à luz como abortivos e nos tornamos imperfeitos e imaturos, quando não se formou em nós, segundo diz o Apóstolo, a forma de Cristo. É preciso ser íntegro e perfeito o homem de Deus.
Se, pois, está claro como se nasce em tempo, também é claro para todos de que maneira se morre em tempo; para São Paulo, todo tempo era oportuno para uma boa morte. Em seus escritos declara, quase como um protesto: Morro todos os dias para vossa glorificação, e ainda: Por ti somos entregues à morte cotidianamente. E nós também tivemos uma sentença de morte dentro de nós mesmos.
Não é difícil entender de que maneira Paulo morre diariamente, ele que nunca vive para o pecado, que sempre faz morrer seus membros carnais e traz em si a morte do corpo de Cristo, que sempre está crucificado com Cristo e nunca vive para si mas em si tem o Cristo vivo. Esta é, parece-me, a morte oportuna, aquela que obtém a verdadeira vida.
Foi dito: Eu dou a morte e faço viver, para que não haja dúvida que é um verdadeiro dom de Deus o morrer para o pecado e o ser vivificado pelo Espírito. Pelo fato mesmo de dar a morte, a palavra divina promete vivificar.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Segunda-feira da 7ª semana do Tempo Comum

Segunda leitura 
 
Das Homilias sobre o Eclesiastes, de São Gregório de Nissa, bispo 
 
(Hom. 5: PG 44,683-686) 
 

(Séc. IV) 
 


Os olhos dos sábios estão em sua cabeça 
 
Se a alma levantar os olhos para sua cabeça, que é Cristo – conforme comparação de Paulo – considere-se feliz pela viva agudeza de seu olhar, porquanto tem os olhos ali onde não existe a escuridão do mal. O grande Paulo, e quem quer que seja igualmente grande, tem os olhos na cabeça, como também os tem todos os que vivem, se movem e são em Cristo. Pois como não é possível que veja trevas quem está na luz, também não pode acontecer que quem tem olhos em Cristo, os fixe em alguma coisa vã.
Quem, pois, tem os olhos na cabeça, entendendo cabeça por princípio de tudo, tem olhos em toda virtude (Cristo é a virtude absoluta e perfeita), na verdade, na justiça, na incorruptibilidade, em todo bem. Os olhos do sábio estão em sua cabeça; o insensato, porém, caminha nas trevas. Quem não põe sua lâmpada sobre o candelabro, mas coloca-a debaixo do leito, faz com que a luz seja trevas.
Ao contrário, quão numerosos são aqueles que, por suas lutas, se enriquecem com as realidades supremas, vivem na contemplação da verdade e, no entanto, são tidos por cegos e inúteis, tais como Paulo a gloriar-se, dizendo-se insensato por causa de Cristo. A prudência e sabedoria dele não se preocupavam nunca com aquilo que é objeto de nossos cuidados. Diz ele: Nós, estultos por Cristo, como se dissesse: "Nós, cegos em relação às coisas daqui de baixo, porque olhamos para cima e temos os olhos na cabeça . Por este motivo era sem teto e sem mesa, pobre, peregrino, nu, sofrendo fome e sede.
Quem não o julgaria infeliz, vendo-o preso e açoitado como um infame, após o naufrágio, ser levado pelas ondas do mar alto, e conduzido daqui para ali em cadeias? E, no entanto, embora tratado desta maneira entre os homens, não despregou os olhos, mantendo-os sempre em Cristo, Cabeça e dizia: Quem nos separará da caridade de Cristo, que está em Cristo Jesus? aflição, angústia, perseguição, fome, nudez, perigos, espada? Como se dissesse: "Quem arrancará meus olhos da Cabeça e os voltará para aquilo que se calca aos pés?
A nós também nos exorta a agir de modo semelhante quando ordena ter gosto pelas coisas do alto; não é isto o mesmo que dizer termos os olhos em Cristo, Cabeça?

domingo, 23 de fevereiro de 2020

Domingo da 7ª semana do Tempo Comum

Segunda leitura 
 
Dos Capítulos sobre a Caridade, de São Máximo Confessor, abade
(Centuria 1, cap. 1,4-5.16-17.23-24.26-28.30-40: PG 90,962-967) 
 

(Séc. VIII) 
 


Sem a caridade, tudo é vaidade das vaidades 
 

A caridade é a boa disposição do espírito, que nada coloca acima do divino conhecimento. Ninguém poderá jamais alcançar uma caridade permanente de Deus, se estiver preso pelo espírito a qualquer coisa terrena.
Quem ama a Deus antepõe o conhecimento e a ciência dele a toda sua criatura. Nele pensa incessantemente com íntimo desejo e amor.
Se todas as coisas que existem têm Deus por criador e por ele foram feitas, então Deus, que assim as criou, como não será incomparavelmente de maior valor? Quem abandona a Deus, o bem insuperável e se entrega ao que é pior, dá provas de considerar Deus abaixo da criação.
Quem me ama, diz o Senhor, guardará meus mandamentos. É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros. Portanto, quem não ama o próximo, não guarda o mandamento. Quem não guarda o mandamento, também não pode amar o Senhor.
Feliz o homem que é capaz de amar igualmente todos os homens. Quem ama a Deus, ama também sem exceção o próximo. Sendo assim, não consegue guardar seu dinheiro, mas gasta-o divinamente, dando a quem quer que dele precise.
Quem, à imitação de Deus, dá esmolas, não faz diferença nas necessidades corporais entre bons e maus, porém a todos igualmente distribui em vista da indigência real. Contudo, em atenção à boa vontade, prefere o virtuoso e diligente ao mau.
A caridade não se revela apenas nas esmolas em dinheiro. Muito mais em partilhar a doutrina e em prestar serviços corporais.
Quem, verdadeiramente, de coração, rejeita as coisas mundanas e, sem fingimento, se entrega aos serviços de caridade para com o próximo, este, bem depressa liberto dos vícios e paixões, torna-se participante do amor e ciência de Deus.
Quem encontrou em si a caridade divina, sem cansaço, sem fadiga, segue o Senhor, seu Deus, conforme o admirável Jeremias, mas com fortaleza de ânimo suporta todo labor, opróbrio e injúria, sem nada pensar de mal.
Não digais, diz o profeta Jeremias, somos o templo do Senhor. Tu também não digas: "A fé nua, sem mais, em nosso Senhor Jesus Cristo, pode conceder-me a salvação". Isto não pode ser se não lhe unires também o amor por ele mediante as obras. Quanto à simples fé: Os demônios também crêem e tremem.
Obra de caridade é prestar de boa vontade benefícios ao próximo como também a longanimidade e a paciência; e ainda, usar das coisas com discernimento.