Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo
(Sermo
185: PL 38, 997-999)
(Séc.
V)
A verdade brotou da terra e a justiça olhou do alto do céu
Desperta, ó homem: por tua causa Deus se fez
homem. Desperta, tu que dormes,
levanta-te dentre os mortos e sobre ti Cristo resplandecerá (Ef 5,14). Por
tua causa, repito, Deus se fez homem.
Estarias morto para sempre, se ele não
tivesse nascido no tempo. Jamais te libertarias da carne do pecado, se ele não
tivesse assumido uma carne semelhante à do pecado. Estarias condenado a uma
eterna miséria, se não fosse a sua misericórdia. Não voltarias à vida, se ele
não tivesse vindo ao encontro da tua morte. Terias perecido, se ele não te
socorresse. Estarias perdido, se ele não viesse salvar-te.
Celebremos com alegria a vinda da nossa
salvação e redenção. Celebremos este dia de festa, em que o grande e eterno
Dia, gerado pelo Dia grande e eterno, veio a este nosso dia temporal e tão
breve. Ele se tornou para nós justiça,
santificação e libertação, para que, como está escrito, “quem se gloria,
glorie-se no Senhor” (1Cor 1,30-31). A
verdade brotará da terra (Sl 84,12), o Cristo que disse: eu sou a verdade (Jo 14,6), nasceu da
Virgem. E a justiça olhou do alto do céu
(cf. Sl 84,12), porque o homem, crendo naquele que nasceu, é justificado não
por si mesmo, mas por Deus.
A verdade
brotou da terra porque o Verbo se fez carne
(Jo 1,14). E a justiça olhou do alto do
céu porque todo o dom precioso e toda
a dádiva perfeita vêm do alto (Tg 1,17). A verdade brotou da terra, isto é,
da carne de Maria. E a justiça olhou do
alto do céu porque o homem não pode
receber coisa alguma, se não lhe for dada do céu (Jo 3,27).
Justificados
pela fé, estamos em paz com Deus (Rm 5,1) porque a
justiça e a paz se beijaram (cf. Sl 84,11) por intermédio de nosso Senhor
Jesus Cristo, pois a verdade brotou da
terra. Por ele tivemos acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes e
nos gloriamos, na esperança da glória de Deus (Rm 5,2). Não disse “de nossa
glória”, mas da glória de Deus,
porque a justiça não procede de nós,
mas olha do alto do céu. Portanto, quem se gloria não se glorie em si
mesmo, mas no Senhor. Eis por que, quando o Senhor nasceu da Virgem, os anjos
cantaram: Glória a Deus nas alturas e paz
na terra aos homens de boa vontade (Lc 2,14 Vulgata).
Como veio a paz à terra senão por ter a verdade brotado da terra, isto é,
Cristo ter nascido em carne humana? Ele é
a nossa paz: de dois povos fez um só (cf. Ef 2,14), para que fôssemos
homens de boa vontade, unidos uns aos outros pelo suave vínculo da caridade. Alegremo-nos
com esta graça, para que nossa glória seja o testemunho da nossa consciência, e
assim nos gloriaremos, não em nós mesmos, mas no Senhor. Por isso disse o
Salmista: Vós sois a minha glória que levanta
a minha cabeça (Sl 3,4). Na verdade, que graça maior Deus poderia nos
conceder do que, tendo um único Filho, fazê-lo Filho do homem e reciprocamente
fazer os filhos dos homens serem filhos de Deus? Procurai o mérito, procurai a
causa, procurai a justiça; e vede se encontrais outra coisa que não seja a
graça de Deus.
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