Do Tratado contra as heresias, de Santo Irineu, bispo
(Lib. 4,13,4-14,1: Sch 100, 534-540)
A amizade de Deus
No princípio, Deus formou Adão, não porque tivesse necessidade do homem, mas para ter alguém que pudesse receber os seus benefícios. De fato, não só antes de Adão, mas antes da criação, o Verbo glorificava seu Pai, permanecendo nele, e era também glorificado pelo Pai, como ele mesmo declara: Pai, glorifica-me com a glória que eu tinha junto de ti antes que o mundo existisse (Jo 17,5). Não foi também por necessitar do nosso serviço que Deus nos mandou segui-lo, mas para dar-nos a salvação. Pois seguir o Salvador é participar da salvação, e seguir a luz é receber a luz.
Quando os homens estão na luz, não são eles que a iluminam, mas são iluminados e tornam-se resplandecentes por ela. Nada lhe proporcionam, mas dela recebem o benefício e a iluminação.
Do mesmo modo, o serviço que prestamos a Deus nada acrescenta a Deus, porque ele não precisa do serviço dos homens. Mas aos que o seguem e servem, Deus concede a vida, a incorruptibilidade e a glória eterna. Ele dá seus benefícios aos que o servem precisamente porque o servem e aos que o seguem precisamente porque o seguem; mas não recebe deles nenhum benefício, porque é rico, perfeito e de nada precisa.
Se Deus requer o serviço dos homens é porque, sendo bom e misericordioso, deseja conceder os seus dons aos que perseveram no seu serviço. Com efeito, Deus de nada precisa, mas o homem é que precisa da comunhão com Deus.
É esta, pois, a glória do homem: perseverar e permanecer no serviço de Deus. Por esse motivo dizia o Senhor a seus discípulos: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi (Jo 15,16), dando assim a entender que não eram eles que o glorificavam seguindo-o, mas, por terem seguido o Filho de Deus, eram por ele glorificados. E disse ainda: Quero que estejam comigo onde eu estiver, para que eles contemplem a minha glória (Jo 17,24)