Sexta-feira da 3ª semana da Quaresma
Segunda leitura
Dos Comentários sobre o livro de Jó, de São Gregório Magno, papa
(Lib. 13,21-23: PL75,1028-1029)
(Séc.VI)
O mistério da nossa vida nova
O bem-aventurado Jó, como figura da santa Igreja, ora fala em
nome do corpo, ora em nome da cabeça. Mas, às vezes, ocorre que, quando
fala dos membros, toma subitamente as palavras da cabeça. Eis por que
diz: Sofri tudo isso, embora não haja violência em minhas mãos e
minha oração seja pura(Jó 16,17). Sem haver violência alguma em
suas mãos, teve também que sofrer aquele que não cometeu pecado e em
cuja boca não se encontrou falsidade; no entanto, pela nossa salvação,
suportou o tormento da cruz. Foi ele o único que elevou a Deus uma
oração pura, pois mesmo em meio aos sofrimentos da paixão orou por seus
perseguidores, dizendo: Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que
fazem! (Lc 23,34).
Quem poderá dizer ou pensar uma oração mais pura do que esta em
que se pede misericórdia por aqueles mesmos que infligem a dor? Por
isso, o sangue de nosso Redentor, derramado pela crueldade dos
perseguidores,se transformou depois em bebida de salvação para os que
nele acreditariam e o proclamariam Filho de Deus. Acerca deste sangue,
continua com razão o texto sagrado: Ó terra, não cubras o meu
sangue, nem sufoques o meu clamor (Jó 16,18). E ao homem pecador
foi dito: És pó e ao pó hás de voltar (Gn 3,19). A terra, de
fato, não ocultou o sangue de nosso Redentor, pois qualquer pecador, ao
beber o preço de sua redenção, o proclama e louva e, como pode, o
manifesta aos outros.
A terra não cobriu também o seu sangue porque a santa Igreja já
anunciou em todas as partes do mundo o mistério de sua redenção.
Notemos no que se diz a seguir: Nem sufoques meu clamor. O próprio
sangue da redenção, por nós bebido, é o clamor de nosso Redentor. Por
isso diz também Paulo: Vós vos aproximastes da aspersão do sangue
mais eloqüente que o de Abel (Hb 12,24). E do sangue de Abel fora
dito: A voz do sangue de teu irmão está clamando da terra por mim
(Gn 4,10). O sangue de Jesus é mais eloqüente que o de Abel, porque o
sangue de Abel pedia a morte do irmão fratricida, ao passo que o sangue
do Senhor obteve a vida para seus perseguidores.
Assim, para que não nos seja inútil o sacramento da paixão do
Senhor, devemos imitar aquilo que recebemos e anunciar aos outros o que
veneramos. O clamor de Cristo fica sufocado em nós, se a língua não
proclama aquilo em que o coração acredita. Para que esse clamor não
seja sufocado em nós, é preciso que, na medida de suas possibilidades,
cada um manifeste aos outros o mistério de sua vida nova.
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