Terça-feira da 2ª semana da Quaresma
Segunda leitura
Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho, bispo
(Ps 140,4-6:CCL 40,2028-2029)
(Séc.V)
A paixão de todo o corpo de Cristo
Senhor, eu clamo por vós, socorrei-me sem demora (Sl
140,1). Isto todos nós podemos dizer. Não sou eu que digo, é o Cristo
total que diz. Contudo, estas palavras foram ditas especialmente em
nome do Corpo, porque, quando Cristo estava neste mundo, orou como
homem; orou ao Pai em nome do Corpo; e enquanto orava, gotas de sangue
caíram de todo o seu corpo. Assim está escrito no Evangelho: Jesus
rezava com mais insistência e seu suor tornou-se como gotas de sangue
(Lc 22,44). Que significa este derramamento de sangue de todo o seu
corpo, senão a paixão dos mártires de toda a Igreja? Senhor, eu
clamo por vós, socorrei-me sem demora. Quando eu grito, escutai minha
voz! (Sl 140,1). Julgavas ter acabado de vez o teu clamor ao dizer:
eu clamo por vós. Clamaste, mas não julgues que já estejas em
segurança. Se findou a tribulação, findou também o clamor; mas se a
tribulação da Igreja e do Corpo de Cristo continua até o fim dos
tempos, não só devemos dizer: eu clamo por vós, socorrei-me sem
demora; mas: Quando eu grito, escutai minha voz! Minha oração suba a
vós como incenso, e minhas mãos, como oferta da tarde (Sl 140,2).
Todo cristão sabe que esta expressão continua a ser atribuída à
própria Cabeça. Porque, na verdade, foi ao cair da tarde daquele dia,
que o Senhor, voluntariamente, entregou na cruz sua vida, para
retomá-la em seguida. Também aqui estávamos representados. Com efeito,
o que estava suspenso na cruz foi o que ele assumiu da nossa natureza.
Como seria possível que o Pai rejeitasse e abandonasse algum momento
seu Filho Unigênito, sendo ambos um só Deus? Contudo, cravando nossa
frágil natureza na cruz, onde o nosso homem velho, como diz o Apóstolo,
foi crucificado com Cristo (Rm 6,6), clamou com a voz da nossa
humanidade: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? (Sl
21,2).
Eis, portanto, o verdadeiro sacrifício vespertino: a paixão do
Senhor, a cruz do Senhor, a oblação da vítima salvadora, o holocausto
agradável a Deus. Esse sacrifício vespertino, ele o converteu, por sua
ressurreição, em oferenda da manhã. Assim, a oração que se eleva, com
toda pureza, de um coração fiel, é como o incenso que sobe do altar
sagrado. Não há aroma mais agradável a Deus: possam todos os fiéis
oferecê-lo ao Senhor. Por isso, o nosso homem velho – são palavras do
Apóstolo – foi crucificado com Cristo, para que seja destruído o corpo
do pecado, de maneira a não mais servirmos ao pecado (Rm 6,6).
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